6 de fev. de 2011

O MEIO DA PIRÂMIDE - ESTRATÉGIAS PARA CONQUISTAR A CLASSE MÉDIA



Matthew J. Eyring, Mark W. Johnson e Hari Nair
University of Harvard

No momento, há mais de 20 mil multinacionais operando em economias emergentes. Segundo a revista Economist, a expectativa de múltis de países ricos é que 70% de seu crescimento futuro venha dali — 40% só da China e da Índia. Mas, se a oportunidade é imensa, o mesmo se pode dizer dos obstáculos para aproveitá-la. No ranking “Ease of Doing Business” de 2010, o Banco Mundial colocou a China em 89º lugar, o Brasil em 129º e a Índia em 133º de um total de 183 países. Resumindo as conclusões da instituição, a Economist escreveu: “A única saída para uma empresa prosperar nesses mercados é cortar custos sem piedade e aceitar margens de lucro próximas de zero”.

É verdade que os desafios são consideráveis. Mas não podíamos discordar mais dessa opinião. Vimos oportunidades do futuro numa esquina em Bangalore, numa pequena cidade no centro da Índia, num vilarejo no Quênia — e nenhuma exigia que a empresa abrisse mão do lucro. À primeira vista, nada poderia ser mais prosaico: uma lavanderia, um refrigerador compacto, um serviço de remessa de dinheiro. Já se olharmos atentamente para as empresas por trás disso, veremos a fronteira da inovação no modelo de negócios. Esses empreendimentos mostram uma saída para a empresa que quer escapar da demanda estagnada em casa, criar novos (e rentáveis) fluxos de receita e achar vantagem competitiva.

Essa afirmação talvez soe demasiado otimista dada a dificuldade registrada até aqui por empresas do mundo rico para entrar em mercados emergentes. Só que, a nosso ver, essa dificuldade não se deve à incapacidade de criarem um produto ou serviço viável, mas a um modelo de negócios errado. Muitas multinacionais simplesmente aplicam o modelo que usam em casa a mercados emergentes. Podem até fazer ajustes marginais, derrubando preços — talvez com a venda de porções menores ou o uso de mão de obra, insumos ou outros recursos mais baratos. Às vezes, até projetam e fabricam produtos localmente e contratam executivos do país. Mas a fórmula do lucro e o modelo operacional fundamentais permanecem os mesmos, fadando a empresa a vender basicamente para camadas de maior renda — que na maioria dos mercados emergentes não são grandes o bastante para dar suficiente retorno.

O que em geral falta até à mais astuta dessas iniciativas é um processo sistemático para reformular o modelo de negócios. Em mais de uma década de pesquisa e trabalho em mercados maduros e emergentes, fomos desenvolvendo um processo de inovação e implementação do modelo de negócios (veja “Reinvente seu modelo de negócios”, HBR Dezembro 2008, e “Aumente as chances de sucesso de seu novo projeto”, HBR Junho 2010). No plano mais básico, o processo consiste de três etapas: identificar uma tarefa importante (ainda não contemplada) que um cliente visado precisa realizar; criar um modelo capaz de cumprir essa função de forma rentável por um preço que o cliente esteja disposto a pagar; e executar com esmero o modelo e buscar aprimorá-lo (pondo à prova premissas essenciais e fazendo ajustes à medida que for aprendendo mais).



Comece pelo meio

Ao entrar em economias emergentes, a empresa estabelecida deveria se inspirar na estratégia de uma start-up, para a qual todo mercado é novo: em vez de buscar mercados adicionais para aquilo que já tem, melhor seria identificar necessidades não contempladas — “o trabalho a ser feito”, em nossa terminologia — que possam ser satisfeitas com lucro. Mercados emergentes estão cheios delas. É bem possível que nem as necessidades básicas de sua vasta população já tenham sido satisfeitas. Aliás, o desafio está menos em achar esses “trabalhos” do que em definir a quais deles sua empresa deveria se dedicar.

