2 de fev. de 2008

LIDERANÇA E COERÊNCIA

ABRAHAM SHAPIRO

Nos últimos anos, um número enorme de novos modelos de gestão tem sido discutido nos meios empresariais. Curiosamente, quase todos são apocalípticos, do tipo ou faça ou sua empresa morrerá. Isso mostra que existe uma enorme confusão entre o que é pura filosofia e prática real.

Toda empresa é uma organização social, dentro de uma sociedade maior e a história comprova que os padrões sociais não mudam de uma hora para outra.

O desejo de ser atual e estar inserido nas novas ondas e tendências leva muitos líderes a perderem a lucidez quanto à harmonia entre os objetivos da empresa, seus valores, os valores de seus colaboradores e as práticas corporativas. Inovar por inovar, simplesmente, põe em risco o equilíbrio da coerência organizacional. Como resultado, os níveis de motivação e produtividade da equipe começam a despencar.
O que ocorre? O ser humano apresenta três tendências naturais, entre tantas outras, que precisam ser entendidas.

Primeira. As pessoas só adquirem confiança e respeito pelo líder quando identificam sintonia entre suas palavras e ações. Confiança não se determina. É resultado de uma construção diária. Depende de muita coerência ao longo do tempo. Neste quesito, é salutar não subestimar a memória das pessoas. Elas são extremamente severas.

Segunda. Cada pessoa quer compreender primeiro, para fazer depois. Ninguém se entrega ao novo sem que alguma visão lhe seja dada.

Terceira. É comum a adoção de uma postura defensiva para amenizar a insegurança quando há desconhecimento dos critérios e valores vigentes no contexto social. A imaginação, muitas vezes, se inclina ao negativo devido à conjugação das carências humanas com o instinto básico de preservação.

Essas são as tendências que favorecem ou dificultam a aceitação de novos modelos de gestão.

Cooperação, integração e motivação derivam de contextos individuais, mas são afetadas pelas ações dos líderes. Um eventual conflito entre a ação e o código de ética corporativa gera descrédito para a o líder e dificulta a realização de suas decisões. Começam a surgir nichos ou “feudos” dentro da empresa com colaboradores, áreas e departamentos distanciados por sua realidade particular.

Valores Pessoais e Organizacionais

Os valores pessoais e organizacionais formam a base de qualquer decisão mais séria. Fundamentam a autoconfiança e o senso de identidade pessoal.

O que são valores? Valor não é o que gostaríamos de ser, mas o que somos. Pode ser identificado através dos temas que ocupam o espaço mental – nossas idéias e o objeto de nossas conversas. Por ser importante, um valor sempre motiva uma ação. O problema é que a maioria das pessoas, assim como as empresas, não conhece nitidamente seus valores. Confundem intenção com ação, querer com ser.

Se valor é à base da motivação, o descompasso entre valores e objetivos tende a comprometer a qualidade dos resultados. Eis porque, quase sempre, missão, visão e valores corporativos não representam a verdadeira identidade do grupo e acabam sendo uma grande tolice aos olhos de todos os setores da empresa. São propostas distantes demais da prática expressa nos atos e convicções de suas lideranças, principalmente. A incoerência logo é percebida e torna-se motivo de escárnio e desconfiança.

Os líderes são mais observados que a média das pessoas. Deles se espera o exemplo da coerência da organização. O fato é que eles efetivamente o dão – quer seja um bom ou mau exemplo. A busca por resultados, portanto, não pode ser leviana quanto aos valores que norteiam as ações.

Os critérios decisórios todos devem ser baseados em valores. Eles traduzem a maturidade da organização. Quando claros e difundidos tornam viáveis as práticas de empowerment. Quando corrompidos pela incoerência organizacional, fazem surgir conflitos por transferência de responsabilidade, insegurança nas decisões e centralização do poder. Se a situação requer profissionais proativos e capazes de prover soluções que criem diferenciais competitivos, é erro grave corroer a segurança dos profissionais por falta de critérios decisórios consistentes e claros.

A coerência é o que define a autoridade moral do líder. Se as coisas não vão bem, o líder maduro reflete: “quais ajustes necessito fazer em minhas posturas e visão do negócio?” E então, tal como um motorista sabe que é infantilismo querer culpar as rodas porque o carro entrou na rua errada, o líder não precisa ter todas as respostas. Precisa, sim, criar o movimento e o interesse geral para encontrá-las.

Finalmente, somente a abertura ao diálogo e às discordâncias cria a liderança construtiva, modalidade de liderança baseada na conjugação entre ética e coerência nas decisões. Este caminho permite aproximar gestores e equipes, favorecendo o aumento dos níveis de conhecimento, a sinergia entre talentos, maior interação dos colaboradores e, conseqüentemente, times de alto desempenho.
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Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473