8 de mai. de 2011

"VEJO MEUS ERROS COMO UMA DÁDIVA" - ENTREVISTA COM KAREN DILLON


Ex-presidente da Procter & Gamble, A.G. Lafley fala de lições aprendidas a duras penas. 

Entrevista a Karen Dillon

Repórter: Muita gente o considera um dos dirigentes empresariais de maior sucesso da história recente. Mas essa trajetória também teve erros, certo?

Lafley: Sem dúvida. Um monte de erros e meu quinhão de derrotas. Mas é preciso superar a decepção e a culpa e entender de verdade o que aconteceu e por que aconteceu. E, mais importante ainda, é preciso saber o que se aprendeu e o que fazer diferente da próxima vez.


Que efeito seus erros tiveram sobre sua pessoa como líder?

Foram parte do meu crescimento e desenvolvimento. Qual a maior razão para um líder parar de se desenvolver e crescer? É ter deixado de se adaptar, de ser ágil. É a teoria de Darwin. Quando deixa de aprender, a pessoa para de se desenvolver e de crescer. Para um líder, é o fim.


Um líder aprende tanto quanto com o sucesso?

Não. Minha experiência me diz que aprendemos muito mais com o erro do que com o acerto. Basta pegarmos grandes figuras da política e times consagrados no esporte. Suas maiores lições vêm das perdas mais duras. O mesmo vale para qualquer tipo de líder. E, sem dúvida, valeu para mim.


Conte algum episódio em que a P&G aprendeu com o erro.

Aprendemos muito mais com marcas e produtos que não emplacaram, como o Dryel [kit caseiro de lavagem a seco] e o Fit Fruit & Vegetable Wash [desinfetante de frutas e verduras] do que com campeões de vendas como o Febreze e o Swiffer.

Vou contar um dos meus favoritos: em 1980 a P&G tentou entrar no negócio de alvejantes. Tínhamos um produto diferenciado e superior —um alvejante seguro para lavagem a baixas temperaturas. Criamos uma marca, a Vibrant. Fomos testar o produto em Portland, no [estado americano do] Maine.


Por que no Maine?

Achávamos que o mercado era tão distante de Oakland — na Califórnia, onde ficava a sede da Clorox — que talvez pudéssemos passar despercebidos. Entramos nesse mercado com o que, a nosso ver, era um plano de lançamento triunfal: presença em todo o varejo, distribuição pesada de amostras e vales e bastante publicidade na TV. Tudo para fazer o consumidor conhecer e provar uma nova marca de alvejante, com um produto melhor.



E então?

Sabe o que a Clorox fez? Deu a todo lar em Portland um galão grátis de alvejante — entregue na porta da casa. Game, set, match para a Clorox. Já tínhamos comprado toda a publicidade. Tínhamos gasto o grosso da verba de lançamento com amostras e vales. E ninguém na cidade de Portland ia precisar comprar alvejante por muitos meses. Acho que a Clorox até deu ao consumidor um desconto de US$ 1 no galão seguinte. Basicamente, nos mandou o seguinte recado: “Nem pensem em entrar na categoria de alvejantes”.


E como vocês se recuperaram do revés?

Sem dúvida, aprendemos a defender uma marca já estabelecida. Anos depois, quando a Clorox tentou entrar no negócio de sabão para roupa, o recado que enviamos foi igualmente claro e direto — e, no final, eles tiraram o produto do mercado. Acima de tudo, pude entender o que dera certo e podia ser aproveitado do fracasso daquele alvejante: a tecnologia para roupas coloridas e baixa temperatura do alvejante da P&G. Fizemos alterações e usamos a tecnologia num sabão para roupa, o Tide. Em seu auge, o Tide com alvejante gerava uma receita de mais de meio bilhão de dólares.

O consumidor ainda usa tanto o alvejante sozinho quanto o sabão com alvejante. Ou seja, no final foi uma vitória para consumidores, varejistas e fabricantes. O produto gerou mais consumo na categoria, uma experiência melhor de limpeza em casa e uma proposta de valor melhor para todos os envolvidos. Mas aprendemos que o ataque direto a cidades fortificadas, ao estilo da 1ª Guerra Mundial, geralmente termina com muitas baixas.


Como fazer do erro uma ferramenta?

Muitos presidentes — incluindo eu — usam a inovação e a aquisição de outras empresas para crescer de forma orgânica e inorgânica de um jeito equilibrado e sustentado. Inovar e comprar são coisas arriscadas, com elevados índices de insucesso: 80% ou mais no caso da inovação com novos produtos em nosso setor; 70% ou mais no de aquisições. Logo, pedi a uma equipe da P&G que fizesse uma análise detalhada de todas as nossas aquisições de 1970 a 2000. E a triste constatação foi que apenas 25% a 30% tinham dado certo. Nesse caso, “dar certo” significava “ter atingido ou superado (…) as metas do investimento”. Sucesso parcial significava “ter excedido o custo do capital”. Estudamos os erros em detalhe. Identificamos os problemas e descobrimos padrões em nossos erros.


