9 de fev. de 2011

CRIE UM MODELO DE NEGÓCIOS VITORIOSO

Ramon Casadesus-Masanell e Joan E. Ricart


Modelo de negócios de empresas inteligentes gera ciclos que, com o tempo, fazem a empresa operar de modo mais eficiente.

A estratégia foi o principal pilar da competitividade nas últimas três décadas. Já no futuro, a busca de vantagem competitiva sustentável pode muito bem começar pelo modelo de negócios. Embora a convergência de tecnologias de informação e comunicação na década de 1990 tenha gerado um fascínio passageiro por modelos de negócios, fatores como desregulamentação, mudança tecnológica, globalização e sustentabilidade reacenderam o interesse no conceito atualmente. Desde 2006, uma sondagem semestral feita pelo IBM Institute for Business Value — o Global CEO Study — vem revelando que altos executivos em setores distintos encaram o desenvolvimento de modelos de negócios inovadores como grande prioridade. Um estudo correlato de 2009 revela que sete em cada dez empresas têm iniciativas de inovação no modelo e que a incrível parcela de 98% está mexendo de alguma maneira no modelo de negócios. A inovação no modelo de negócios, sem dúvida, veio para ficar.

 Não chega a surpreender. A pressão para abrir mercados em países em desenvolvimento, sobretudo os situados no meio e na base da pirâmide, está causando um surto de inovação em modelos de negócios. A desaceleração econômica no mundo desenvolvido obriga empresas a modificar o modelo atual ou a criar novos. Além disso, o surgimento de rivais novas, de base tecnológica e custo baixo, está ameaçando nomes estabelecidos, reconfigurando setores e redistribuindo lucros. Aliás, o modo pelo qual a empresa gera e se apropria de valor com o modelo de negócios está sofrendo uma transformação radical no mundo todo.

 Só que a maioria das empresas ainda não entendeu plenamente como competir por meio do modelo de negócios. Nossos estudos nos últimos sete anos mostram que boa parte do problema está no foco inarredável em criar modelos inovadores e avaliar sua eficácia de forma isolada — como um engenheiro testando novas tecnologias ou produtos. Mas o sucesso ou fracasso do modelo de uma empresa depende muito da forma como interage com modelos de outros atores do setor (quase qualquer modelo de negócios se provará espetacular se a empresa tiver sorte o bastante de ser a única no mercado). Por criar algo sem pensar na concorrência, a empresa rotineiramente adota modelos de negócios fadados ao fracasso.

 Nosso estudo também mostra que, quando empresas competem com modelos de negócios distintos uns dos outros, é difícil prever os resultados. Um modelo de negócios pode parecer superior aos demais se analisado isoladamente, mas criar menos valor do que os outros quando computadas as interações. Ou rivais podem acabar virando parceiras na geração de valor. Avaliar um modelo de forma isolada leva a conclusões equivocadas sobre suas vantagens e deficiências e a decisões ruins. Essa é uma grande razão para o insucesso de tantos modelos novos.

 Além disso, a propensão a ignorar elementos dinâmicos do modelo de negócios faz com que muitas empresas deixem de explorar seu pleno potencial. Poucos executivos percebem que o modelo de negócios pode ser projetado para produzir um efeito “winner-take-all” (ou “vencedor leva tudo”) parecido a externalidades de rede criadas por empresas de alta tecnologia como Microsoft, eBay e Facebook. Embora efeitos de rede sejam um aspecto exógeno de tecnologias, uma empresa pode produzir o efeito winner-take-all se fizer as escolhas certas na hora de conceber seu modelo de negócios. Um modelo de negócios bom cria ciclos virtuosos que, com o tempo, trazem vantagem competitiva. Empresas inteligentes sabem como fortalecer seus ciclos virtuosos, enfraquecer os de rivais e até usar seus ciclos virtuosos para transformar vantagens de concorrentes em debilidades.

 “E isso não é estratégia?”, volta e meia nos perguntam. Não é. E, se não aprender a entender as distintas esferas de modelos de negócios, estratégia e táticas (e, ao mesmo tempo, computar a forma como interagem), o gestor jamais descobrirá a forma mais eficaz de competir.







