Por Raij Guptha
Pouco antes do Natal em 2008, achei que estava deixando minha sala na fabricante americana de produtos químicos Rohm and Haas pela última vez. Tinha passado boa parte do ano que culminaria em minha aguardada aposentadoria orquestrando a venda da companhia — tínhamos selado um acordo com a ex-rival Dow Chemical em julho de 2008 — e havia pouco a fazer além de entregar as rédeas. Tinha atingido uma das metas mais difíceis que já me impusera: negociar em sigilo a venda amigável da empresa por um total de US$ 18 bilhões. Faltava apenas a Federal Trade Commission, nos Estados Unidos, autorizar a venda — o que, à luz do acordo, levaria à conclusão da transação no prazo de 48 horas. Naquele 18 de dezembro, já no carro, um colega me ligou para dizer que, conforme previsto, minha sala fora basicamente demolida em preparativo à chegada do novo ocupante. Minha assistente fora transferida para o diretor de operações. Meu trabalho na Rohm and Haas tinha acabado.
Mas me incomodava que, nos últimos dias, não tivesse ouvido palavra de Andrew Liveris, presidente executivo e do conselho da Dow. A situação do mercado no mundo todo piorara; as bolsas e o mercado de crédito estavam em polvorosa. A Dow aguardava uma injeção de caixa de US$ 9,5 bilhões, parte de uma joint venture acertada com a Kuwait Petroleum. No dia 29 de dezembro o Kuwait cancelou o negócio. Mas nosso acordo com a Dow era incondicional. Foi aí que recebi o telefonema.
“Raj, precisamos sentar para discutir a situação”, disse Liveris. Já que nem sala mais eu tinha na Rohm and Haas, tive de buscar um espaço temporário na sede da empresa em Filadélfia — e um assistente temporário. Quando nos reunimos, fiquei sabendo que a Dow não viu como conseguir o dinheiro de que precisava, dado o estado do mercado financeiro e seu próprio desempenho financeiro, que se deteriorava.
Organizei uma teleconferência às pressas para informar o conselho da situação. A nosso ver, o contrato com a Dow era incontestável. Em outubro, nossos acionistas tinham aprovado a operação por uma maioria esmagadora. O conselho e eu tínhamos a responsabilidade fiduciária de levar a transação a cabo.
Tinha conduzido o processo desde o início; para o conselho, estava claro que era meu papel garantir sua conclusão — fosse como fosse. Minha credibilidade pessoal estava em jogo.
Um pedido inesperado
Em novembro de 2007, representantes de trustes da família Haas, que juntos detinham 32% das ações em circulação, pediram que explorasse a venda de sua participação (a maioria ou a totalidade) por um valor “integral e justo” no prazo de 12 a 18 meses. O momento e a natureza do pedido causaram surpresa. Até ali, a família parecera bastante satisfeita com seu nível de participação e o desempenho da empresa. O conselho e eu, talvez ingenuamente, achávamos que, enquanto John C. Haas (filho do fundador e, então, com 89 anos de idade) estivesse vivo, nunca pediriam algo assim. Nitidamente não tínhamos lido as folhas de chá.
A Rohm and Haas tivera uma trajetória discreta e estável desde sua fundação, em 1909. Tínhamos um desempenho forte, com um retorno médio anual aos acionistas de 13,5% desde 1949. Nos últimos 30 anos, nossos dividendos tinham crescido à média de 10% ao ano. A maioria das ações estava em mãos dos trustes da família, de uma série de grandes investidores institucionais e de funcionários. Eu era o sexto presidente da história da empresa. Em meus dez anos na presidência, o conselho não enfrentara nenhuma decisão grande, difícil. Até agora.
Encarei de forma muito pessoal minha liderança na venda e estava decidido a manter a empresa íntegra e operando normalmente durante esse longo período de incerteza. Passei meses explorando opções e estratégias com o conselho e consultores externos. Analisando hoje, o momento não podia ter sido pior. A economia começava a perder força e a ordem de receber em dinheiro e com um ágio, embora totalmente razoável, limitava nossas opções. Em nossa avaliação, havia apenas três compradoras estratégicas — com base em seu interesse, na capacidade de financiar uma transação desse porte e em prováveis sinergias de negócios: a BASF, com sede na Alemanha; a Dow, com sede nos EUA (Michigan); e outra americana, a DuPont (Delaware).
Várias coisas me preocupavam: e se nenhum comprador potencial se interessasse? E se a discreta sondagem de potenciais compradores fosse inconclusiva, bem no momento em que a economia rapidamente se deteriorava? O pior desfecho possível, pensei, seria um processo abortado; nossos principais stakeholders poriam em dúvida a estratégia e o futuro da empresa numa hora em que precisávamos de firme apoio e resultados.