Muitas empresas já foram seduzidas pela promessa de lucro com a venda de altos volumes de produtos e serviços populares ao consumidor de baixa renda em mercados emergentes. Nesses mercados, também há ampla oferta de produtos e serviços nobres para os poucos que podem pagar: em quase todo lugar do mundo é possível comprar um Mercedes ou uma máquina de lavar roupa, ou se hospedar num belo hotel. Nossa experiência sugere um lugar bem mais promissor para começar: o vasto mercado no meio desses dois extremos. Nele, o consumidor é definido menos pela faixa de renda do que por uma circunstância comum: suas necessidades estão sendo (precariamente) satisfeitas por soluções atuais de baixo custo, pois nem a mais barata das alternativas nobres cabe em seu bolso. Empresas que criarem modelos de negócios e produtos e serviços novos para melhor satisfazer as necessidades desse consumidor de forma acessível vão descobrir enormes oportunidades de crescimento.

Peguemos o exemplo da fabricante indiana de bens de consumo duráveis Godrej & Boyce. Fundada em 1897 como vendedora de fechaduras, a Godrej hoje é um grupo diversificado que produz de cofres a tintura para cabelo, de geladeiras a máquinas de lavar. Em workshops que fizemos com os principais gerentes da divisão de eletrodomésticos, a área de refrigeradores mostrou alto potencial: devido ao custo de comprar e fazer funcionar uma geladeira tradicional com compressor, o produto penetrara apenas 18% do mercado.

Naturalmente, a primeira coisa que esses gerentes queriam saber era se a Godrej poderia lançar uma versão mais simples e barata de sua geladeira mais sofisticada. Em vez disso, pedimos que considerassem as principais necessidades de gente com pouca ou nenhuma refrigeração. Sabiam o que esse consumidor realmente queria? A resposta era não. Foi montada, então, uma pequena equipe para colher observações detalhadas, fazer entrevistas abertas e produzir vídeos etnográficos para lançar luz sobre o trabalho a ser feito para esse mercado inexplorado.

A população semiurbana e rural que essa equipe observou normalmente ganhava de 5 mil a 8 mil rúpias por mês (cerca de US$ 125 a US$ 200), vivia num único cômodo com mais quatro ou cinco membros da família e trocava sempre de moradia. Sem condições de ter uma geladeira só sua em casa, tinha de se contentar com um refrigerador coletivo, em geral de segunda mão.

Essa geladeira coletiva não vinha satisfazendo muito bem as necessidades desse público, mas não pelas razões que se poderiam esperar. Os observadores viram que o aparelho, quase que invariavelmente, continha poucos itens. Seus usuários iam às compras diariamente e traziam de volta pequenas quantidades de verduras e leite. Já que o fornecimento de energia não era confiável, até a pouca comida que queriam preservar ficava em risco. Além disso, embora quisessem esfriar a água de beber, fazer gelo não era um trabalho para o qual aquele público “contrataria” um refrigerador.

A equipe concluiu que o que esse grupo precisava fazer era conservar sobras de refeições (convertendo uma em duas) e manter bebidas a uma temperatura mais baixa do que a do ambiente — trabalho bem distinto do efetuado por geladeiras sofisticadas (que é manter à mão, resfriado ou congelado, um grande volume de artigos perecíveis). Nitidamente, não havia razão para se gastar o salário de um mês numa geladeira convencional e pagar uma conta de luz salgada para dar cabo daquela tarefa mais simples. E a solução, igualmente clara, não era um refrigerador convencional mais barato. Ali estava a oportunidade para a criação de um produto radicalmente novo para um mercado intermediário negligenciado.

