21 de fev. de 2011

PULAR DE GALHO EM GALHO AJUDA NA CARREIRA PROFISSIONAL?

-
Monika Hamori

Subir na hierarquia costumava ser uma recompensa pela lealdade. Mas, com a eliminação de camadas de gestão na década de 1980, caiu o número de promoções — e aumentou o espaço entre elas. Para subir, o executivo começou a pular de empresa em empresa. Uma sondagem de 2009 da rede profissional ExecuNet concluiu que o executivo, hoje, fica em média 3,3 anos numa organização antes de puxar o carro. Para cada mudança de cargo dentro de uma mesma empresa há cerca de duas externas.

Mas é verdade que trocar de empresa acelera a trajetória do profissional rumo ao topo? Segundo meu estudo, não. Aliás, essa é uma de quatro falácias da gestão de carreira que identifiquei num estudo sobre a ascensão de executivos. Entender a realidade por trás da troca de emprego dá a executivos uma vantagem na hora de traçar planos para o futuro.

PRIMEIRA FALÁCIA

Quem troca sempre de emprego sobe

A ideia de que a pessoa sobe mais rápido se trocar de empresa a toda hora é reforçada por consultores de carreira, que orientam o profissional a ficar sempre atento a oportunidades no mercado. Mas os dados mostram que o executivo que não para no lugar não sobe mais do que colegas fiéis a uma única empresa.

Minha análise do histórico profissional de 1.001 presidentes das maiores empresas da Europa e dos Estados Unidos revela que esses indivíduos trabalharam, em média, para apenas três empresas em toda a carreira. E, embora o emprego vitalício seja cada vez mais raro, 25% dos presidentes da amostra passaram a carreira inteira na mesma empresa. Em geral, quanto mais tempo a pessoa ficou numa empresa, mais rápida sua ascensão ao topo.

Já que presidentes são um grupo especial, analisei a trajetória de outros 14 mil executivos (não presidentes) para comparar o resultado de seu vaivém dentro e fora de empresas. De novo, mudanças internas produziram uma porcentagem bem maior de promoções, e a um ritmo mais rápido.

Uma provável razão para o desempenho melhor de candidatos internos é que a empresa sabe mais sobre eles; promover alguém de dentro traz menos riscos do que contratar alguém de fora, por mais extenso que seja seu currículo ou mais detalhadas as referências. Firmas de seleção de executivos também dão preferência à estabilidade — uma ironia se considerarmos que seu papel é ficar levando profissionais de uma empresa para outra. Uma firma de TI americana avalia o candidato em dois eixos: estabilidade e “indicadores de desempenho e capacidade”. Para chegar à fase da entrevista, a pessoa tem de se sair bem em ambos. Um consultor de outra firma me disse que uma estada de menos de três anos numa empresa provavelmente não basta para que a pessoa dê uma contribuição relevante e, logo, não ajudaria muito a demonstrar o valor de um candidato. Consultores de recrutamento também tendem a interpretar a mudança frequente de emprego como sinal de que a pessoa não é boa para tomar decisões; já a longa permanência numa organização raramente é vista como sinal de estagnação.

Há exceções, é claro. Em setores menores, onde “todos se conhecem”, contratar gente da concorrência pode valer à empresa a pecha de desleal. Já em certos países, a troca frequente de emprego é inaceitável. Um gerente espanhol em meio de carreira que trabalhou no Japão por quase dez anos contou que, ali, deixar o emprego é visto como traição. A liberdade de movimentação de profissionais estrangeiros é especialmente limitada, pois o visto de trabalho em geral é patrocinado pela empresa.

Lições para o executivo. Primeiro, saiba que empresas de recrutamento estão buscando currículos que demonstrem um equilíbrio entre a movimentação externa e a interna. Um recrutador do setor financeiro que entrevistei disse o seguinte: “Gostamos de gente com duas ou três empresas. Depois disso, olhamos para os padrões: de preferência, dez anos numa empresa, dois ou três anos na seguinte, mas, depois, outra permanência de uns oito anos”. Muitas firmas de recrutamento buscam evidências de que um executivo esteja se integrando com — e sendo recompensado por — aqueles que trabalham com ele.

