23 de ago. de 2008

O DILEMA DE FAUSTO

ABRAHAM SHAPIRO

Fausto, um vendedor apaixonado. Poderia estar ganhando o dobro, mas continua patinando. Sofre a dor patética de poder vender muito mais, mas ser impedido pela incompetência de outros. Seu azar foi ter confiado numa empresa promissora. Na hora H ficou só na promessa.

Ele vende com desenvoltura e rara compreensão das expectativas do comprador. Descobre e penetra a difícil nuvem da necessidade do cliente.

A empresa acha que é séria e profissional. Os diretores conduzem os negócios usando percepções próprias - e só. Cometem erros desastrosos e os interpretam como fatalidades. Desconhecem e desprezam as constatações que os vendedores têm dos clientes. Assim, não fazem a menor questão de cumprir prazos, incrementar qualidade, responsabilizar ingerências internas ou punir teimosias que só põem a empresa a perder.

O Fausto sente-se protagonista de uma tragédia. “Eu finjo que vendo; eles fingem que entregam; e todos ficam felizes com as sobras”, diz ele.

O gerente de marketing é centralizador e arrogante. É afilhado de um diretor. Gasta recursos indiscriminados em apoios e propagandas sem direcionamento. Desconhece critérios e não faz a menor questão de tirar proveito destas ações. Já viu algo parecido? Despreza eventos onde se concentra grande número de formadores de opinião de seu segmento. Medalha de ouro em inépcia. Como se mantém no posto? Talvez saiba falar as palavras que os chefes gostam de ouvir, ou, quem sabe, levá-los na velha conversa dos planos futuros. Tudo está sempre bem, para este pseudo-profissional. Continuará bem enquanto houver futuro nesta empresa. Mas, por quanto tempo eles terão futuro?

Os que conseguem ver além desta lamentável realidade e sabem que nada, de fato, vai bem fingem tanto quanto os demais. Rezam aquela sabedoria de que “só diz a verdade ao patrão quem já tem outro emprego acertado!” Por isso, nem passam perto deste “esporte radical”.

Dia desses, o tal gerente - questionado sobre a ineficiência do processo comercial da empresa - disparou como argumento a marca ter sido reconhecida como “top of mind” por uma revista sabe-se-lá-de-onde. Segundo ele, esta é a prova definitiva de que estão no caminho certo em suas táticas de mercado.

Pessoas ingênuas e que ainda crêem impunemente ser possível acender charuto com nota de cem são as que mantêm empresinhas de pesquisas abertas. Os maiores estudiosos do comportamento do consumidor do planeta condenam veementemente a pesquisa top of mind como avaliação de perspectiva de negócio. Questionam os critérios, o valor científico, a validade e muitas das bobagens que as pessoas mal informadas imaginam a respeito do poder revelador das pesquisas. Confira Jack Trout em “O Líder Genial”. Quem deseja se aprofundar mais, leia o que for possível de Robert Cialdini. Há quem realize pesquisas sérias, com critério científico e, por isso, concludentes para a orientação de negócios. Mas sua atividade é pesquisa, e não conceder prêmios a troco de patrocínios gordos em anúncios publicitários.

Dia desses, tive o prazer de assistir à palestra da Sra Angela Hirata. Ela é o cérebro que posicionou as Sandálias Havaianas no patamar mais respeitável que um produto pode alcançar em nível mundial. Sua estratégia foi simples, estudada e firme - medida segundo parâmetros reais. Suas palavras são a mais nítida constatação de que o perfil do líder se concretiza na gestão e nos resultados dos negócios que ele dirige. Ela é uma profissional coerente. O sucesso do produto fala por ela.

Do lado oposto, o que se pode esperar de pessoas que fazem de seus negócios somente um meio de aparição ou ascensão social?

Fausto, amigo querido. Você é um talento. Há empresas desesperadas por alguém com os seus traços, potencial e resultados. Procure logo uma nova colocação e, assim que conseguir, diga a verdade a seus atuais patrões. Isto sim será útil e agradável.

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Abraham Shapiro é coach e consultor em liderança, formação e aprimoramento de time de venda e relacionamento com o cliente. Contatos: shapiro@shapiro.com.br