Mirar esse mercado tem duas grandes vantagens. Primeiro, é mais fácil ajustar a solução a um trabalho que o consumidor já está tentando fazer do que criar uma demanda suficiente onde não há nada (algo que descobriram, para sua grande consternação, empresas que tentaram vender água purificada e outros artigos aparentemente essenciais). Segundo, é mais fácil atrair um público que já está pagando para dar cabo de um certo trabalho. Foi, basicamente, o que fez Ratan Tata com o Nano, o automóvel de US$ 2.500. Em vez de indagar “Como levar alguém que nunca adquiriu qualquer forma de transporte a comprar um carro?”, Tata perguntou: “Como criar uma alternativa melhor para gente que usa uma motoneta para transportar a família?”. A meta é redirecionar a demanda existente, mostrando um caminho claro de uma solução insatisfatória para outra, melhor.

Ofereça benefícios únicos por menos

Para redirecionar a demanda, sua proposta de valor ao cliente (PVC) deve resolver um problema de forma mais eficaz, simples, acessível ou barata do que as alternativas. Em mercados em desenvolvimento, descobrimos que os componentes de uma PVC que mais importam são preço baixo e acesso. Vejamos um por vez.

Preço baixo. Empresas de países ricos sabem que precisam lançar coisas mais baratas em mercados emergentes, mas volta e meia se limitam a oferecer menos por menos. Em 2001, por exemplo, uma garrafa de Coca de 300 ml custava dez rúpias — o salário de um dia, em média, e luxo que, segundo cálculos da empresa, só cabia no bolso de 4% da população. Para chegar aos outros 96%, a Coca-Cola lançou uma garrafa de 200 ml e cortou o preço pela metade, derrubando as margens para que o refrigerante pudesse competir melhor com alternativas comuns como limonada e chá.

Nossa experiência nos diz, no entanto, que uma abordagem bem melhor para criar algo econômico para um mercado emergente é trocar recursos caros e funções que as pessoas não precisam por outros mais baratos, que precisem. Para acertar a mão é preciso entender claramente o contexto no qual a novidade será vendida — o que exige mais trabalho em campo, de preferência de caráter colaborativo, não só observacional. É um bom conselho para o desenvolvimento de produtos em qualquer mercado. Aliás, vale tanto para empresas atuando em casa, como a Godrej, quanto para empresas de fora às voltas com o desconhecido.

A equipe da Godrej projetou e criou, do zero, o protótipo de uma unidade de refrigeração. Em seguida, fez testes junto ao consumidor. Em fevereiro de 2008, mais de 600 mulheres em Osmanabad, uma cidade na região indiana de Marathwada, se reuniram para participar de um evento de cocriação. Trabalhando com os protótipos originais e vários outros posteriores, colaboraram com a Godrej em todo aspecto do desenho do produto. Ajudaram a planejar o interior do aparelho, fizeram sugestões para a tampa e opinaram sobre a cor (optando, no final, por um tom groselha).

O resultado foi a ChotuKool (“geladinha”), uma “caixa” com tampa no alto que mede 45 centímetros por 60, tem capacidade de 43 litros e espaço suficiente para os poucos itens que a pessoa quer conservar por um dia ou dois. Tem apenas 20 peças (em vez das típicas 200). Não tem compressor, tubos de resfriamento ou refrigerante; em vez disso, usa um chip que esfria quando submetido a uma corrente e um ventilador como o que impede um computador de esquentar demais. A abertura no alto preserva a maior parte do ar frio no interior quando a tampa é aberta. A ChotuKool consome menos de metade da energia usada por uma geladeira convencional e funciona com bateria caso falte energia, algo comum na zona rural. Com apenas 7,8 quilos, é muito portátil. E custa US$ 69, metade do preço da geladeira mais básica do mercado. Por ter o tamanho certo para o trabalho, ser mais fácil de transportar e mais confiável do que um refrigerador comum quando cai a luz, supera a alternativa mais cara nos indicadores de desempenho que mais importam para esse consumidor.

Acesso. Não surpreende que a portabilidade seja importante para potenciais compradores da ChotuKool, pois é gente que está sempre mudando. E, já que a população em mercados emergentes tende a ser dispersa, obter bens e serviços pode ser mais difícil do que no mundo desenvolvido. Isso abre oportunidades para empresas que solucionam desafios de acesso.