Segundo, lembre-se de que boa parcela dos executivos se deu bem ao permanecer numa única empresa; logo, só cogite a troca de empresa se isso for aumentar consideravelmente sua empregabilidade.




SEGUNDA FALÁCIA

Toda troca deve ser para cima

Uma mudança de emprego, interna ou externa, nem sempre significa promoção, apesar da impressão de que a carreira geralmente segue uma trajetória ascendente. Na verdade, muitas são laterais, até entre executivos relativamente bem-sucedidos.

Em meu estudo, mudanças que constituíram promoção satisfaziam ao menos um de dois critérios: resultaram em um cargo mais importante, com mais responsabilidades, ou levaram o executivo a uma empresa maior. Tais mudanças representaram cerca de 40% do universo estudado. Movimentos laterais — para outra divisão, região ou setor — eram igualmente comuns. E 20% das mudanças de emprego foram para baixo: um cargo menos importante ou com menos responsabilidades, ou um movimento lateral para uma organização muito menor (porte menor significa menos complexidade gerencial). Descobri que grandes promoções (ou seja, saltos consideráveis tanto de cargo como no porte da empresa) eram relativamente raras — menos de 5%.

Embora a mudança para baixo em geral prejudique o currículo, um movimento lateral de jeito nenhum faz mal à carreira. Aliás, se feito com sabedoria, pode se revelar benéfico a longo prazo. Um movimento lateral pode ser justificado pela perspectiva de promoção num futuro próximo, por exemplo.

Um profissional que chamarei de Robert fez há pouco uma mudança lateral: deixou um cargo de gerência numa empresa de manutenção industrial e assumiu um papel consultivo em outra (por questão de privacidade, nomes foram alterados). Mas o novo posto oferece a possibilidade de ascensão à ala executiva. Seu chefe, agora, é o vice-presidente de estratégia; Robert trabalha com gente de alto potencial em projetos que envolvem o diretor de operações e o presidente. Hoje, toma parte das atividades mais importante na empresa e entrou no radar da cúpula. Passados 18 meses, a empresa se prepara para remanejar o pessoal de alto potencial — e Robert é cogitado para um cargo executivo.

Quando a marca da nova empresa tem valor, uma mudança lateral muitas vezes turbina o currículo. A nova empresa de Robert tem redes em muitos setores em crescimento ou de alta visibilidade, como proteção ambiental e petróleo e gás. Isso dá a Robert uma valiosa rede de contatos e muitas oportunidades de aprendizagem. Um movimento lateral para um setor distinto também pode ampliar e aprofundar conhecimentos.

Lições para o executivo. Saltos rápidos rumo ao topo podem não garantir o su­cesso a longo prazo; muitas vezes, uma ascensão mais lenta, com uma mescla de movimentos laterais e ascendentes, é melhor. Uma multinacional de alimentos com mais de 60 mil funcionários monta um plano personalizado de desenvolvimento de dez anos para cada indivíduo de alto potencial. Uma forte visão generalista do negócio (incluindo conhecimentos sobre finanças, marketing e gestão de pessoas) é o fator determinante para a ascensão às altas fileiras executivas. Muitas empresas acreditam nisso, valorizando o funcionário que alterna entre cargos em departamentos e a gestão geral.

É verdade que quem permanece numa única área da empresa pode subir mais depressa na primeira fase da carreira. Mas logo bate num teto, pois fica muito especializado. Um dos principais executivos da multinacional de alimentos acima tem quase 20 anos de casa; passou temporadas de um a três anos em nove países, trabalhou em três departamentos da empresa e alternou várias vezes entre cargos de gestão e consultivos. Embora cada mudança tenha representado uma ascensão na hierarquia da empresa, nem todas podem ter parecido um avanço no papel.