O que é, afinal, um modelo de negócios?

Todo mundo concorda que, para uma organização prosperar, seus executivos devem saber como funciona um modelo de negócios. Apesar disso, ainda há pouco consenso sobre uma definição operacional. Na opinião de Joan Magretta, que escreve sobre gestão, o modelo de negócios é “a história que explica como uma empresa funciona”. Isso nos remete a Peter Drucker, que o descreveu como a resposta às perguntas “Quem é seu cliente?”, “O que o cliente quer?” e “Como gerar valor a um custo aceitável?”.

 A saída de outros especialistas para definir um modelo de negócios é enumerar as principais características de um bom exemplar. Clayton Christensen, da Harvard Business School, sugere que o modelo de negócios deve ter quatro elementos: proposta de valor ao cliente, fórmula do lucro, principais recursos e processos cruciais. Uma descrição dessas, sem dúvida, ajuda o executivo a avaliar o modelo de negócios, mas impõe ideias preconcebidas sobre o formato de tal modelo e pode inibir o desenvolvimento de modelos radicalmente distintos.

 Nossos estudos sugerem que um componente do modelo de negócios devem ser as escolhas feitas por executivos sobre o modo como a organização deve operar — escolhas como práticas de remuneração, contratos de compras, localização de instalações, grau de integração vertical, iniciativas de marketing e vendas e por aí vai. Obviamente, toda escolha da gestão tem consequências. Exemplo: preços (uma escolha) afetam o volume de vendas, que por sua vez define economias de escala da empresa e seu poder de barganha (ambos consequências). Essas consequências influenciam a lógica da geração de valor e da apropriação de valor na empresa, de modo que também devem constar da definição. Em sua concepção mais simples, portanto, um modelo de negócios consiste de uma série de escolhas da gestão e das consequências dessas escolhas.



 Na hora de criar um modelo de negócios, a empresa faz três tipos de escolha. Escolhas de políticas determinam medidas tomadas pela organização em todas as suas operações (como contratar trabalhadores não sindicalizados, instalar fábricas em zonas rurais ou incentivar funcionários a voar na classe econômica). Escolhas de ativos têm a ver com os recursos tangíveis que uma empresa utiliza (instalações de produção ou sistemas de comunicação via satélite, por exemplo). E escolhas de gestão se referem à forma como a empresa define direitos de decisão nas outras duas esferas (devemos comprar ou alugar maquinário?). Diferenças aparentemente inócuas na gestão de políticas e ativos influenciam bastante sua eficácia.

 Uma consequência pode ser flexível ou rígida. A flexível é aquela que se altera rapidamente quando escolhas subjacentes mudam. A opção de aumentar preços, por exemplo, imediatamente resultará em volumes menores. Em comparação, a cultura de frugalidade de uma empresa (erguida ao longo do tempo com políticas que obrigam o pessoal a voar na classe econômica, a dividir o quarto de hotel, a trabalhar num ambiente espartano) dificilmente desaparecerá de imediato ainda que essas escolhas mudem — ou seja, é uma consequência rígida. São distinções importantes, pois afetam a competitividade. Ao contrário de consequências flexíveis, as rígidas são difíceis de imitar, pois a empresa precisa de tempo para criá-las.

 Vejamos o exemplo da Ryanair, que no começo da década de 1990 trocou o modelo de negócios tradicional por outro, de baixo custo. A companhia aérea irlandesa eliminou qualquer mimo ao passageiro, cortou custos e derrubou o preço a níveis inéditos. As escolhas feitas pela empresa incluíam vender passagens baratas, partir apenas de aeroportos secundários, ter só uma classe de passageiros, cobrar por todo serviço adicional, não servir refeições, fazer só voos de curta distância e usar uma frota padronizada de Boeings 737. Também decidiu usar uma força de trabalho não sindicalizada, dar fortes incentivos a esse pessoal, manter a sede enxuta e por aí vai. As consequências dessas escolhas foram altos volumes, custos fixos e variáveis baixos, reputação de tarifas razoáveis e uma equipe de gestão agressiva, para citar algumas (veja “Modelo de negócios da Ryanair ontem e hoje”). O resultado é um modelo de negócios que permite à Ryanair oferecer um nível decente de serviços a custo baixo sem diminuir radicalmente a disposição do público a pagar por seus bilhetes.






