Se não for controlado, esse pecado capital pode sabotar o desempenho da empresa — e o do próprio invejoso.
Tanya Menon e Leigh Thompson
Ao entrar na sala do colega recém-promovido, você vê uma foto de sua bela família na nova casa de praia. Casualmente, o sujeito ajeita o terno sob medida. Menciona a reunião que terá com o conselho e a palestra que fará em Davos. Por um lado, você quer se sentir feliz por ele, quer festejar suas conquistas. Por outro, espera que caia numa fenda nos Alpes.
A inveja — o desgosto que alguém sente quando o outro consegue o que quer — é um sentimento universal. Nos últimos dez anos, estudamos centenas de executivos e organizações na tentativa de descobrir que papel esse pecado capital exerce no local de trabalho. Descobrimos que gente de todos os níveis de uma empresa pode sentir inveja, independentemente da conjuntura econômica. Durante uma crise, no entanto, o problema se intensifica. À medida que a situação piora, o trabalhador passa a temer pela própria pele e se ressente do sucesso de colegas.
A inveja fere relacionamentos, abala equipes e solapa o desempenho organizacional. Acima de tudo, prejudica quem a sente. Quando fica obcecado com o sucesso de outra pessoa, sua autoestima cai e você pode negligenciar ou até sabotar o próprio desempenho — e, possivelmente, a própria carreira. Controlar a inveja é difícil, em parte porque é duro admitir que nutrimos um sentimento tão socialmente inaceitável. Nosso desconforto nos leva a ocultar e a negar o que sentimos, o que só piora as coisas. A inveja reprimida inevitavelmente ressurge, e mais forte do que nunca.
No decorrer de nossa pesquisa, descobrimos que é possível impedir que a inveja consuma seu ser e até mesmo utilizá-la em proveito próprio. Neste artigo, vamos explicar como reconhecer pensamentos e comportamentos potencialmente destrutivos; como cultivar ideias mais generosas e produtivas; e como ser mais aberto aos outros, mais receptivo à mudança e mais realizado no trabalho. Também daremos sugestões para a gestão da inveja em sua equipe.
Dois colegas
A inveja já foi descrita como um microscópio social. Quando o sucesso de colegas de trabalho o incomoda, você se torna ruminativo. Fica remoendo toda interação com os rivais, comparando suas recompensas e analisando sem parar até o mais breve elogio que o chefe faz a outrem. Ao tentar reforçar seu frágil ego à custa de rivais, seu eu menos generoso aflora.
Certas pessoas ficam tão obcecadas com um rival que perdem o foco no próprio desempenho. Vejamos o que aconteceu entre dois colegas que chamaremos de Scott e Marty, executivos de uma renomada consultoria que eram tidos como a alma e o espírito da equipe. No começo, eram bons amigos. Chegaram a fazer um brinde um ao outro durante uma viagem de negócios, dizendo que iriam “mudar o mundo juntos”. Um inspirava e equilibrava o outro. Eram inseparáveis.
Embora objetivamente falando Marty tivesse um desempenho melhor, a personalidade de Scott e sua rede social lhe rendiam mais atenção, oportunidades e reconhecimento dentro e fora da firma. No começo, Marty controlou o ressentimento, dizendo a si mesmo que os outros inevitavelmente reconheceriam sua superioridade. Mas, quando o charme de Scott fez com que subisse mais, a inveja do colega triunfou. Marty criticava Scott em conversas no cafezinho, espumava de raiva quando o rival abria a boca em reuniões e quase já não o olhava nos olhos. Marty também se rebelou contra a organização — se afastou de colegas e se recusava a orientar analistas mais jovens que, até ali, ajudara sem pestanejar.
Tido como um astro no passado, Marty agora estava desanimado com o trabalho; seu desempenho era fraco. A alta cúpula estava perplexa. Como é que um profissional tão bom se convertera naquela força negativa? Um dia, Marty atacou Scott durante uma reunião, rompendo a relação profissional entre os dois e, no processo, sabotando a si mesmo. Scott seguiu subindo, mas Marty deixou a empresa, sentindo-se vingativo e incapaz de reacender o “amor pelo jogo”.
