8 de fev. de 2011

SE HÁ CRISE NO SEU MODELO DE NEGÓCIO...




Professora da Columbia Business School, nos EUA, Rita Gunther McGrath estuda a estratégia em ambientes voláteis, de alta incerteza. McGrath falou  com repórter da Universidade de Harvard sobre como reconhecer a aproximação de uma crise — e usar a oportunidade para adiantar-se a concorrentes.


Repórter: Por que há tanto interesse na inovação no modelo de negócios atualmente?

McGrath: Vejo três grandes razões. A primeira é a rapidez cada vez maior das coisas. Tanto o ciclo de vida quanto o ciclo de concepção de produtos estão encurtando. Quando o ritmo da mudança acelera, todo mundo percebe que é preciso sair em busca da próxima grande novidade. A segunda questão é a competição intersetorial. A concorrência está vindo de lugares inesperados. Quem teria previsto que o sucesso do iPad tiraria do páreo toda uma série de dispositivos de visualização — porta-retratos eletrônicos, por exemplo? E a terceira tendência é a ruptura causada por modelos de negócios que oferecem uma experiência melhor ao cliente em vez de simplesmente produtos. O varejo tradicional de brinquedos passa por um momento difícil, mas a [americana] Build-a-Bear faz o consumidor desembolsar um bom dinheiro para trabalhar de graça e fazer ele mesmo seu próprio ursinho de pelúcia. A empresária que teve essa ideia, a Maxine Clark, foi genial!


Que setores estão sofrendo a maior ruptura?

É melhor perguntar que setores não estão. O de petróleo e gás provavelmente é estável. O de certos bens de consumo, também. Mas, se não tiver fortes barreiras à entrada ou se estiver testemunhando mudanças em tecnologia ou regulamentação, seu setor vai enfrentar novas formas de concorrência. Depois que alguém demonstra que existe um mercado, é muito fácil os outros virem em seu encalço.


Quais os sinais de que um modelo de negócios está perdendo gás?

A primeira pista clara é quando novas gerações de inovação trazem avanços cada vez menores. Se seu pessoal tem dificuldade para achar novas maneiras de melhorar o produto, é um sinal. Um segundo é ouvir clientes dizendo que novas alternativas são, cada vez mais, aceitáveis para eles. E, por último, o problema começa a aparecer em seus relatórios financeiros ou em outros indicadores de desempenho.

Quando um modelo de negócios está em crise, os sinais costumam aparecer logo cedo, mas normalmente são ignorados ou rejeitados. Isso porque, na maioria das empresas, quem está no comando chegou lá devido ao sucesso com o modelo atual — ou seja, há pouquíssimo incentivo para que questione sua durabilidade. Daí a reação inicial ser a de negar o problema, seguida de tentativas desesperadas para fazer o modelo atual durar um pouquinho mais. O reconhecimento de que as coisas devem mudar só vem quando é tarde demais — e aí a mudança é muito mais dolorosa do que tinha de ser.



Há modelos de negócios — como aquele que garante uma experiência melhor para o cliente — nitidamente em ascensão?

Certos modelos de negócios são mais fortes do que outros. Basicamente, é preciso buscar um modelo que prenda o cliente, que traga fidelidade ou crie barreiras à entrada. Qualquer coisa que for automaticamente renovada garante uma certa aderência, ou “stickiness”, sobretudo se mudar de empresa for trabalhoso para o cliente. Quem já tentou trocar de operadora de celular sem mudar o número de telefone sabe o que é isso — é um aborrecimento, e demorado. Uma razão para as empresas estarem tão interessadas em fazer o cliente administrar sua conta com elas online é que, quando isso é feito, é preciso muito trabalho para encerrar o relacionamento. Qualquer coisa na qual seu serviço esteja incorporado ao serviço dos clientes — de modo que o cliente conte com você para suprir passos críticos em seus processos — é aderente. A IBM, por exemplo, obtém essa vantagem quando assume parte dos processos de informática de um cliente. Num modelo desses, o cliente só abandona a empresa se ela ficar arrogante ou gananciosa demais. Há, também, os modelos de plataforma. A Microsoft é um exemplo clássico. A empresa não vende apenas software — ganha muito dinheiro licenciando plataformas de software para outras organizações. Uma plataforma permite que a empresa cobre mais e mantenha a vantagem por muito tempo.


Que modelos devem ser evitados?

Aqueles em que o cliente compra algo uma única vez e acabou. Além disso — e esse é um problema maior do que se pensa —, é preciso garantir que haja um modelo de receita! As pessoas estão abrindo negócios que dão muita coisa de graça. Às vezes, não há problema — se puder experimentar com baixo custo ou tiver investidores pacientes. Mas é preciso, sim, um modelo com um caminho nítido para a monetização.


Digamos que esteja se reunindo com uma empresa que quer reinventar seu modelo. Quem deveria estar nessa discussão?

Calma, voltemos um pouquinho. Primeiro, é preciso ter processos que o levem a questionar as premissas atuais de seu modelo. Um exemplo: a Andrea Jung conduziu muito bem a Avon, mas a certa altura a empresa entrou em sérias dificuldades. Um de seus assessores sugeriu que, se a situação era tão ruim assim (a ponto de ameaçar seu emprego), talvez ela devesse se demitir na sexta-feira à tarde e se recontratar na segunda-feira cedo, para poder encarar a empresa com um novo olhar. Isso levou Jung a tomar decisões bem difíceis — demitir 25% de um quadro de gerentes que escolhera a dedo, mudar programas de marketing e reverter o curso de investimentos que ela mesma defendera.