No Quênia, por exemplo, há uma escassez de serviços bancários e transferir dinheiro é complicado e caro. Sem acesso a serviços tradicionais, muita gente precisa recorrer a alternativas pouco seguras como a hawala — uma rede informal de corretores que opera na base da confiança — ou transportar dinheiro em ônibus. Para resolver o problema, a britânica Vodafone lançou um sistema móvel, barato e seguro de transferência de fundos. Batizado de M-PESA (M de “mobile” e PESA do termo em suaíli para “dinheiro”), é operado pela Safaricom, maior rede de telefonia celular do Quênia.

O cliente se cadastra gratuitamente com um agente do M-PESA — em geral, um revendedor da Safaricom, mas às vezes um posto de gasolina, um mercadinho ou outro estabelecimento comercial. Uma vez cadastrado, pode depositar ou sacar dinheiro no agente ou fazer transferências eletrônicas para qualquer usuário de celular, ainda que este não seja assinante da Safaricom. Pode, ainda, comprar minutos da Safaricom para si ou outros assinantes. Há um custo fixo de cerca de 40 centavos de dólar para a transferência de pessoa para pessoa, de 33 centavos para saques de menos de US$ 33 e de 1,3 centavo para consulta a saldos. A Vodafone (que tem uma participação importante na Safaricom) administra a conta de cada cliente em seu servidor; já a Safaricom deposita o saldo de clientes em contas coletivas em dois bancos regulados, de modo que seu valor integral é garantido por ativos altamente líquidos.

Desde o lançamento, em março de 2007, o serviço já conquistou mais de 9 mil clientes — 40% da população adulta do Quênia. Segundo a revista Economist, até junho de 2010 os clientes da M-PESA já podiam realizar transações em cerca de 17.900 estabelecimentos de varejo, mais da metade na zona rural. É muitíssimo mais do que o total de agências bancárias, de correios e de bancos postais do país — cerca de 840 no todo.

Incentivado pelo sucesso da iniciativa original, o serviço passou a incluir o pagamento de contas, transferências de empresas para clientes (como salários e microcrédito), a entrega de ajuda humanitária e a remessa internacional de dinheiro. Depois de apenas três anos o M-PESA respondia por 9% da receita total da Safaricom. Mais importante, virou o motor que impulsiona o lucro da empresa, que migrou drasticamente do tráfego de voz para o de dados. A Vodafone acaba de lançar serviços similares na Tanzânia, no Afeganistão e na África do Sul e pretende entrar também no Egito, Fiji e Qatar.

Não enfrentar o desafio do acesso é uma causa importante do insucesso de tantas empresas na hora de adaptar seus modelos atuais a mercados emergentes. O volume maior que, esperam, virá compensar as margens de lucro menores acaba não resultando em lucro, pois o custo de atender a uma clientela dispersa em países em desenvolvimento com precária infraestrutura é, simplesmente, alto demais. Já as que criam novas abordagens (como a Vodafone) podem descobrir que é possível aplicá-las em muitos mercados.

Integre os elementos

Há várias maneiras de conceber um modelo de negócios. Nossa abordagem se concentra no básico e, também, em fatores que dificultam a migração de um modelo existente para um novo — requisitos de margem, custos fixos e “velocidade de recursos” (a capacidade de gerar um dado volume de negócios dentro de um prazo específico). Há quatro partes: a proposta de valor ao cliente, a fórmula do lucro, processos cruciais e os principais recursos que a empresa deve usar para honrar a PVC de forma reiterada e em escala. A vantagem competitiva surge da integração desses elementos para gerar valor para o cliente e para a empresa. Aqui, falar é fácil — e fazer, extremamente difícil. Tente sobrepor atividades tradicionais de sua empresa a essas categorias; isso indicará o quanto seria preciso mudar para integrar as atividades a um novo modelo de negócios (veja o quadro “Crie um novo modelo”).