Descobriram por que a P&G errava tanto na hora de comprar?

Sim. E, para espanto de ninguém, não é ciência nuclear. Havia cinco causas fundamentais para o insucesso: (1) ausência de uma boa estratégia para a combinação; (2) não integrar rapidamente ou bem; (3) esperar sinergias que não se concretizam; (4) culturas incompatíveis; e (5) lideranças que se recusam a jogar no mesmo time.


E como essa análise mudou as coisas?

Tendo identificado o problema, fechamos o foco naquilo que precisava mudar. Como nos organizar para cada fase da aquisição? Que processos instituir? Que indicadores interinos nos diriam se estávamos ou não no caminho certo? Tudo se resume a um processo disciplinado, com alguém no comando de cada fase do processo.


Que tal um exemplo de aplicação bem-sucedida desse processo?

Em 2005, quando compramos a Gillette — uma das dez maiores aquisições já feitas pela empresa —, montamos uma equipe e criamos um processo para evitar os erros do passado. Colocamos o presidente da Gillette, Jim Kilts, no conselho da P&G; Kilts e Clayt Daley, diretor financeiro da P&G, ficaram a cargo da integração da Gillette e da geração de valor. Identificamos todo elemento da geração de valor. Identificamos a sequência de integração e seus elementos. Colocamos um executivo bem graduado no comando de todas as iniciativas de criação de valor. Bob McDonald, o atual presidente, era o responsável pela integração das operações mundiais. Filippo Passerini ficou a cargo de integrar atividades de apoio e TI; Rick Hughes, de integrar compras; e por aí vai. Monitoramos o progresso de cada iniciativa de geração de valor com um processo simples de vermelho, amarelo e verde: “Estamos indo bem”, “Não estamos indo bem”. E levamos até a conclusão toda fase da integração, todo elemento da geração de valor.


Como determinar se a aquisição foi um sucesso?

A transação produziu mais de 150% das sinergias de custos estimadas originalmente. Ou seja, só em sinergias de custo gerou-se um valor suficiente para fazer da aquisição da Gillette um sucesso. As sinergias de receita, que continuam a surgir — em higiene oral, por exemplo, combinamos as marcas Crest e Oral-B e toda a inovação em produtos da categoria —, são algo que vem complementar as sinergias de custos.



Com a adoção do novo processo, como ficou o desempenho da P&G em aquisições?

Cientes dos problemas entre 1970 e 2000, conseguimos elevar o índice de sucesso de nossas aquisições de menos de 30% para mais de 60% nos últimos dez anos. Essa ideia de estudar a fundo o que deu errado no passado é muito importante. Porque o erro não é o oposto do acerto. Muita gente acha que ou há sucesso, ou há fracasso.

O erro, a meu ver, tem a ver com aprender — aprender o que dá para fazer melhor.



À luz dessas descobertas, a Gillette foi um caso perfeito de integração de outra empresa?

Não. Não foi um caso perfeito. Fizemos avaliações contínuas de todo aspecto da compra da Gillette. Muita coisa podia ter sido feita de maneira distinta e melhor — sobretudo na área de desenvolvimento e crescimento de talentos. Passei, pessoalmente, bastante tempo tentando garantir que indivíduos na lista de desenvolvimento de lideranças da Gillette fossem parar no cargo certo, mas perdemos um punhado de gente que não queríamos ter perdido — e não conseguimos colocar todo talento da Gillette no posto ideal já de saída. Vamos registrar essas lições — e usá-las da próxima vez.



Em vez de errar por ter feito algo, você já cometeu algum erro por não ter agido?

Perdi um punhado de grandes oportunidades em meus dez anos na presidência. Deixei de fazer duas aquisições potencialmente transformadoras: a de uma marca mundial de produtos de beleza e higiene pessoal e a de uma marca de medicamentos cuja venda passaria a ser liberada [ou seja, deixaria de exigir receita médica]. No primeiro caso, embora o sócio majoritário estivesse a favor, não consegui fechar com os investidores minoritários e perdi o negócio. Na segunda, tive uma conversa promissora com o presidente da divisão de saúde, que estava disposto a trocar os direitos sobre o medicamento de venda liberada por um fármaco de uso controlado em fase final de desenvolvimento na P&G. Os presidentes estavam de acordo; os diretores financeiros estavam trabalhando juntos para chegar ao valor certo para cada empresa e definir os termos do acordo. Teria sido um excelente negócio para a P&G.



Por quê?