O sucesso da Rohm and Haas dependia de relações a médio e a longo prazos. Na cadeia de valor do setor, tínhamos uma posição downstream; os clientes dependiam do desempenho embutido em nossa ciência e do compromisso constante com o suporte tecnológico. A confiança em nosso futuro era essencial. Uma divulgação desastrada do negócio ou a boataria gerariam caos entre trabalhadores e clientes e poderiam abalar os alicerces da empresa.
Tinha investido uma bela quantidade de tempo e energia para forjar relações pessoais com muitos de meus pares no setor — sobretudo com os presidentes da BASF, da Dow e da DuPont. Já que o ônus de achar um comprador era meu, fui falar pessoalmente com cada um deles para plantar a semente. Disse estar ciente de que a conjuntura financeira não era a mais favorável, mas que o conselho apoiava minha investida. Se quisessem explorar a oportunidade, teriam de me dar um retorno sem demora.
Negociação do acordo
Menos de uma semana depois Andrew Liveris ligou para dizer que estava pronto para conversar. Chegou a Filadélfia com a proposta de pagar, em dinheiro, US$ 74 por ação — dentro da faixa de valor que nossos consultores tinham sugerido. À época, os papéis estavam sendo negociados a US$ 52 por ação; o máximo a que tinham chegado era US$ 62. A oferta de Liveris durava apenas 48 horas.
O conselho concluiu que era nosso dever fiduciário procurar a BASF e a DuPont para ver se queriam fazer uma oferta. Presidente da BASF, Jürgen Hambrecht retornou minha ligação em 15 minutos. “Raj”, disse ele, “minha esperança era que você estivesse ligando para dizer que suspendeu o processo, tendo em vista o que está acontecendo no mundo.” Mas prometeu me dar um retorno rápido. E deu — com uma oferta de US$ 70 por ação, em dinheiro, sem qualquer condição, salvo a aprovação pelas autoridades. Já a DuPont avisou que seu interesse era limitado a apenas parte de nossa carteira de operações.
O acordo em negociação era tão secreto que, por meses, praticamente vivi uma vida dupla. Somente o conselho, seis pessoas dentro da empresa e um punhado de consultores externos estavam a par dele. Fui o ponto focal de toda informação e decisão. Todas as reuniões eram feitas fora da empresa e do horário normal de expediente, incluindo muitos fins de semana.
Anunciamos o acordo com a Dow no dia 10 de julho — ao valor final de US$ 78 por ação — e tenho certeza de que todo funcionário da Rohm and Haas ao redor do mundo ficou em estado absoluto de choque. Já os acionistas estavam contentíssimos; a imprensa especializada disse que era o “negócio do século”. Nos meses que se seguiram, o estresse de concretizar a transação teve seu impacto sobre mim. Demos duro para manter trabalhadores, acionistas e clientes bem informados e tranquilos quanto ao futuro da empresa. Mas estava recebendo e-mails à meia-noite: “Está acordado?”. A resposta era sempre sim, estou acordado. Do momento em que exploramos pela primeira vez a ideia de vender a empresa até a conclusão do negócio, foram 22 reuniões do conselho e dezenas de telefonemas com conselheiros. Sabia que era crucial passar um ar de tranquilidade para o pessoal, mas estava constantemente preocupado.
Em agosto, de forma totalmente inesperada, descobri que estava com câncer de próstata, o que adicionou uma nova dimensão a meu estado de tensão. Cheguei a ponto de perder os sentidos durante um voo para a Alemanha e de ir parar na emergência de um hospital. Decidi me afastar das operações do dia a dia para cuidar da saúde e, meses depois, fui operado. A única responsabilidade que mantive na empresa foi a de concretizar o negócio.
Quando Liveris e eu nos reunimos em janeiro de 2009, cada um veio acompanhado de apenas um assessor. Liveris contou tudo o que o preocupava, expôs todos os problemas e disse o que estava tentando resolver. Vi que tinha uma tarefa hercúlea em mãos. Disse o seguinte: “Andrew, entendo sua situação, mas você precisa se colocar no meu lugar. Preciso de algo para levar ao conselho. Gostaria de dizer que você tem toda a intenção de concluir o negócio, mas que precisa de mais tempo. Defina um prazo para que possamos ir a público e comunicar que a situação é essa”. Ofereci minha ajuda para falar com os trustes da família Haas para obter uma espécie de empréstimo-ponte. Liveris não quis. No final, disse que avisaria até junho se a Dow ia poder ou não concluir a transação.
