26 de nov. de 2007

PESSOA VAI AO SHOPPING NÃO SÓ PARA COMPRAR, MAS PARA SE MOSTRAR

ISABELLE MOREIRA LIMA - FOLHA DE SÃO PAULO, 25/11/07

O consumidor contemporâneo tornou-se performático. Ele vai a um shopping center não apenas para comprar, mas para consumir comunicação, para se mostrar, para encontrar as pessoas. Nesse sentido, o shopping center é a "fábrica da contemporaneidade".

A tese é do italiano Massimo Canevacci, professor de antropologia cultural da Universidade La Sapienza, de Roma, que esteve no Brasil neste mês para apresentar palestra sobre a fetichização visual das marcas, realizada pelo instituto Ipsos em parceria com a Aberje. O fetiche, diz ele, está presente em quase toda a publicidade, principalmente na das marcas de luxo.

Esse é o tema do último livro de Canevacci, que será lançado no Brasil no começo do ano que vem, pela Ateliê Editorial, com o título provisório de "Estética da Comunicação Global". Leia, a seguir, trechos da entrevista à Folha.

FOLHA - O sr. defende que o consumo passou por modificações, fala em "consumo performático". O que isso significa?

MASSIMO CANEVACCI - Uma das diferenças fundamentais da transição da era industrial para os dias de hoje está justamente no consumo. Na época industrial, o consumo representava a etapa final da produção. Hoje, o consumo não existe somente no sentido clássico-modernista de coisas e mercadorias. Nos últimos 20 anos, o consumo virou produto de valores econômicos ou de estilo de vida. O consumidor contemporâneo é protagonista do consumo. Uma pessoa não vai a um shopping center somente para comprar coisas, mas para consumir comunicação, para se mostrar, para encontrar outras pessoas. Daí surge a idéia de um consumo performático. E, nesse sentido, o shopping center assume o papel de fábrica da contemporaneidade.

FOLHA - Qual o papel do fetiche no consumo contemporâneo?

CANEVACCI - As empresas, nos últimos anos, constroem um tipo de comunicação baseada nisso. O logotipo está na espiritualização do fetiche. O "brand" se baseia em uma identidade fetichizada, que as marcas mais significativas desenvolvem de maneira múltipla. Não é uma monomarca. É uma polimarca, um tipo de produto muito mais subjetivado. O desafio contemporâneo é justamente subjetivar o produto. A subjetivação é uma fetichização. O produto não é mais um produto, mas um ser.

FOLHA - De que maneira o fetiche transforma o produto?

CANEVACCI - O fetiche tem uma enorme potencialidade para cruzar o que era dividido, unir a dimensão orgânica à inorgânica. O fetichismo visual contemporâneo faz essa mistura. No momento em que eu compro uma coisa, essa não é uma coisa somente. É parte de um ser -eu a coloco na minha identidade e a minha identidade muda. A tendência contemporânea é ter uma "multiidentidade", o que chamo de multivíduo, isto é, vários "eus" em um só, o que é diferente de "nós".

FOLHA - O sr. vê uma ligação forte entre fetiche e consumo de luxo...

CANEVACCI - O consumo de luxo abriu essa mistura de códigos fetichizados, baseados na arte e no erotismo contemporâneo. Quando tudo foi misturado, foi aberta, por fim, uma avenida na qual aparece também o produto aparentemente banal. É o caso da Parmalat, que colocou no seio de uma modelo sua logomarca, um tipo de fetichização mais simples, mas que ao mesmo tempo tem sedução erótica forte.

FOLHA - O fetiche é capaz de valorizar um produto?

CANEVACCI - Claramente aumenta o valor do produto porque a sensibilidade de uma coisa que também é parte constitutiva da minha corporalidade favorece uma atração forte do consumo contemporâneo. Aumenta o valor, não necessariamente o preço.

FOLHA - O sr. diz que o fetiche transforma as coisas em seres. Ele pode transformar também seres em coisas?


CANEVACCI - Sim, claramente. A distinção é dualista, no fetichismo contemporâneo e também no tradicional. Uma banal fotografia de um pedaço de mulher [cita anúncio da "Harper's Bazaar" japonesa no metrô de Tóquio que traz a barriga grávida de Britney Spears] vira um fetiche visual. Há uma força nesse tipo de fotografia.

FOLHA - O sr. acha que essa fetichização dentro do mercado acontece em todos os lugares, é um fenômeno mundial?

CANEVACCI - É um fenômeno muito global e também "glocal". Acho que é uma tendência fortíssima da contemporaneidade. É um indicador para entender o processo da comunicação contemporânea.