Quando assumi o posto, em 2000, nosso negócio na prática era o da saúde. Atuávamos no setor de medicamentos com receita médica, no de remédios de marca de venda liberada e no de produtos de saúde não regulamentados. Gostava da área de “consumer health care” [não regulamentada]. Já a de medicamentos com receita, via com ceticismo. Não é uma área voltada ao consumidor: o médico receita um remédio, o plano de saúde cobre o grosso dos custos. Não é um negócio de marca. Além disso, um medicamento de uso controlado geralmente levava de 10 a 15 anos para ser desenvolvido — a um custo imenso — e a vida útil de um remédio desses estava limitada, quanto muito, à vigência da patente, ou 14 anos. Não era com medicamentos de uso controlado que a P&G competia melhor; não combinavam muito com o forte da empresa.

Era da opinião de que devíamos sair do negócio de medicamentos de uso controlado e investir mais em marcas de venda liberada, não regulamentadas. Vínhamos travando uma conversa sobre isso com a administração e o conselho quando apareceu a oportunidade — quando ficamos sabendo que um medicamento importante ia fazer a transição. A ideia era trocar um fármaco nosso em fase final de ensaios clínicos pelo medicamento que passaria a ser vendido sem receita médica. Ao propor a troca, estava tentando conseguir alguma espécie de apoio do conselho e da equipe de gestão para a estratégia que queria seguir, que em última instância era sair do setor farmacêutico [a P&G acabou vendendo o braço farmacêutico à Warner Chilcott em 2009].


E por que não deu certo?

No último minuto, os cabeças de nossa divisão de saúde, o diretor de P&D e um membro importante do conselho — que era do setor de saúde — se disseram contrários ao acordo. E, pensando bem, era uma atitude perfeitamente racional da parte deles. Os líderes do braço de saúde da P&G queriam manter os ativos e os negócios que tinham — não queriam abrir mão de um medicamento controlado promissor. O diretor de P&D tinha investido muito tempo, dinheiro e esforço pessoal no desenvolvimento do fármaco que usaríamos na troca. E o membro do conselho acreditava que tínhamos remédios de uso controlado promissores em desenvolvimento e que deveríamos tocar esse desenvolvimento até o fim.


Então, você desistiu do acordo?

Sim. No final, foi um erro enorme. A transição [de uso controlado para venda liberada] foi feita pelo laboratório original do produto e acabou sendo a terceira maior migração do gênero da história, só perdendo para a do Tylenol e a do Prilosec [omeprazol]. Ou seja, foi uma tremenda decepção.


Que lição você tirou desse episódio?

Que o nó, ali, não foi a lógica racional do acordo, não foi a estratégia nem a matemática ou o lado financeiro. Isso tudo estava bem amarrado e, para dizer a verdade, era bem atraente. O nó foi administrar a motivação e o comportamento humano e personalidades distintas. Simplesmente não vi essa aliança surgindo entre os líderes da divisão, o líder da P&D e um dos conselheiros mais influentes. Esse é um caso no qual a política foi mais forte do que a matemática. Um caso no qual o mérito estratégico a longo prazo não pesou; triunfaram os interesses de curto prazo dos envolvidos. Ficamos debatendo qual negócio seria maior e mais rentável para a P&G, o de medicamentos de uso controlado ou o de venda liberada — em vez de discutir se o negócio de remédios controlados combinava com a estratégia da empresa. Ou até se combinava mais do que outros negócios de saúde e higiene pessoal nos quais poderíamos ter investido dinheiro e talentos. Nossa visão foi tacanha, não foi global. Nesse caso, fui ingênuo.


O que você fez diferente depois disso?

Depois disso, em qualquer decisão importante tentei não pensar só na estratégia, na matemática, no lado financeiro e na lógica do negócio, mas também em quem ia ter influência na decisão e como poderia lidar com aquela pessoa e nunca mais ser pego desprevenido.


Que conselho você daria a outros presidentes sobre aprender com o erro?

Primeiro, que é bem mais provável que as lições mais importantes e reveladoras venham de erros, não de acertos. Segundo, que as lições precisam ser institu­cionalizadas para perdurar. Caso contrário, você con­tinua cometendo os mesmos erros e não aprende com eles. É por isso que fizemos uma análise em profundidade de erros na inovação e outra de erros na aquisição. Foi uma maneira de nos obrigar a encarar a realidade e de informar tanto à administração quanto ao conselho a taxa anual de insucesso nesses dois motores cruciais do crescimento. De nada serve eu aprender algo, pessoalmente, se a instituição não aprender as mesmas lições. É preciso criar o aprendizado institucional, criar uma memória institucional.

E não basta assumir a responsabilidade por seus erros. É importante criar uma cultura que transforme o erro em aprendizado e leve a uma melhoria contínua. Se o líder da empresa não fizer isso, é muito difícil instituir a cultura certa. É fundamental criar uma cultura de coragem e de abertura à mudança e ao aprimoramento contínuo.

Esse assunto, o erro, é muito importante, mas é mais discutido na teoria do que aplicado na prática. Durante todo o tempo em que fui presidente, acho que aprendi mais com meus erros do que com meus acertos. Vejo meus erros como uma dádiva. Se não encará-los assim, você não vai aprender com o erro, não vai melhorar — e sua empresa não vai melhorar.