Tenha em mente, ainda, que uma mudança que tecnicamente é uma promoção pode, na verdade, ser um desvio. Outro executivo, Michael, trabalhava no departamento jurídico de uma multinacional de tecnologia com mais de 20 mil funcionários. Quando lhe ofereceram a direção do departamento jurídico de uma das sete divisões da empresa, agarrou a oportunidade. Seu cargo mudou. Michael recebeu novas responsabilidades gerenciais. Passou a se reportar diretamente ao presidente da divisão. Só que o posto não tinha futuro, pois Michael não trabalhava bem com o chefe. Sua remuneração sofreu um sério golpe: embora o salário-base fosse o mesmo, houve um corte considerável tanto no bônus como em seu pacote de opções de ações.

É fácil se deixar distrair por um cargo mais importante, um universo maior de subordinados diretos ou outras tentações. Logo, ao cogitar uma troca, sempre considere qual poderia ser seu próximo lance e até que ponto a mudança atual o ajudará a atingir metas de longo prazo — ou o atrapalhará.


TERCEIRA FALÁCIA

Peixe grande nada em lagoa grande

Firmas de renome como Goldman Sachs e Morgan Stanley muitas vezes parecem “trocar” funcionários. Por terem culturas parecidas, buscariam profissionais de alta qualidade nos quadros das rivais . Também estariam interessadas no valioso conhecimento adquirido ali dentro.

Mas os dados mostram que quando um executivo deixa uma empresa famosa, é mais comum ir para outra menor, menos conhecida. No universo de dados que analisei, 64% dos executivos que deixaram uma empresa admirada (que figurava no ranking Fortune das mais admiradas ou em lista similar) foram para uma empresa não incluí­da no ranking (naturalmente, uma razão para a troca é que o número de postos disponíveis em empresas de renome cai à medida que a pessoa ascende na hierarquia).

Quem vai para uma empresa menos conhecida ou conceituada em geral ganha em termos de cargo ou posição. Em outras palavras, lucra com o valor da marca da antiga empresa. Já quem se transfere para organizações com reputação melhor parece mais disposto a assumir um posto de nível inferior — a pagar um preço para adquirir algum valor de marca.

Lições para o executivo. Obviamente, o profissional deveria fazer o que puder para ir trabalhar em empresas conceituadas o quanto antes na carreira. Para futuros empregadores e firmas de recrutamento, uma marca renomada em geral é sinônimo de conhecimento e qualificação. “Pela organização na qual trabalhou, dá para dizer que competências um alto executivo tem”, disse o consultor de uma grande multinacional. O headhunter de uma firma menor, mais seleta, disse: “Saber que uma pessoa vem dessa ou daquela empresa já é um passo adiante no sentido de qualificá-la”.

Só vá trabalhar numa empresa menos renomada se, além de um cargo mais importante e do salário maior, a oportunidade profissional for muito atraente; caso contrário, isso pode limitar suas perspectivas no futuro. Voltemos a Michael, citado lá atrás: depois do exame da ordem, o advogado foi trabalhar num grande escritório; quando o chefe foi para uma firma de nicho, especializada na assessoria jurídica ao setor marítimo, Michael foi junto. Na troca, seu salário subiu 50%.

Não tardou, porém, para que se arrependesse da decisão. Apenas dois anos depois, quis trocar de emprego de novo. Dessa vez, teve dificuldade para achar um posto adequado e percebeu que a temporada na firma de nicho piorara suas perspectivas. Michael disse que potenciais empregadores o “menosprezavam” e o julgavam incapaz de se encaixar num grande escritório. Michael sabia que a orientação e o desenvolvimento profissional que recebera do chefe na firma grande tinham continuado no novo emprego. Mas, para os recrutadores, isso não importava — o que contava era o nome do escritório de advocacia. Michael acabou indo trabalhar no setor público, mas até hoje sente que a decisão lá atrás limitou suas opções.


QUARTA FALÁCIA

Quem muda de profissão e setor é punido

Ainda que pareça que a troca de setor ou profissão (ir para outro departamento, por exemplo) trará prejuízos à carreira, quem faz tal mudança não se sai pior em termos de promoção do que quem permanece numa mesma área ou se especializa. Mudar de área é relativamente comum: em 29% das mudanças, a pessoa vai para outro setor e, em 23% das vezes, para outro segmento do mesmo setor (de uma financiadora a um banco, digamos).