Efeitos colaterais nocivos
Essa história ilustra duas manifestações comuns da inveja: a crítica e o distanciamento. Quando alguém tem algo que invejamos, mas não podemos facilmente obter, como beleza ou charme, a tendência é diminuirmos o valor dessas qualidades e até mesmo tratá-las com desprezo. Para se sentir melhor, a pessoa diminui as conquistas daquele de quem se ressente, como fazia Marty ao criticar Scott com comentários como “Ah, foi pura sorte dele” ou “Ele só foi destacado para esse projeto porque sabe fazer política”. Ao usar esse linguajar, Marty também colocava em dúvida a justiça dos gestores que apoiavam Scott e, por extensão, a legitimidade da organização como um todo.
Também é comum a pessoa se distanciar do objeto de sua inveja. Embora concorrentes cordiais desafiem uns aos outros, o invejoso tem dificuldade para aprender e colaborar com os outros. No trabalho, isso pode levar a distúrbios ou omissões. Numa empresa de tecnologia que estudamos, gerentes que se sentiam ameaçados pelas ideias de um outro grupo simplesmente as ignoravam. Num banco de investimento, um executivo graduado tinha tanta inveja do posto e do poder de um colega que, em vez de falar diretamente com esse indivíduo, usava um intermediário para se comunicar com ele.
Por que nos afastamos de colegas que invejamos? Talvez porque o sentimento, em nós, seja mais intenso em relação àqueles mais próximos. Segundo o psicólogo Abraham Tesser, a pessoa sente mais desgosto quando um amigo próximo tem sucesso num campo pessoalmente relevante do que quando um estranho o tem. Um estranho é uma abstração, seu sucesso é mera estatística. Já o êxito de amigos próximos é vívido e, além disso, parece fora de seu alcance. Certa vez, Paul McCartney descreveu da seguinte maneira as barreiras psicológicas que minavam sua colaboração com John Lennon nos Beatles: “Se eu chegava com uma música, dava para ver um certo desconforto no John. No dia seguinte, ele chegava com uma canção e era eu que ficava empertigado. E cada um dizia ‘Ah, você vai fazer isso, vai?’”.
O desejo de manter distância de colegas de sucesso leva à perda de oportunidades e à ineficiência organizacional. Nossa pesquisa mostra que as pessoas querem saber mais sobre ideias surgidas em outras empresas do que sobre ideias apresentadas por rivais da própria organização. Num estudo, pedimos a gestores de diversos setores que traçassem estratégias de inovação para uma cadeia de restaurantes. Em seguida, pedimos que examinassem dois conjuntos idênticos de inovações no projeto do restaurante. A um grupo, dissemos que os projetos eram de estranhos; ao outro, que eram de gente de sua própria empresa. O passo seguinte foi medir a inclinação de cada um a usar as ideias e pedir que especificassem quanto, de uma verba de US$ 10 mil, alocariam para conseguir mais informações sobre as inovações. Os voluntários que achavam que as inovações eram de rivais externos estavam mais dispostos a usá-las e alocaram US$ 2.470, em média, para se informar mais; o grupo que achava que as ideias eram de rivais internos alocou US$ 1.740.
O que causou essa diferença? A preocupação com o status. Quando copiamos uma ideia de alguém de fora, somos vistos como empreendedores; quando emprestamos uma ideia de um colega, identificamos essa pessoa como um líder intelectual. Pedimos aos gestores que estimassem a probabilidade de perda de status por adotarem ideias de outros numa escala de 1 (extremamente improvável) a 7 (muito provável). Quem pensava que as ideias eram internas achava que sua chance de perder status era 36% maior do que quem achava que as ideias eram externas.
A aversão a aprender com rivais internos tem um alto preço organizacional, pois faz o profissional investir em ideias externas que custam mais tanto em tempo (muitas vezes usado na reinvenção da roda) como em dinheiro (quando se contratam consultores).
Pudemos constatar isso na prática na rede americana de bufês de salada Fresh Choice (num estudo realizado com Jeffrey Pfeffer, professor da Stanford Business School). No começo, os gerentes da Fresh Choice aplaudiam o cardápio inventivo e a decoração alegre de uma rede concorrente, a Zoopa. Quando a Zoopa foi comprada pela Fresh Choice, aqueles mesmos gerentes passaram a se sentir ameaçados pelos colegas da Zoopa e a criticá-los. A gerência da Zoopa — antes considerada “brilhante”, “criativa” e “motivada” — agora parecia, para gente da Fresh Choice, “esgotada” e “descuidada”. Os gerentes da Fresh Choice se recusavam a aprender com aqueles que, de longe, tinham admirado. A maioria dos gerentes da Zoopa acabou deixando a empresa, levando junto seu capital intelectual.