Tendo formulado uma PVC para aquilo que pretende lançar, considere a base sobre a qual sua empresa compete: diferenciação ou preço. Se o produto ou serviço competir com base na diferenciação, é preciso perguntar: “O que tenho de fazer para produzi-lo?”. Esta pergunta, por sua vez, o leva a examinar o modelo no sentido anti-horário, observando primeiro que recursos e processos são necessários. O custo deles (tanto fixo como variável) vai determinar o preço capaz de garantir a margem de lucro desejada. Foi o que fez a rede de supermercados americana Whole Foods ao criar um novo mercado para alimentos orgânicos. Custos ditaram preços.

Já se a novidade competir com base no preço, é preciso avançar pelo modelo no sentido horário. De novo, o começo é a PVC. Em seguida, no entanto, definem-se o preço, uma estrutura aproximada de custos e, então, processos e recursos (não raro radicalmente distintos dos do modelo atual) exigidos para satisfazer seus requisitos de preço. Dada a importância do preço baixo em mercados emergentes, a trajetória da decisão é quase sempre no sentido horário. O inovador começa com um modelo de receita (“A nosso ver, é possível vender esse produto a um número X de pessoas ao preço Y”) e, em seguida, define a estrutura de custos necessária para garantir uma certa margem por unidade. Ter lucro com essa margem significa operar a uma certa velocidade de recursos, o que por sua vez dita decisões sobre como organizar as operações, que matéria-prima usar e outras questões.

Na maioria das vezes, esse exercício revela que não há como a empresa atingir metas de lucro em mercados emergentes com a mera redução de custos variáveis na atual fórmula de lucro e que um modelo, para ser viável, exigirá mudanças também em custos fixos ou despesas gerais. É o que Ratan Tata descobriu quando foi produzir o Nano, o carro de US$ 2.500. Não seria possível simplesmente colocar o veículo em produção e, de algum jeito, gastar menos para fazê-lo. Havia que reduzir custos fixos — o que exigia um carro com bem menos peças e mudanças em métodos de montagem e outros processos fundamentais. Executar modelos que exigem mudanças em despesas fixas, margens ou velocidade de recursos tende a ser problemático para empresas estabelecidas — não surpreende, portanto, que start-ups em geral levem vantagem na hora de lançar novidades que dão lucro de um novo jeito. Uma mente aberta é, talvez, o ativo mais importante que alguém pode levar a mercados emergentes. Aprendemos essa lição quando decidimos resolver um problema básico (mas complicado) de limpeza para um vasto grupo de consumidores frustrados.

A Village Laundry Service — que foi fundada por nossa empresa e usa a marca Chamak — foi criada especificamente para o mercado intermediário emergente. Na Índia, quem não tem máquina de lavar roupa, mas quer alternativas à laboriosa lavagem à mão depois de um longo dia de trabalho, tem opções nada atraentes: contratar um dhobi (alguém que lava pelo método tradicional) ou levar a roupa suja a uma lavanderia ou estabelecimento de limpeza a seco. Um dhobi é barato, mas usa a água que houver, o que pode ser pouco higiênico; bate a roupa contra pedras para limpá-la (o que estraga o tecido) e não ressarce o cliente em caso de danos; e leva de cinco a sete dias para devolver a roupa limpa. Uma lavanderia pode fazer o trabalho em quatro ou cinco dias, em geral devolve as peças em bom estado e ressarce o cliente se algo dá errado. Mas uma lavanderia pode ou não usar água limpa — e cobra bem mais do que um dhobi.

No início de 2009, fizemos uma incursão em várias localidades da Índia, de favelas urbanas a povoados rurais. Fizemos entrevistas e observamos o dia a dia de gente que enfrentava essa frustrante escolha. Qual era, exatamente, o trabalho a ser feito? Que tipo de serviço de lavandaria esses clientes contratariam? Descobrimos várias coisas: o trabalho não era assegurar que pudessem pagar para ter a roupa suja lavada como fazia a classe alta; era, antes, reproduzir a vantagem de uma máquina de lavar e secar em casa a um preço que coubesse em seu bolso. Não seria suficiente que as roupas voltassem em quatro dias — teriam de estar prontas em 24 horas, e por um preço bem inferior ao da lavanderia. E teriam de estar prontas para a coleta num local próximo.