O primeiro passo, então, é criar mecanismos que o levem a reexaminar suas premissas. Uma pergunta que incentivo as pessoas a fazer é: que dados nos levariam a tomar uma decisão diferente? Certifique-se de não estar recebendo apenas informações que confirmem aquilo em que você já acredita. Isso feito, dá para pensar que informação não tradicional faz sentido buscar. É preciso ir falar diretamente com clientes e passar pela experiência que eles passam para obter informações sem filtro. É preciso levantar da sua mesa, em outras palavras. Faça sua própria versão do [reality] Undercover Boss e veja o que é possível descobrir. Nunca esquecerei de uma experiência que tive em sala de aula com gente de uma operadora de telefonia celular volta e meia criticada pela péssima cobertura da rede. Quando perguntei por que a alta direção da empresa não se incomodava com aquilo, eles disseram: “Nós sabemos onde eles trabalham, que caminho percorrem para chegar até lá e para onde vão no fim de semana. Garantimos que a rede esteja sempre funcionando nesses lugares”. Esse distanciamento da realidade pode ser letal. É preciso manter contato direto com a verdade.

 Só depois de ter feito isso tudo será hora de reunir um grupo variado de gente — gente que saiba um pouco de tecnologia, gente que entenda as necessidades do cliente, gente que tenha uma visão mais ampla da possível evolução das coisas — para traçar hipóteses sobre as áreas nas quais a empresa deveria experimentar.


Se há vários experimentos possíveis, como saber em qual investir?

É preciso montar uma carteira de oportunidades. Acredito em investir em várias opções: algumas vão dar frutos, outras não. Algumas podem ser mutuamente excludentes. A [americana] Verizon, por exemplo, sabia que linhas fixas de telefone estavam desaparecendo. Muitas empresas teriam se limitado a seguir explorando o negócio, que ainda era uma boa fonte de caixa. Mas Ivan Seidenberg investiu em quatro ou cinco tecnologias de redes mutuamente excludentes e deixou que avançassem até que ficasse claro qual seria a dominante. Em seguida, investiu pesado nessa tecnologia e engavetou as outras. A maioria das empresas não age assim. O que faz é financiar o projeto com os melhores números.


Qual é o ritmo certo para mudar se a empresa ainda está fazendo um bom dinheiro com os negócios atuais e tem essa carteira de novos investimentos?

Essa é uma das questões mais difíceis — e queria muito ter uma resposta clara para você. O melhor que já conseguimos foi calcular o que chamamos de “bare-bones net present value”: tente projetar quando um novo negócio começará a gerar caixa. Em seguida, descubra como ganhar dinheiro com as atividades em declínio ou ache outra maneira de explorá-las. É possível, por exemplo, licenciar a tecnologia para empresas que ainda tenham interesse nela. Ou continuar a tocar o negócio, mas terceirizar as operações para um fornecedor de baixo custo. Esse período de transição é difícil, mas é bom parar para refletir sobre essas questões.


Imagino que o investidor não tenha lá muita paciência com o caos dessas transições.

Isso é verdade. Se uma empresa precisa sair de um negócio — dar baixas contábeis, se desfazer de ativos —, o mercado não gosta. Quem gosta, e muito, são firmas de private equity. Um número razoável de empresas hoje às voltas com uma grande mudança no modelo de negócios está parcial ou totalmente em mãos de firmas de private equity, e não creio que seja coincidência. Em minhas conversas com empresas mais evoluídas, algumas disseram que estão buscando investidores dispostos a ter paciência.


Empresas familiares têm um histórico melhor de “investimento paciente”?

Sem dúvida. A Bose lançou há pouco um produto chamado VideoWave, que cria um home theater de alta qualidade. A empresa passou cinco anos desenvolvendo a ideia. É uma espera longa por uma nova fonte de receita. Mas o pessoal na Bose acha que, por ter tido paciência para fazer a coisa do jeito certo, a vantagem de preço premium e do modelo de negócios vai durar. A empresa pode investir em ciência porque está há muito tempo sob controle privado. Olhou para o mercado de ações e disse: “Não, não é para nós”.

 Suspeito que vai surgir uma abordagem distinta ao investimento dessa onda de mudanças em modelos de negócios. É só pensar: o mercado de capitais funciona de um jeito que incentiva uma empresa às voltas com mudanças de grande escala a tomar as decisões certas? Tenho minhas dúvidas.


O que mais uma empresa pode fazer para transformar ameaças a seu modelo em oportunidades?

Quando uma empresa não responde aos desafios do modelo de negócios, em geral é devido a problemas de origem interna, como a falta de incentivos que citei lá atrás e uma distância muito grande do cliente. Minha sugestão é que os gestores pensem em questões internas que deveriam estar resolvendo agora. Porque, quando tudo vai bem, quando o modelo funciona normalmente e a pessoa está fazendo seu trabalho rotineiro, é fácil ignorar essas coisas. É forte a inércia nas organizações. É como uma criança. À noite, não há como colocá-la para dormir. E, de manhã, não há como acordá-la. A criança quer seguir fazendo o que quer que esteja fazendo. Com uma organização, é o mesmo.