Como um modelo de negócios cria ciclos virtuosos

Nem todo modelo de negócios funciona igualmente bem, é claro. Os bons têm certas características em comum: estão alinhados com as metas da empresa, reforçam a si mesmos e são robustos (veja o quadro “Três características de um bom modelo de negócios”). Acima de tudo, um modelo de negócios de sucesso gera ciclos virtuosos, ou loops de feedback que, de novo, reforçam a si mesmos. Esse é o aspecto mais importante e negligenciado de modelos de negócios.




Nossos estudos mostram que a vantagem competitiva de empresas de alta tecnologia como Apple, Microsoft e Intel deriva em grande medida de seus ativos acumulados — a base instalada de iPods, Xboxes ou micros, por exemplo. As líderes não chegaram lá comprando esses ativos, mas fazendo escolhas inteligentes sobre preços, royalties, linha de produtos e por aí vai. Em outras palavras, são consequência de escolhas no modelo de negócios. Qualquer empresa pode fazer escolhas que lhe permitam acumular ativos ou recursos — sejam eles habilidades de gestão de projetos, experiência na produção, reputação, utilização de ativos, confiança ou poder de negociação — que façam a diferença em seu setor.

 Essas consequências viabilizam mais escolhas, e assim sucessivamente. O processo gera ciclos virtuosos que continuamente reforçam o modelo de negócios, criando uma dinâmica similar à de efeitos de rede. A roda gira e, com isso, faz crescer o estoque de ativos (ou recursos) cruciais da empresa, aumentando sua vantagem competitiva. Empresas astutas concebem o modelo de negócios para deflagrar ciclos virtuosos que, com o tempo, aumentam tanto a geração quanto a apropriação de valor.

 O modelo de negócios da Ryanair, por exemplo, cria vários ciclos virtuosos que maximizam o lucro com custos e preços cada vez mais baixos (veja o quadro “Principais ciclos virtuosos da Ryanair”). Todos os ciclos resultam em redução de custos, o que permite preços mais baixos, o que eleva as vendas e, no final, faz o lucro aumentar. Enquanto os ciclos virtuosos gerados pelo modelo de negócios não são interrompidos, sua vantagem competitiva segue crescendo. Assim como é difícil parar um corpo em rápido movimento devido à energia cinética, é duro interromper um ciclo virtuoso bem azeitado.




Um ciclo, no entanto, não tem duração eterna. Normalmente, chega a um limite e deflagra ciclos compensadores, ou desacelera devido à interação com outros modelos de negócios. Aliás, quando interrompidas, as sinergias atuam no sentido oposto e corroem a vantagem competitiva. Um dos ciclos da Ryanair, por exemplo, poderia se tornar vicioso se o pessoal se sindicalizasse e passasse a exigir salários maiores — impedindo a empresa de cobrar os menores preços. Isso faria com que perdesse volume; a utilização das aeronaves cairia. Já que o investimento da Ryanair na frota prevê uma taxa de utilização altíssima, a mudança teria efeito ampliado sobre a rentabilidade.

 É fácil entender que uma empresa de baixo custo, “no-frills”, possa criar um ciclo virtuoso; mas a que aposta na diferenciação também pode. Vejamos o caso da espanhola Irizar, fabricante de carrocerias de luxo para ônibus, que registrou grandes perdas depois de uma série de jogadas desastradas na década de 1980. A liderança da Irizar mudou duas vezes em 1990; o moral caiu a níveis recordes, levando o novo cabeça da equipe diretora, Koldo Saratxaga, a promover grandes mudanças. Saratxaga transformou o modelo de negócios da organização, fazendo escolhas que trouxeram três consequências rígidas: um tremendo senso de “posse”entre trabalhadores, a sensação de conquista e a confiança. As escolhas incluíram eliminar a hierarquia, descentralizar a tomada de decisões, focar em equipes para dar cabo do trabalho e dar a “posse” de ativos a trabalhadores (veja o quadro “O inovador modelo de negócios da Irizar”).




