3 de fev. de 2008

MODELOS EM TRANSFORMAÇÃO

ABRAHAM SHAPIRO

Seria quase impossível você ainda não ter percebido, mas o tempo em que vivemos é o melhor de toda a história da humanidade. Nunca, em todas as eras, o ser humano dispôs de tantos recursos quanto nos dias de hoje. Se fosse possível a Mozart, Copérnico ou Lavoisier um rápido vislumbre dos recursos que temos à mão, certamente eles dariam tudo para estarem junto de nós ou em nossos lugares. E o pior é que, talvez eles fossem mais dignos e soubessem tirar melhor proveito que nós próprios.

Temos oportunidades sem precedentes de mesclar o melhor do velho e do novo, abrir novas perspectivas e estarmos conectados aos mais diferentes campos do conhecimento. Todo este acervo monumental de sabedoria está colocado diante de nós, como os pratos de um imenso e régio bufê com toda a variedade de iguarias possíveis à criatividade humana.

No entanto, há um problema aí. Tudo isso, novo e imensamente fantástico, está sujeito a nossa visão de mundo.

Quem estará preparado? Quem estará discernindo corretamente o valor de toda esta riqueza? Quem saberá colher os frutos maduros das árvores deste sobejo pomar? Como estará se processando a nossa relação com este universo de inovações? Sabemos navegar neste oceano em cujas águas mal superamos as milhas mais próximas de nosso porto de partida?

Conhece aquela figura de uma velha com uma verruga no nariz que, olhada por outro ângulo se transforma numa bela jovem com uma gargantilha e um lindo penteado? A psicologia nomeia esta variação visual de “Mudança de Gestalt”. Os traços e os pontos são os mesmos, mas a figura é significativamente diferente. O que mudou? Não foi a figura, mas a nossa percepção. O que está diante dos nossos olhos não sofreu alterações, mas o que está atrás deles mudou.

Nossa vocação natural é dar sentido às coisas. Isto é semelhante a uma história de detetive. Estamos numa luta contra o tempo, contra rivais inteligentes, peritos em criar pistas falsas para nos tirar da trilha.

Qual sentido estaremos dando ao contexto em que estamos vivendo hoje?

Em um mundo de profunda complexidade e um volume exagerado de informação, dar sentido nunca foi tão difícil e, ao mesmo tempo, tão importante. Ao contrário da maioria das histórias de detetives, nossa história de detetive não tem uma resposta simples – do tipo “foi o mordomo!”. Teremos maior dificuldade em dar um sentido a este novo tempo.

Minha pergunta é : o mundo que vemos hoje não poderá passar por uma mudança de gestalt amanhã?

A resposta é sim. Mas caso, estejamos vendo hoje a face mais feia e desprezível deste quadro, estaremos deixando de nos beneficiar com tudo o que já vale muito, hoje mesmo.

Precisamos aperfeiçoar nosso processo interior de dar sentido às coisas. Não podemos continuar caminhando de cabeça baixa, cuidando do caminho que está debaixo de nossos pés. Foi isso o que fizemos até hoje, e funcionou. Mas como será a partir de agora em que são imensas as chances de um trem de carga vir em direção contrária a nós? Teremos tempo de nos salvar? E se levantarmos a cabeça e olharmos adiante?

A empresa está igualmente exposta a estes mesmos riscos.

As organizações vivem hoje, uma realidade amplamente diferente de tudo o que a história empresarial narrou até aqui. Todos os conceitos estão em processo avançado de mudança: da gestão de pessoas à concorrência.

A tendência linear de ocorrência e previsão dos fatos está enterrada. O comportamento do mercado, do consumidor, das inovações, da concorrência, dos valores e dos relacionamentos tornarm-se não-lineares e, por isso, imprevisíveis aos modelos que foram bem-sucedidos até o presente.

Um exemplo é o conceito de estoque – cuja mudança começou a ocorrer nos tempos da emergência da entrega just-in-time. Desde lá, o estoque deixou de ser um ativo e passou a ser o oposto, um passivo. A rede de suprimentos ideal, hoje, é a mais enxuta possível, ao contrário dos enormes galpões de mercadorias de que os diretores se orgulhavam até a década de 80.

Outra situação: as pessoas já representaram despesas. Hoje elas são um ativo, chama-se Capital Humano e trata-se de um fator significativo na equação de lucro das empresas em geral.

Os ativos tecnológicos são geralmente considerados como bens de capital. No entanto, as mudanças estão ocorrendo tão rapidamente que a tendência predominante é a de que devem ser considerados como despesas.

Lembro-me de quando os balanços passaram a ser feitos com freqüência trimestral. As empresas que os faziam eram referências de eficácia na análise de resultados e na confiabilidade do mercado – especialmente as que disponibilizavam ações na bolsa. Hoje, com os sistemas de “fechamento virtual” a moda é o balanço em tempo real.

Quais destes são os modelos certos? Depende. Não há um modelo absolutamente correto para todas as épocas. Apenas há o modelo certo para um determinado momento.

Talvez, na era do laser vendido na banca da esquina, haja situações para as quais a solução seja a chama de uma vela.
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Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473