Com esses requisitos claramente em mente, examinamos todas as partes do modelo de negócios para achar uma saída criativa para ampliar o acesso (mantendo custos baixos). Vimos imediatamente que seria difícil criar um negócio rentável que exigisse a abertura de lavanderias self-service tradicionais por toda uma cidade, pois a demanda era imprevisível e o investimento inicial de capital e garantias de aluguel seriam elevados. Nossa solução: quiosques portáteis de quatro metros quadrados, cada qual com uma eficiente máquina de lavar de abertura frontal e uma secadora, a serem instalados onde houvesse tráfego intenso de pedestres. O cliente deixaria a roupa ali para ser lavada, seca e passada, tudo em 24 horas. Por ser pequeno, o quiosque minimiza o gasto com aluguel; o abastecimento de água, que é independente e regido por um contrato fixo, custa menos e é mais fiável do que o serviço da concessionária pública. Cobertos de anúncios da marca Chamak, os quiosques também servem de outdoor, reduzindo a necessidade de publicidade paga. Mantemos baixos os custos de transação graças a um inovador sistema de ponto de venda composto de um celular ligado a uma impressora Bluetooth e a um servidor de relatórios, que imprime recibos, monitora pedidos e colhe dados sobre o volume de negócios.

Após muita experimentação, padronizamos procedimentos de contratação de pessoal e operação dos quiosques, incluindo testes para avaliar a aptidão e o compromisso de potenciais operadores; instruções de operação simples, pictóricas (bem parecidas às usadas em fast foods), para garantir um serviço uniforme; e um scorecard que registrasse nível de tráfego, satisfação do cliente, eficácia do marketing e outras variáveis para podermos prever a chance de sucesso de cada ponto e tornar a operação reproduzível e dimensionável.


É essa união inovadora de uma solução inédita com todos os outros elementos do modelo de negócios que torna o serviço da Chamak barato e rentável. O modelo permite à empresa cobrar 40 rúpias (cerca de US$ 1) por quilo de roupa — pouco mais do que cobra um dhobi e bem menos do que lavanderias e tinturarias profissionais (90 rúpias por peça, às vezes). A Village Laundry Service hoje atende a 5 mil clientes em cerca de 20 quiosques em Mumbai, Bangalore e Mysore. A empresa espera atingir o breakeven no final de 2011. Como em qualquer negócio novo, o desempenho da Village Laundry Service a longo prazo naturalmente dependerá de uma série de fatores difíceis de prever.




Do plano inicial à plena operação

Testar e implementar um novo modelo de negócios em mercados emergentes é tanto arte quanto ciência. Despachar uma equipe global de “especialistas” para passar meses estudando o mercado, traçar um plano e entregá-lo à equipe local para ser executado simplesmente não funciona. Ajustes rápidos com base nas lições iniciais aprendidas em campo superam o melhor e mais detalhado plano estratégico definido a priori.

A M-PESA deu certo, em parte, porque a autoridade bancária no Quênia autorizou a Safaricom a testar vários modelos de negócios desde o comecinho. A Safaricom tirou o máximo da oportunidade. Partiu em 2004: com 500 clientes, testou um sistema projetado para que quitassem microempréstimos. Ao provar o conceito no mercado, a empresa descobriu uma proposta de valor mais atraente: uma solução para o trabalhador urbano transferir fundos para amigos e parentes nas zonas rurais. Esse lampejo fundamental foi a base para o lançamento de serviços subsequentes; desde a estreia comercial da M-PESA, a mensagem da marca tem sido “Mande dinheiro para casa”. Simples, mas forte.

Isso não significa que ter tarimba seja desimportante na hora de criar um negócio novo num mercado emer­gente. Descobrimos, porém, que a tarimba ágil e funcional é a mais crítica em mercados emergentes, pois as incertezas ali são muito grandes. Uma ampla rede de recursos — incluindo agências de publicidade rápidas no gatilho, empresas capazes de criar protó­ti­pos sob encomenda, consultores financeiros que entendem a regulamentação local e um belo estoque de empreendedores locais para executar o plano — é essencial.