Por que uma empresa contrataria gente de outra área? Em certos casos, simplesmente porque a oferta de capital humano de outro setor pode ser superior. Um consultor de uma firma de recrutamento especializada nos setores de hotelaria, cassinos e restaurantes disse que 40% do seu trabalho envolve o recrutamento fora desse universo. “Busco empresas que continuamente produzam alta qualidade. Se o cliente quer alguém com um currículo clássico de marketing, vou à Procter & Gamble. Para um currículo mais agressivo na gestão de resultados, talvez olhe para a PepsiCo.”

Outro consultor de recrutamento, só que do setor de serviços financeiros, teve experiência parecida: a escassez de talentos na área de private equity encareceu muito a contratação. A maioria dos candidatos da área vinha de apenas dois grandes bancos de investimento e pedia salários exorbitantes. Ao olhar para áreas adjacentes — fundos de pensão, por exemplo, ou gestão de ativos —, conseguia reunir candidatos que, como ele dizia, “tinham a disposição e a capacidade intelectual certas para aprender [a mexer] com private equity”. E a um custo menor: podia contratar um executivo de uma firma global de gestão de ativos por algo entre US$ 800 mil a US$ 1 milhão. Se viesse do mercado de private equity, essa mesma pessoa custaria duas ou três vezes tal cifra — ou mais, até.

Até candidatos sem experiência no setor podem atender às necessidades da empresa que contrata em outras esferas. Um executivo que chamaremos de Steven foi da indústria têxtil para a química. Tinha um forte currículo em vendas. Já a nova empresa tinha uma cultura movida a vendas.

Quando a empresa que contrata não é suficientemente atraente para gente à procura de emprego, muitas vezes é preciso ampliar a busca. Foi o caso em outra empresa movida a vendas cujo sócio majoritário exigia que todo profissional — até quem entrava já num cargo de gerência ou no nível executivo — passasse de quatro a seis meses no braço de vendas. Muitos candidatos não gostavam da ideia; metade desistia logo depois da fase de entrevistas, pois o trabalho não parecia corresponder ao que, a seu ver, eram seus pontos fortes. Logo, para achar os melhores talentos a empresa teve de ampliar a busca.

Lições para o executivo. Faça uma busca estratégica por setores nos quais seu currículo é um verdadeiro ativo. Certas especializações são muito difíceis de encontrar e, portanto, valem mais para aqueles que buscam. Ex-piloto da marinha americana, Marcus conseguiu um emprego como analista financeiro da SunTrust e um aumento salarial de 50% mesmo sem ter experiência no setor. É que a empresa queria alguém com conhecimento do setor de defesa. Três anos mais tarde, Marcus chefiava o departamento.

Considere, também, um posto de transi­ção. Um executivo que conheci trocou, há pouco, o escritório de advocacia onde era diretor de marketing por uma consultoria especializada em transferências de pessoal (num mesmo país ou para o exterior) e orientação transcultural. Embora sua meta fosse virar consultor — mudança tanto de setor como de profissão —, sabia que seria quase impossível fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Daí ter topado virar gerente de marketing na consultoria. Aceitou até um salário menor. No novo posto, pode aprender sobre a gestão transcultural — e um dia, quem sabe, cumprir suas metas profissionais.




Toda carreira é única. Uma decisão certa para você pode ser desastrosa para um colega, ainda que seu currículo e suas metas profissionais sejam parecidos. As falácias aqui descritas são baseadas na experiência de executivos de carne e osso em situações reais — embora no caso do leitor pular de galho em galho possa, por exemplo, ser o jeito mais rápido de subir. O importante é analisar toda mudança com um olhar crítico, deixando de lado velhas verdades e teorias alheias para tomar uma decisão condizente com suas ambições.


____________________________________

Monika Hamori (monika.hamori@ie.edu) é professora de administração de recursos humanos na IE Business School, na Espanha. É autora, com Peter Cappelli, de “A nova rota para o topo” (HBR Janeiro 2005).