27 de ago. de 2007

COQUETEL DE HORMÔNIOS - Fantástico de 26/08/2007

Jovens que têm toda a vida pela frente muitas vezes tomam decisões em frações de segundo, sem pensar no dia de amanhã. Só que o tempo passa, e depois pode cobrar por essas escolhas. E aí? O que fazer?

O futuro, o que é? Depende de onde você olha para ele: a vida desde o início ou a vida desde o fim? A flecha do tempo não pára. Ao nascer, temos toda a vida pela frente. E depois?

O ciclo de vida transforma o nosso modo de perceber o presente e o futuro. A questão é saber exatamente como esse fato biológico interfere nas nossas expectativas e nas escolhas que temos de fazer.

O jovem ator James Dean costumava dizer: “Sonhe como se for viver para sempre; viva como se for morrer amanhã”. No auge da juventude, com o coração cheio de eletricidade, ele vivia intensamente o presente como se não houvesse futuro. Ironicamente, James Dean morreu num acidente de carro em 1955.

Sempre se diz que o otimismo e a impulsividade marcam a adolescência. É claro que isso varia muito de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. Existem jovens que vivem como velhos, assim como há velhos que teimam em viver como se fossem jovens.

“Meu nome é William Lee, pretendo dar a volta ao mundo num veleirinho de 10 pés. Eu vou sair, subir a costa do Brasil, passar o canal do Panamá, ir a Samoa. Depois continua pelas ilhas todas do Pacífico, passando por Taiti. Eu vou em direção aos Emirados Árabes, contorno o sul da Arábia e entro no Mar Vermelho. Eu acredito que esta viagem deva durar por volta de dois anos”.

“Já vi quase tudo, já tive as grandes emoções da vida, essa talvez seja a minha última grande emoção”.

Apesar de exceções como William Lee, existem algumas regularidades na maneira de perceber o tempo e de lidar com seus desafios durante as diferentes etapas da vida.

A observação detalhada do cérebro humano vem permitindo abrir a caixa-preta dos mecanismos que ajudam a explicar nossas escolhas temporais.

Os homens não nascem prontos. O bebê humano é um dos seres mais desamparados da natureza e, por vários anos, sua sobrevivência vai depender de um sistema de proteção que garanta o seu sustento e abrigo.

O recém-nascido tem todo o futuro a sua frente. Mas ele não sabe disso. E não sabe porque ainda não desenvolveu todo o seu equipamento cerebral e mental. Vive guiado pelos instintos e pelo aqui-e-agora da fome, do frio, da dor. Para ele, o ontem e o amanhã não significam nada.

A capacidade de imaginar o futuro e o autocontrole necessário para agir no tempo vão se formando lentamente, durante anos. O equipamento cerebral que nos habilita a fazer escolhas no tempo é uma herança genética da nossa espécie. Mas o seu uso depende também de muitos outros fatores.

“Eu acho que as pessoas podem ser divididas como mais impulsivas ou mais prudentes talvez desde o nascimento. Mas é certo que isso vai sendo moldado pela experiência.

Inclusive uma experiência que já se dá intra-útero. Porque afinal de contas a criança está exposta aos hormônios maternos. O estresse, as tensões que a mãe vai viver e isso influencia o desenvolvimento do sistema nervoso da criança”, explica neurocientista Luiz Eugênio Mello.

O fato é que a família é a única instituição que produz gente. A formação das nossas preferências em relação ao tempo está muito ligada ao padrão de convivência que tivemos em casa, durante a infância e a juventude.

“A gente poderia dizer que um oriental é um sujeito paciente, calmo, reflexivo. E um ocidental menos. Mas quando a gente compara um japonês nascido aqui no Brasil com um japonês nascido no Japão, os japoneses do Japão parecem ver muita diferença entre aqueles que nascem lá e aqueles que nascem aqui. E a base genética é a mesma”, diz Luiz Eugênio.

O equipamento responsável pela visão antecipada e pelo autocontrole está pronto ao final da infância. Mas aí a natureza reserva uma surpresa deliciosa: na juventude, explode no metabolismo humano um coquetel de hormônios que provoca fortes mudanças na maneira de perceber o tempo.

“A própria energia do jovem, por ser muito intensa, essa verdadeira tempestade de hormônios, faz que ele se sinta realmente muito poderoso. E isso faz com que ele se arrisque desnecessariamente às vezes, em situações de extremo risco, por uma sensação de que nada pode acontecer. Surpreendentemente, algumas dessas apostas acabam dando certo e talvez esse seja o lado positivo de permitir ao jovem tão impetuoso escolhas nesse momento de vida que dizem respeito a um tempo longo. No século 20, com o aumento da longevidade do homem, escolhas como o casamento, por exemplo, que era um imperativo para a vida toda, se tornou objeto de revisões em momentos de maior conflito. Por outro lado, existem escolhas que têm a sua radicalidade na impossibilidade de qualquer revisão. O uso de uma droga poderosa com a convicção de que comigo não vai acontecer nada, pode privar realmente o jovem da sua liberdade de escolha de forma definitiva. O fim da juventude é como o fim de uma bebedeira, o fim de uma longa intoxicação. E por isso mesmo, o cuidado das escolhas na juventude deve levar em consideração que esse estado de energia, impetuosidade, não é um estado permanente, mas um estado transitório. Um homem pode se tornar prisioneiro de suas próprias obras. Portanto, você ser livre não é só você poder fazer o que quer. É também você continuar querendo aquilo que você fez. Porque quando você não pode continuar querendo o que você fez, você vai encontrar, no tempo futuro, você como o seu pior inimigo, como o seu carcereiro”, diz o psicólogo João Augusto Pompéia.

Viver é bom, mas não é fácil ser jovem. Tensões e forças opostas se agitam o tempo todo dentro de nós, e a realidade é dura. Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã?

O nosso futuro pessoal e coletivo será o que fizermos dele – desde já.