 A capacidade de conduzir experimentos de forma rápida e barata e usar o que aprender com eles para aprimorar o modelo de negócios é essencial para o sucesso. Com isso, é possível fazer correções de curso antes de se comprometer com grandes investimentos operacionais ou estratégicos. Há pouco, uma empresa que incubamos queria lançar um salão de beleza para o público masculino, mas não sabia se haveria demanda. Em vez de gastar fortunas com um estudo quantitativo em dez cidades, alugamos um pequeno caminhão com refrigeração e criamos um minissalão sobre rodas (com direito a uma cadeira de barbeiro, espelho, tesouras e outros apetrechos). Durante duas semanas, rodamos com o caminhão pelas ruas de Bangalore para aferir a demanda e testar distintos cenários de preços em distintos pontos. O experimento, que custou US$ 3 mil no total, deu respostas essenciais que nenhuma pesquisa poderia ter dado e demonstrou o potencial de um salão acessível e conveniente para o homem. O modelo da barbearia mudou: já não é ambulante, mas instalada em quiosques; e, agora, pensa em lançar serviços adicionais — como limpeza e clareamento de pele — que muitos clientes procuram.

 O potencial de tal inovação no modelo de negócios (como o de muitas outras inovações de ruptura) pode se estender muito além do mercado para o qual foi pensada. G. Sunderraman, vice-presidente de desenvolvimento corporativo da Godrej, vê a Chotu-Kool como uma nova plataforma de crescimento. As vendas no primeiro ano devem chegar a 10 mil unidades e a 100 mil até o final do segundo. Se encarasse a novidade como um mero refrigerador popular para o mercado intermediário, a Godrej talvez se contentasse com uma taxa de penetração moderada. Mas os gerentes da empresa a veem como uma nova categoria de produtos, fundada numa nova tecnologia, com o potencial de cumprir funções para gente em muitos níveis de renda. Em zonas com frequentes quedas de luz, quem tem um refrigerador convencional talvez queira um backup confiável e barato. Pequenas lojas, escritórios e fábricas podem usá-la para manter um estoque de bebidas refrigeradas. Clientes de renda maior — talvez até em economias desenvolvidas — poderiam usar o aparelho no quarto, no carro, no barco. Quando a tecnologia melhorar, acredita a Godrej, seria possível entrar no grande mercado, pois a ChotuKool terá mudado a expectativa de consumidores quanto a preços e desempenho de refrigeradores e atendido a uma necessidade até ali ignorada.

 Muitas empresas veem mercados emergentes como um grande laboratório de testes, e nisso estão certas. A clássica teoria da inovação de ruptura sustenta que o ideal é lançar a inovação num mercado onde as alternativas deixem a desejar em alguma dimensão (em geral, o preço) ou simplesmente inexistam. Mercados emergentes cumprem esse requisito. São uma arena excelente para provar um produto inovador longe do olhar curioso das concorrentes. Estamos convencidos, no entanto, de que há uma oportunidade muito maior em encarar esses mercados não como um grande laboratório para a P&D em produtos, mas como um cenário singular repleto de trabalhos precariamente feitos que poderiam ser abordados de forma criativa com a P&D no modelo de negócios. Criar novos modelos de negócios dará a sua empresa uma vantagem competitiva mais duradoura.

 _________________________________

Matthew J. Eyring (meyring@innosight.com) é diretor da Innosight, consultoria de inovação estratégica e firma de investimento com filiais nos EUA, Cingapura e Índia. Mark W. Johnson (mjohnson@innosight.com) é presidente da Innosight e autor de Seizing the White Space: Business Model Innovation for Growth and Renewal Hari Nair (hnair@innosight.com) é sócio, na Índia, do braço de investimentos da Innosight, o Innosight Labs.