A principal meta da Irizar, como cooperativa, é aumentar o número de empregos com bons salários no País Basco — daí ter criado um modelo de negócios que gera grande valor ao cliente. Seu principal ciclo virtuoso vincula a disposição de clientes a pagar com um custo relativamente baixo, gerando altos lucros que alimentam a inovação, o serviço e a alta qualidade. Aliás, a qualidade é a pedra angular da cultura da Irizar. Com o foco na lealdade do cliente e uma força de trabalho com autonomia, a empresa registrou uma taxa anual composta de crescimento de 23,9% nos 14 anos do mandato de Saratxaga. Com produção de 4 mil carrocerias em 2010 e faturamento de cerca de € 400 milhões, a Irizar é um exemplo de modelo de negócios radicalmente diferente que produz ciclos virtuosos.

Competir com modelo de negócios

É fácil tornar um ciclo virtuoso quando não há concorrentes, mas poucos modelos de negócios operam num vazio — pelo menos, não por muito tempo. Para competir com rivais com modelos de negócios similares, a empresa deve rapidamente criar consequências rígidas — de modo a gerar e capturar mais valor do que as rivais. A história é distinta quando a empresa compete com modelos de negócios distintos; nesse caso, os resultados costumam ser imprevisíveis e é difícil saber que modelo terá bom desempenho.

 Vejamos, por exemplo, a batalha entre duas das maiores varejistas da Finlândia: o S Group, uma cooperativa de consumidores, e a Kesko, cujas lojas são controladas e operadas por uma rede de empresários varejistas. Acompanhamos as duas por mais de uma década. O modelo da Kesko parecia superior: os incentivos que dá aos franqueados deviam resultar em rápido crescimento e altos lucros. Na prática, no entanto, o modelo de negócios do S Group fere a Kesko mais do que a Kesko abala o S Group. Já que a clientela é dona do S Group, a varejista volta e meia derruba preços e aumenta o bônus do cliente; com isso, rouba mercado da rival. A medida obriga a Kesko a baixar os preços; seu lucro cai, desmotivando a rede de franqueados. Como resultado, o desempenho da Kesko perde para o do S Group. Com o tempo, o opaco esquema de governança do S Group vai tornando o sistema inchado, o que o obriga a elevar preços. Com isso, a Kesko pode fazer o mesmo — e melhorar a rentabilidade, motivar os franqueados e conquistar mais clientes de volta graças a uma experiência de consumo superior. Isso deflagra outro ciclo de rivalidade.

 Uma empresa tem três saídas para competir pelo modelo de negócios: pode fortalecer os próprios ciclos virtuosos, bloquear ou destruir os ciclos de rivais ou criar complementaridade com ciclos de rivais, o que faz substitutos virarem complementos.

 Fortaleça seu ciclo virtuoso. Uma empresa pode modificar seu modelo de negócios para gerar novos ciclos virtuosos e, com isso, competir de forma mais eficaz com rivais. Esses ciclos normalmente têm consequências que reforçam ciclos em outras partes do modelo. Para competir, Boeing e Airbus usavam, até bem pouco, basicamente os mesmos ciclos virtuosos. A Airbus oferecia o que a Boeing oferecia em toda área (à exceção do segmento de transporte comercial de porte muito grande, no qual a Boeing lançara o 747 em 1969). Dada a irregularidade da demanda de aviões, seu preço elevado e ciclicidade, a disputa em preços sempre foi intensa.

 Historicamente, a vantagem foi da Boeing, pois o 747 detinha um monopólio e a empresa podia reinvestir o lucro gerado para reforçar sua posição em outros segmentos. Analistas calculam que, no começo da década de 1990, o 747 respondia por 70 centavos de cada dólar de lucro da Boeing. Já que o investimento em P&D é o motor mais importante da disposição de clientes a pagar, a Airbus estava em desvantagem. Conseguiu se manter à tona graças a empréstimos a juros baixos de governos europeus. Sem o subsídio, o ciclo da Airbus teria se tornado vicioso.

