Antes de conhecidas as trágicas consequências do terremoto no Japão, Nicholas Ambraseys (Imperial College em Londres) e Roger Bilham (Universidade do Colorado em Boulder) usaram estatísticas para assentar o argumento de que, quanto mais corrupto o país, tanto mais devastador o terremoto de certa magnitude.
Eles mostraram que, entre 2000 e 2009, os desmoronamentos de casas e edifícios provocados por 13 terremotos - mais fortes do que o que ocorreu no Haiti em janeiro de 2010 - acarretaram 165 mil mortes. E contrastaram esse fato com os desmoronamentos no Haiti, que mataram 300 mil pessoas - quase o dobro das mortes somadas de todos os outros 13, que tinham sido ainda mais intensos, mas ocorreram em partes do mundo menos corruptas.
A tese dos dois professores é que terremotos são mais devastadores em sociedades mais corruptas, porque subornos permitem burlar códigos e regulamentos de construções. E mais. A corrupção destrói não apenas a moldura que sustenta os edifícios, mas também as instituições sociais. Ao solapar o capital social, a corrupção destrói a solidariedade e aumenta o caos que se segue aos desastres naturais.
É tentador extrapolar o estudo dos dois professores para a análise do terremoto japonês, 900 vezes mais intenso do que o que devastou o Haiti, mas com menor número de mortos por desmoronamento. Rigorosas leis de construção salvaram milhares de vidas, disseram especialistas.
Mas a vida é mais complicada. Mesmo que investimentos em sistemas de detecção, prevenção e socorro tenham reduzido os danos causados pelo terremoto de 8,9 graus Richter e pela violência das ondas do tsunami que se seguiu, as dimensões do desastre nuclear de Fukushima ainda permanecem obscuras. Ao lado disso, o governo japonês já vem sendo criticado por grave displicência na escolha da localização das usinas.
O argumento dos professores ingleses é bom. O problema é conseguir dados para sustentá-lo. A maior parte dos estudos se baseia em números obtidos através de pesquisas que recolhem a opinião de homens de negócios a respeito de suas percepções sobre a corrupção em diferentes países. Os dados são subjetivos e difíceis de comparar.
Quando falta informação estatística confiável, fica difícil estimar os custos da corrupção e derivar os meios mais eficientes para combatê-la. A boa nova é que Benjamin A. Olken (professor de economia no MIT) e seus colegas têm inovado na coleta de dados e análise no estudo da corrupção.
Para os economistas, o custo da corrupção aparece de forma clara em dois casos. O primeiro é o da redução dos recursos que o governo poderia usar em programas de combate à pobreza. Por exemplo. Um estudo sobre a distribuição de arroz em programas na Indonésia compara o montante distribuído em cada região do país com o montante recebido por cada família pobre. Ao identificar o desaparecimento de 18% do arroz a ser distribuído e a concentração dos desvios em algumas regiões, abre-se a oportunidade de corrigir desvios que solapam os benefícios do sistema distributivo.
O segundo caso de custo alto da corrupção corresponde ao desperdício de recursos quando ela corrói a habilidade do governo de corrigir externalidades, isto é, de impedir ações que beneficiam um indivíduo, mas prejudicam a sociedade.
Considere, por exemplo, o caso do dano causado às estradas porque os caminhões carregam excesso de peso. O governo impõe um teto sobre o peso máximo que os caminhões podem carregar e uma multa sobre o excesso de peso. Se o motorista suborna o policial em vez de pagar a multa, reduz o custo de desobedecer à lei. A situação mais grave ocorre quando o policial extrai suborno igual à multa, mesmo que a pessoa não tenha desobedecido à lei. Nesse caso, o custo marginal de desobedecer à lei é nulo e ela deixa de servir como desincentivo ao crime.
Os professores Benjamim Olken e Patrick Barron examinaram essa possibilidade num estudo sobre transporte por caminhões na Indonésia. Eles contrataram pesquisadores para viajar com os caminhoneiros em 304 percursos e registraram 6 mil pagamentos ilegais feitos à polícia nos postos em que o peso do caminhão era verificado.