Interrompa a espiral descendente
A palavra alemã schadenfreude — o prazer com a desgraça alheia — foi rapidamente incorporada a outras línguas. O mesmo não se pode dizer do termo mudita (do Pali, antigo idioma da Índia), usado no budismo em alusão ao “prazer com a felicidade alheia”. É rara a pessoa que se sente automaticamente contente ao topar com alguém mais inteligente, mais bonito ou mais rico. Ainda assim, é possível cultivar mais generosidade de espírito e calar a cruel voz da inveja. Para lançar as bases do mudita, sugerimos técnicas simples que podem ajudar a pessoa a trocar a inveja por hábitos mentais mais produtivos.
Identifique o que desperta sua inveja. A sensação de inveja pode ser uma fonte útil de informação. Pode dar pistas sobre aquilo a que você dá valor.
O segredo, aqui, é entender que circunstâncias e qualidades do outro despertam sua inveja. Esse sentimento revela a lacuna que mais lhe provoca insegurança? Você inveja, por exemplo, gente que aprende coisas novas com mais rapidez, ganha mais ou é elogiada pelo chefe? Ao determinar exatamente aquilo que causa essa reação, é possível começar a controlar o sentimento de inveja antes que se transforme numa resposta contraproducente. Outra possibilidade é buscar melhorar em áreas que mais pesam para você (veja uma lista de perguntas úteis no quadro “Você está caindo na cilada da inveja?”).
Concentre-se em você, não nos outros. Comparar-se com os outros é natural. Pode até ser motivador. Só que, em demasia, pode levar à inveja, sobretudo se você for pouco generoso consigo mesmo. Melhor seria tentar comparar o que é hoje ao que foi no passado. Quando pedimos que mapeasse o próprio desempenho, Marty ficou surpreso ao ver que tinha conseguido aumentar as vendas em 5% a 10% ao ano em seu tempo na empresa. Isso fez com que se sentisse mais confiante — e aliviou o ressentimento que sentia por Scott.
Afirme-se. Reconhecer gatilhos emocionais e suas próprias conquistas talvez o ajude a controlar a inveja. Ainda assim, pode ser difícil sentir prazer no sucesso alheio. Caso se sinta ameaçado cada vez que um rival se dá bem, tente calar esse rancor instintivo com um exercício simples: lembre-se de seus próprios pontos fortes e conquistas. Num experimento, pedimos que voluntários pensassem num rival e se preparassem para uma tarefa na qual avaliariam as últimas ideias dessa pessoa. Antes da tarefa, metade dos participantes enumerou algumas de suas próprias realizações (“Sou um bom jogador de tênis”) ou valores que prezava muito (“Coloquei minha família em primeiro lugar”). A outra metade, não.
Esse simples exercício trouxe resultados profundos. Quando perguntamos aos participantes que porcentagem do horário de trabalho estariam dispostos a dedicar para saber mais sobre o plano do rival, descobrimos que gestores que tinham se afirmado se dispunham a alocar cerca de 60% mais tempo do que quem não tinha se afirmado. Imagine que isso significasse apenas dez minutos a mais por dia. Se multiplicarmos isso por 20 pessoas num departamento ao longo de um ano, o impacto poderia ser enorme.
Como administrar a inveja na equipe
Como vimos, a inveja tem um custo para a organização, começando pela pessoa que a sente. Marty, por exemplo, ficou tão obcecado com os resultados de Scott que deixou de se concentrar no próprio desempenho. A inveja também afeta o invejado, que pode ser alvo de sabotagem; embora parecessem inofensivas, as críticas que Marty fazia pelas costas de Scott poderiam ter prejudicado os projetos do colega, sua reputação e sua carreira, sobretudo se os outros sentissem o mesmo que Marty. A inveja também espalha negatividade por toda a organização.
Como gerente, é possível que você tenha de lidar com a inveja dirigida não só a seus grandes profissionais, mas a si mesmo. Negar promoções aos melhores membros da equipe ou rechaçar recompensas a seu próprio desempenho não é a saída para controlar a inveja. O melhor é admitir que reconhecimento e recompensas inevitavelmente despertarão inveja e, ciente disso, aplicar as seguintes técnicas para contorná-la e administrá-la.
Partilhe o poder. Um chefe que divide a glória com os subordinados e promove os outros ajuda tanto a equipe como a si mesmo. Uma alta executiva da Unilever que estudamos sempre premiava seus subordinados de sucesso com responsabilidade e crédito. Ganhou a reputação de alguém capaz de formar futuros líderes excepcionalmente motivados e criou aliados no processo. Foi promovida — justamente porque fazia os outros crescerem.