 Já que os subsídios provavelmente teriam fim, a Airbus mudou o modelo de negócios, criando para tanto um avião de transporte comercial de grande porte, o 380. Para tentar dissuadi-la, a Boeing anunciou uma versão maior do 747. Já que tal aeronave derrubaria o lucro com o 747, parece improvável que a Boeing vá mesmo lançá-la. O 380 não só ajuda a manter virtuoso o ciclo da Airbus em aviões de pequeno e médio portes, mas também ajuda a desacelerar a virtuosidade do ciclo da Boeing. O aumento da rivalidade sugere que o 747 já não gerará tanto dinheiro para a Boeing. Daí a empresa estar investindo no desenvolvimento do 787 — para tentar fortalecer sua posição em aviões de médio porte, onde a concorrência deve ficar ainda mais acirrada quando as vendas do 380 decolarem.

 Enfraqueça o ciclo de concorrentes. Certas empresas conseguem avançar usando consequências rígidas de suas escolhas para enfraquecer o ciclo virtuoso de novas rivais. A ruptura que uma nova tecnologia causa (ou não) num setor não depende só dos benefícios intrínsecos da tecnologia, mas também da interação com outros atores. Peguemos, por exemplo, a batalha entre a Microsoft e o Linux — que alimenta seu ciclo virtuoso por ter custo zero e permitir que usuários contribuam para melhorar o código. Diferentemente da Airbus, a Microsoft se concentrou em enfraquecer o ciclo virtuoso da concorrente. Usa sua relação com fabricantes de computadores para que o Windows já venha instalado em micros e laptops, impedindo assim que o Linux expanda sua base de clientes. Desencoraja o público a tirar proveito do sistema operacional e dos aplicativos da Linux, gratuitos, ao espalhar medo, incerteza e dúvida sobre os produtos.

 No futuro, a Microsoft poderia aumentar o valor do Windows com um conhecimento maior dos usuários e a oferta de preços especiais para aumentar as vendas no setor educacional, ou diminuir o valor do Linux ao obstruir a compra por usuários estratégicos e impedir que aplicativos do Windows sejam executados no Linux. A geração potencial de valor do Linux pode, em tese, ser maior do que a do Windows, mas sua base instlada jamais ultrapassará a da Microsoft enquanto a gigante do software conseguir obstruir os principais ciclos virtuosos da rival.

 Transforme concorrentes em complementos. Rivais com modelos de negócios distintos também podem virar parceiras na geração de valor. Em 1999, a Betfair, bolsa de apostas na internet, fez frente a casas de apostas britânicas como Ladbrokes e William Hill ao permitir que uma pessoa apostasse anonimamente contra outras. Diferentemente das rivais tradicionais, que oferecem apenas estimativas de probabilidade (“odds”), a Betfair é uma plataforma de “dois lados” na internet. Nela, a pessoa tanto faz apostas quanto estima probabilidades para outros usuários. Negócios com um lado e dois lados têm ciclos virtuosos distintos: embora um agente de apostas gere valor com a gestão do risco e se aproprie dele com as estimativas de probabilidade que faz, a casa de apostas em si não corre risco; cria valor ao conectar os dois lados do mercado e se apropria dele ficando com parte do ganho líquido.

 Na última década, o ganho bruto da Ladbrokes e da William Hill caiu. Ou seja, a Betfair abalou as duas — mas não tanto quanto esperado. Já que a Betfair melhorou a estimativa de probabilidades de modo geral, quem aposta perde menos dinheiro. Com isso, faz mais apostas — e, ao receber o dinheiro, volta a apostar, alimentando um ciclo virtuoso. Isso levou o mercado britânico de apostas a crescer a uma proporção maior do que poderia sugerir a simples melhora das probabilidades. Por oferecer “odds” melhores, a Betfair também ajuda casas de apostas tradicionais a medir melhor o “pulso” do mercado e cobrir sua exposição a um custo menor. Quando um novo modelo de negócios cria complementaridade entre concorrentes, é menos provável que quem já estava no mercado reaja de forma agressiva. A resposta inicial de casas de apostas à Betfair foi hostil, mas a presença da rival de lá para cá é cada vez mais aceita.