O estudo mostrou que 42% dos caminhões levavam peso que excedia em 50% o limite máximo. Nenhum dos motoristas recebia a multa oficial e quase todos pagavam o suborno, que não variava com o peso que os caminhões carregavam. Como mesmo os caminhoneiros que não carregavam excesso de peso pagavam o suborno, o custo de levar excesso de peso era nulo. Em consequência, mais caminhoneiros levavam excesso de peso, contribuindo para a deterioração mais rápida das estradas.
Tendo verificado que a corrupção de fato acarreta custos para a sociedade, Olken se pergunta qual a melhor forma de combatê-la em experimento aleatório realizado em 600 vilarejos da Indonésia durante construções de pequenas estradas. A ideia era testar qual a forma de monitoramento e controle que teria maior impacto na redução da corrupção.
Olken dividiu os vilarejos em três grupos, com cada um deles submetido a procedimento distinto. O primeiro usava processos de auditoria impostos pela autoridade central. Os outros dois utilizavam monitoramento pela comunidade (um com aumento da participação dos habitantes do vilarejo em encontros de supervisão e outro com distribuição de questionários para comentários anônimos).
Para medir a corrupção, Olken dispunha de informação sobre o custo real de cada item da construção e o preço declarado como tendo sido pago pelo construtor. Ele foi capaz de mostrar que as auditorias pelo governo central reduziam a corrupção em oito pontos percentuais (cerca de 30% do custo básico), enquanto as outras formas de monitoramento tinham efeito praticamente nulo.
Sua conclusão é de que a abordagem tradicional - aumentar o custo esperado do crime com maior probabilidade de ser pego com a boca na botija e castigado - ainda é a melhor forma de combater a corrupção. E isso parece ser verdade mesmo em ambientes em que a corrupção é tão difundida que supervisores, eles mesmos, são passíveis de corrupção.
De volta aos caminhões. Olken mostra que o suborno médio aumenta quando o número de postos de checagem diminui e corrobora a hipótese de que a estrutura do mercado de subornos tem um impacto sobre o suborno cobrado. Portanto, o desenho de políticas para combater a corrupção exige a consideração das interações entre agentes corruptos. Um grande número de agentes competindo por suborno reduz o retorno para cada um deles e aumenta a atividade que o suborno poderia de outra forma impedir.
O estudo da corrupção constitui um campo de pesquisa em formação entre os economistas. Mas na literatura o tema não é novo. A história e os romances ensinam como a corrupção destrói o herói que a abraça e a sociedade que o cerca.
No século XIX, o rei Leopoldo da Bélgica levou ao Congo formas cruéis de exploração, com a fundação da Associação Internacional para a Supressão da Escravidão e a Abertura da África Central. Quando Joseph Conrad visitou o Congo, brutalidade desumana e degradação reinavam supremas. Conrad usou o que viu ao escrever "Coração das Trevas" - precursor de perspectivas inovadoras sobre a natureza ambígua da verdade, do mal e da moralidade.
O tema central do livro é a corrupção moral em que deságuam outros temas, como o racismo, a loucura, a solidão, o engodo e a desordem, a violência e a crueldade. Essas emoções se combinam na vida de Kurtz, que abandona a razão e deixa que os instintos mais brutais governem seus atos. A corrupção de Kurtz resulta não apenas da solidão e isolamento impostos pela selva, mas também de forças escondidas em cada um de nós, que dormem à espera da ocasião de vir à tona. Kurtz talvez tenha compreendido os males da corrupção no leito de morte, ao pronunciar suas últimas palavras: "O horror! O horror!"
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Eliana Cardoso, economista, escreve semanalmente neste espaço, alternando resenhas literárias (Ponto e Vírgula) e assuntos variados (Caleidoscópio). www.elianacardoso.com