Torne abundante o que é escasso. Ao brigar por recursos que consideram limitados, os integrantes de uma equipe muitas vezes partem para o confronto. Embora certos recursos sejam, sim, finitos (verba, digamos), outros podem ser mais facilmente ampliados. Um gerente que estudamos, por exemplo percebeu que em reuniões da equipe um integrante estava sempre tentando se mostrar superior ao outro na tentativa de ter um tempo a sós com o chefe — recurso escasso. Embora a duração das reuniões fosse um recurso fixo, o tempo pessoal do chefe era flexível. Ao garantir a cada membro da equipe uma hora de conversa a sós com ele a cada semana, as reuniões ficaram mais colaborativas.
Compartilhar recursos com outras equipes também ajudará a conter a inveja em sua organização. É comum um gestor achar que pode garantir sua sobrevivência sonegando recursos — quando, na realidade, isso só faz com que se isole e perca aliados, podendo até pôr em marcha sua própria ruína. Dividir recursos estabelece as bases para a reciprocidade e a colaboração futura.
Dê ao invejoso e ao alvo da inveja esferas distintas de influência. Permitir que o invejoso separe mentalmente seu papel e demarque um território separado pode reduzir comparações invejosas. Scott, por exemplo, há pouco sugeriu a Marty que voltasse à empresa. Durante a conversa, a mágoa de Marty voltou a aflorar. Orientamos Marty a criar uma situação que não desse espaço para a comparação direta entre os dois. Sua sugestão foi ficar a cargo do pessoal de destaque na empresa, enquanto Scott ficaria com subordinados que precisavam de mais coaching. Com as tarefas claramente diferenciadas, Marty se sentiu pronto para enfrentar o desafio e aceitou voltar. O novo esquema tem dado certo: embora permita que os dois colegas aprendam um com o outro, seu trabalho não é diretamente comparável, e não podem ser avaliados pelas mesmas métricas.
Tenha cuidado com gatilhos linguísticos. A chefia involuntariamente fomenta a inveja ao indicar, com sinais sutis, que valoriza certos traços e conquistas mais do que outros (que, mesmo atraindo menos atenção, podem ser igualmente valiosos para a organização). Logo, seja particularmente cuidadoso ao se expressar. Um excesso de elogio em público à “liderança” de um membro da equipe, por exemplo, pode dar a impressão de que você menospreza a importância daqueles que seguem (numa universidade que celebrava a cultura da liderança, era comum os alunos fundarem clubes só para que pudessem ser seu “presidente”. Sem incentivos para “seguidores”, esses clubes penavam para atrair membros e raramente chegavam longe).
Na mesma veia, uma palavra como “inovação” lança as pessoas ao jogo da comparação. Em vez de destacar inovadores, incentive a colaboração e premie o “roubo” criativo. Thomas Edison festejava a criatividade necessária para aplicar, modificar e melhorar ideias, observando que simplesmente dava “valor comercial a ideias brilhantes, mas mal-empregadas, dos outros” e que ele em si era “mais uma esponja do que um inventor”. Além de premiar inovadores, a BP a certa altura tinha um prêmio (“ladrão do ano”) para honrar trabalhadores que reconheciam e aproveitavam inovações de colegas de trabalho.
A crise econômica levou muita gente a questionar seu próprio valor de mercado com mais urgência e medo. Em certos lugares, uma enxurrada de notícias sobre a disparidade de remuneração veio nos lembrar que não somos regiamente recompensados como certas pessoas. Redes sociais nos avisam quando contatos profissionais recebem uma promoção e estão desfrutando férias melhores do que as nossas. A ansiedade sobre nosso próprio desempenho ressalta nossa insegurança. Essas e outras forças se uniram recentemente para produzir uma tempestade perfeita de inveja organizacional.
Embora a inveja seja natural e automática, nossa pesquisa mostra que é controlável. Ao refletir sobre seus momentos vulneráveis e praticar novos hábitos, você pode transformar um sentimento indigno e nocivo em um meio de melhorar tanto seu desempenho como o de sua equipe.
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Tanya Menon (tanyamenon.research@gmail.com) é professora assistente de ciência comportamental na Booth School of Business (University of Chicago), nos EUA. Leigh Thompson (leighthompson@kellogg.northwestern.edu) é titular da cátedra J. Jay Gerber Professor of Dispute Resolution and Organizations na Kellogg School of Management (Northwestern University), nos EUA.