Modelo de negócios x estratégia x táticas

Não há três conceitos de tanta utilidade para o gestor ou tão incompreendidos quanto o da estratégia, o do modelo de negócios e o de táticas. Muitos usam os termos como se fossem sinônimos, o que pode levar a péssimas decisões.

 É bem verdade que os três são interligados. Enquanto o modelo de negócios se refere à lógica da empresa — como ela opera e como cria e captura valor para stakeholders num mercado competitivo —, a estratégia é o plano para criar uma posição única e valiosa envolvendo um conjunto diferenciado de atividades. Essa definição implica que a empresa fez uma escolha sobre como pretende competir no mercado. O sistema de escolhas e consequências é um reflexo da estratégia, mas não é a estratégia; é o modelo de negócios. Estratégia tem a ver com o plano contingente sobre que modelo de negócios usar. A palavra-chave aqui é contingente; uma estratégia traz disposições contra uma série de contingências (como lances de concorrentes ou choques ambientais), venham ou não a ocorrer. Embora toda organização tenha um modelo de negócios, nem todas têm uma estratégia — um plano de ação para eventuais contingências.

 Peguemos a Ryanair. A companhia estava à beira da falência na década de 1990. A estratégia que escolheu para se reinventar foi virar a Southwest Airlines da Europa. A nova lógica da organização — sua maneira de criar e capturar valor para stakeholders — foi o novo modelo de negócios da Ryanair.

 Mudar escolhas estratégicas pode ser algo caro, mas ainda assim a empresa tem uma série de opções para competir, todas relativamente fáceis e baratas de implementar. Estamos falando de táticas — escolhas residuais abertas à empresa por força do modelo de negócios que emprega. O modelo de negócios determina as táticas disponíveis para a empresa competir no mercado. Por exemplo, o Metro, o maior jornal do mundo, criou um modelo de negócios calcado em anúncios que dita que o produto deve ser grátis. Isso impede o Metro de usar o preço como tática.

 Pensemos no modelo de negócios como se fosse um automóvel. Cada modelo de carro funciona de forma distinta — um motor convencional tem funcionamento bastante diferente do híbrido, o câmbio manual é bem diferente do automático — e cria um valor distinto para o motorista. O modo como o automóvel é projetado condiciona aquilo que o motorista pode fazer; determina que táticas o motorista pode usar. Um compacto de baixa potência traria mais valor para o motorista que quer manobrar pelas vielas estreitas do bairro gótico de Barcelona do que um utilitário esportivo de grande porte, no qual a missão seria impossível. Imagine que o motorista pudesse modificar as características do carro: forma, potência, consumo de combustível, assentos. Essas mudanças não seriam táticas; seriam estratégias, pois exigiriam mudar a máquina (o “modelo de negócios”) em si. Em suma, a estratégia é projetar e fabricar o carro, o modelo de negócios é o carro e as táticas são a maneira de dirigi-lo.

 O foco da estratégia é conseguir vantagem competitiva através da defesa de uma posição singular ou a exploração de um valioso e idiossincrático conjunto de recursos. Essas posições e esses recursos são criados por ciclos virtuosos, de modo que é preciso criar modelos de negócios que ativem esses ciclos. É difícil, sobretudo por causa da interação do modelo com o de outros atores — como concorrentes, complementadores, clientes e fornecedores, todos na luta para gerar valor e se apropriar dele. Essa é a essência da competitividade — e criar estratégias, táticas ou modelos de negócios inovadores nunca foi fácil.

 ______________________________

Ramon Casadesus-Masanell (casadesus@gmail.com) é professor associado na Harvard Business School, nos EUA. Joan E. Ricart (ricart@iese.edu) é titular da cátedra Carl Schroder Professor of Strategic Management and Economics na IESE Business School, na Espanha.