20 de nov. de 2007

UMA CIRCUNCISÃO EM BEER SHEVA - O VALOR DE UMA VIDA

TEXTO TRADUZIDO POR ABRAHAM SHAPIRO

Este artigo foi publicado no jornal Jerusalem Post, em 9 de novembro de 2007. Tomei a decisão de publicá-lo neste blog por ser uma belíssima lição para nós, brasileiros, sobre o valor da vida em um tempo onde tantas barbaridades e violências ocorrem, sem que autoridade alguma e mesmo a população tomem iniciativas contrárias.

Hoje, 9 de novembro, na cidade de Beer Sheva, onde, certa vez, o patriarca Abraham caminhou e até cavou um poço, um bebê Judeu vai entrar no pacto deste mesmo Abraham. O que torna esta cerimônia de circuncisão totalmente diferente de todas as outras é que o pai do recém nascido faleceu há sete anos.

O bebê é o primeiro filho de Aviva e Shimon Ohana. Qualquer pessoa que tenha passado a segunda intifada aqui em Israel, talvez se recorde da história de Shimon. Policial de fronteira em sua primeira missão, Shimon Ohana foi mandado para Guiló quando começou o bombardeio a este bairro de Jerusalém. Lançou-se sobre um garoto para protegê-lo e recebeu uma bala no peito. Os médicos trataram de revivê-lo sem êxito ali mesmo, no terreno onde tudo aconteceu. Foi transferido ao Hospital Universitário Hadassa em Ein Karém. Sua morte foi confirmada ao chegar. Seu coração havia deixado de bater.

O chefe de cirurgia, Dr Avi Rivkind, tomou uma decisão muito difícil de explicar e justificar sete anos depois: voltou-se para a sua equipe de estrelas médicas e pediu que tratassem de reviver o falecido. Pode-se chamar a isto ‘sexto sentido’ ou um momento de inspiração Divina. Grande quantidade de sangue foi bombeada ao coração, que estava vazio. O cirurgião cardiotoráxico Amir El Ami massageou o coração até sentir a primeira batida. Começava a bombear. Os anestesistas injetaram adrenalina.

Shimon Ohana estava vivo outra vez. O jovem rapaz de pele negra ficou em estado vegetativo. Apesar disso, o professor Rivkind continuou dizendo a Raquel, a mãe de Ohana, e a Meir, o pai, que não havia com que se preocupar. Algum dia, ele pessoalmente andaria com Shimon pelas ruas de Beer Sheva. E mais, prometeu a eles que estaria ao lado do dossel de casamento de Shimon.

Passaram dezoito dias sem nenhum movimento. De repente, seus olhos moveram e ele despertou.

Shimon recusava comida. Raquel Ohana confessou que seu filho sempre foi de comer bem. Do que ele gostava? Era louco por suas almôndegas caseiras. O professor Rivkind mandou Raquel para casa e cozinhar almôndegas. E quem era ela para discutir com o médico que predisse a recuperação de seu filho? Tomou um táxi de Jerusalém a Beer Sheva e no caminho ligou para a vizinha pedindo que tirasse a carne picada do frízer. Raquel Ohana passou toda a noite cozinhando almôndegas. Pela manhã, voltou ao hospital com uma cheirosa panela. Agora era ela que dava ordens ao Prof Rivkind.

O cirurgião tinha só que observar como ela ia dar de comer a seu filho convalescente: almôndegas marroquinas com muito alho, do tamanho de uma bola de golf.

Quando Shimon terminou a primeira almôndega, fez cara feia. Raquel pensou que estivesse reclamando ou algo parecido, porém, o que se passava é que ele queria mais. O doutor permitiu. Shimon comeu outra almôndega e repetiu o gesto. Depois de quatro almôndegas mais, se acalmou. Não passou muito tempo até que deixou o hospital caminhando sem ajuda.

Shimon passou a ser uma celebridade nacional. Foi convidado a ir a Paris e subiu a Torre Eiffel. Finalmente, o Dr. Avi Rivkind caminhou com ele pelas ruas de Beer Sheva. E quando Shimon e Aviva se casaram, há um ano, o Prof Rivkind apareceu na festa. Ao entrar, os músicos fizeram o toque do Shofar – um chifre de carneiro tocado como trombeta no anúncio solene da chegada do Ano Novo Judaico e em ocasiões de grande importância.

Posso assegurar que muitas lágrimas vão correr no dia de hoje, nesta especial cerimônia de circuncisão, porque celebra uma nova vida na casa da família Ohana.

Durante todos estes anos de reabilitação, de subidas e descidas, Raquel sempre esteve preocupada com o futuro de Shimon. Ele não é exatamente o mesmo Shimon que foi antes de tudo isso acontecer. Sua saúde e concentração não são mais as mesmas. Mas a sua vida vale mais que tudo.E num lugar onde a vida tem tanto valor, como em Israel, lágrimas doces, amargas e almôndegas bem condimentadas acabam fazendo parte da verdadeira e apaixonada alegria de simplesmente se estar vivo.