No dia 23 de janeiro a Federal Trade Commission aprovou o acordo. Pelo contrato, a Dow tinha apenas dois dias úteis para concluir a transação. Isso simplesmente não ia acontecer. As linhas de crédito de reserva da Dow venciam em junho, mas a meu ver a empresa tinha recursos suficientes (se recebesse um certo tempo) para concluir o acordo nos termos originais. Tínhamos, no entanto, de proteger nossos acionistas. Com a aprovação do conselho, entramos com uma ação em Delaware. Queríamos que a Justiça agilizasse o processo para fazer valer o contrato. Todo mundo estava bem ciente da importância daquela ação: estávamos, basicamente, pedindo que a Justiça decidisse se a Dow — e, implicitamente, qualquer outra empresa — devia ser obrigada a cumprir os termos de um acordo independentemente das condições externas. O julgamento foi marcado para 9 de março; sabíamos que o mundo estaria assistindo.
Nosso conselho enviou uma carta (que levamos a público) ao conselho da Dow, instando-o a assumir o controle da situação e honrar o contrato. Na imprensa financeira, a especulação era intensa: a transação seria concluída? Se não fosse, a cotação de nossas ações despencaria? A Dow seria levada à concordata ou obrigada a vender ativos valiosos para fechar o negócio?
Passei esse período explicando a trabalhadores da Rohm and Haas por que tivemos de tomar essa drástica medida e por que era do interesse deles e dos clientes que o negócio fosse concretizado. Minha energia era voltada a exortar o pessoal a permanecer calmo, a manter o conselho informado e a me comunicar com clientes importantes, com os trustes da família Haas e com o fundo de hedge que era um grande acionista.
Na quarta feira 4 de março, a menos de uma semana da data em que nos enfrentaríamos no tribunal, recebi um e-mail de Andrew Liveris: “Raj”, escreveu ele, “e se fizéssemos uma última tentativa [de acordo]?”. Combinamos de nos encontrar em Nova York no dia seguinte, juntamente com os respectivos assessores. Também decidimos que cada um de nós levaria um membro respeitado do conselho para ajudar a facilitar o processo. Nossa discussão se concentrou em dois pontos cruciais: como obter capital-ponte suficiente para reduzir o financiamento via dívida exigido e como evitar que os papéis da Dow fossem rebaixados à condição de “junk” pelas agências de classificação de risco Standard & Poor’s e Moody’s?
A Dow achou certas soluções criativas, incluindo costurar acordos com dois dos maiores acionistas da Rohm and Haas, os trustes da família Haas e a Paulson & Co., para obter capital em troca de participação. E participamos de reuniões por telefone com a Standard & Poor’s e a Moody’s para convencê-las de que a situação da Dow justificava o status de “grau de investimento”. Isso tudo foi feito na correria, antes da segunda-feira em que nos apresentaríamos à Justiça. Às oito da noite do domingo, Andrew me ligou: “Raj, estamos fazendo progresso. Ainda não temos todas as respostas, mas e se você procurasse o juiz para dizer que estamos trabalhando nisso?”. Na manhã seguinte, na corte, pedimos mais tempo ao magistrado. “Todo o tempo que quiserem”, respondeu. Acho que ficou aliviado.
Às 4 da tarde daquele dia a Dow conseguira o financiamento necessário e tínhamos um acordo, que levamos ao juiz para que constasse dos autos. No mesmo dia — um dos piores momentos do ano para o mercado acionário —, o conselho da Dow autorizou a transação. Até ali, não tivera certeza de que realmente ocorreria. A cotação de nossa ação vinha em queda e a certa altura caíra a US$ 50. Mas, no final, recebemos os US$ 18 bilhões.
No dia 31 de março, finalmente deixei a Rohm and Haas pela última vez. A transação foi concluída no dia seguinte. Só naquele instante me permiti um suspiro de alívio. Para mim, a vitória teve um gosto meio amargo; investira tanto tempo e energia na construção e na gestão da organização para o longo prazo que foi difícil soltar as rédeas. Tomei consolo no fato de que a maioria da renda arrecadada pela família com a venda foi imediatamente investida em obras de caridade. Há, no entanto, a sensação de que a empresa já não existe, o que é triste para mim.
Mas concluí que podia passar para a próxima etapa de minha vida a aposentadoria que há tanto planejava. Não sei ao certo se poderia recitar lucidamente os eventos daquele dia. Sei que não posso fazer reflexões profundas sobre o ocorrido. À época, estava focado no infortúnio de ter tido que lidar com o problema no final da carreira. Agora, com o distanciamento de mais de um ano, vejo que tivemos também uma bela dose de sorte, o que nos permitiu chegar a esse desfecho quase impossível.
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Raji Guptha se aposentou da presidência da Rohm and Haas. É membro do conselho da Hewlett-Packard, do The Vanguard Group, da Tyco International e da Delphi Automotive. É assessor sênior da New Mountain Capital.