Herminia Ibarra, Nancy M. Carter e Christine Silva
Alta gerente de marketing de uma multinacional de bens de consumo e candidata ao comando da empresa em seu país, Nathalie (todos os nomes no artigo foram alterados) foi orientada pelo chefe a ter mais visibilidade no mercado. Uma excelente rede dentro da empresa não bastaria para que conquistasse o novo posto, disse ele; a executiva precisava se envolver também em eventos e associações na região. Havia pouco, um programa interno destacara um mentor de alto nível a Nathalie, e ela mal concluíra a demorada preparação que isso exigia quando chegou o convite para um programa exclusivo de formação executiva para gente de alto potencial — para o qual teve de responder a mais questionários de autoavaliação e planejamento de carreira. “Fiquei 12 anos aqui, e nada aconteceu”, observa Nathalie. “Agora, vão me matar de tanta orientação.”
Amy, gerente de vendas de nível médio na mesma empresa, enfrenta um problema parecido: “Para o meu mentor, um plano de desenvolvimento é a quantas reuniões internas e externas posso me expor, a que apresentações posso ir e fazer, a que encontros fora daqui posso comparecer”, diz. “Detesto essas coisas que geram mais trabalho. Odeio dizer, mas não tenho tempo. Tenho três filhos. Para completar, meu chefe atual quer muito que eu me concentre em ‘ideias inovadoras’, e concordo. Quando chegar a vice-presidente, vou estar numa cadeira de rodas, pois todos esses projetos extracurriculares vão me sugar até a última gota.”
Com a rotatividade de pessoal nas alturas no acelerado mercado da empresa na China, Julie, uma gerente de finanças muito valorizada e com potencial de crescimento, também foi submetida a um intenso preparo — mas teme não estar saindo do lugar. Quando foi selecionada para um programa voltado a gente de alto potencial, seu chefe chiou que a equipe na matriz estava interferindo com o esquema de mentores que ele já tocava na região. Julie participou de outro projeto, menos formal, que casava líderes de finanças de níveis júnior e sênior. “Preferiria participar do programa da matriz, pois dá mais visibilidade”, diz Julie. “Mas, se somarmos tudo, é orientação demais.”
Nathalie, Amy e Julie não são casos atípicos. Embora tenham investido tempo e recursos consideráveis em mentores e oportunidades de crescimento, muitas empresas continuam a perder gente de nível médio a alto — daí estarem buscando maneiras de reter talentos do sexo feminino. Num relatório de 2010 do Fórum Econômico Mundial sobre práticas empresariais para a diversidade de gênero em 20 países, 59% das empresas sondadas disseram contar com programas internos de orientação (“mentoring”) e networking, enquanto 28% disseram ter programas específicos para a mulher. Será, porém, que todo esse esforço se traduz em promoções e nomeações de verdade para ambos os sexos?
Os números sugerem que não. Uma pesquisa de 2008 da ONG Catalyst com mais de 4 mil trabalhadores em tempo integral — homens e mulheres de alto potencial formados nos melhores MBAs de todo o mundo de 1996 a 2007 — mostra que a mulher recebe US$ 4.600 a menos [ao ano] no primeiro emprego pós-MBA, ocupa cargos gerenciais de nível inferior e tem consideravelmente menos satisfação com a carreira do que colegas do sexo masculino com o mesmo grau de instrução. O resultado é o mesmo ao computarmos fatores como setor, experiência profissional prévia, aspirações e filhos (para mais conclusões, veja Nancy M. Carter e Christine Silva, “Mulher na gestão: a ilusão do progresso”, HBR Março 2010). Contudo, nesse mesmo universo de gente, mais mulheres do que homens dizem ter mentores. Se está recebendo tanta orientação assim, por que a mulher não está chegando a postos de gerência mais elevados?
Para entender melhor o que está acontecendo, fizemos entrevistas em profundidade com 40 homens e mulheres de alto potencial (incluindo Nathalie, Amy e Julie) selecionados pelas respectivas multinacionais para participar de um programa interno de mentoring de alto nível. Quisemos saber que obstáculos enfrentavam ao assumir postos mais elevados, bem como o tipo de ajuda e apoio que receberam nessa transição. Também analisamos a pesquisa de 2008 para descobrir diferenças no modo como o homem e a mulher são orientados e no efeito do mentoring em sua ascensão. Por último, comparamos esses dados com os resultados de uma pesquisa de 2010 com o mesmo grupo (na qual os participantes deram informações sobre promoções e transferências laterais desde 2008).
Nem todo mentoring é igual, descobrimos. Há um tipo especial de relação — o chamado “patrocínio” —, na qual o mentor não se resume a dar feedback e conselhos, mas usa sua influência junto a altos executivos para promover o pupilo. Nossas entrevistas e pesquisas sugerem que a mulher de alto potencial, na comparação com colegas do sexo masculino, tem mentoring demais e patrocínio de menos — e que não está subindo na organização. Além disso, sem patrocínio, a mulher não só tem menos chance do que o homem de ser indicada para cargos de comando, mas também pode relutar mais em se candidatar a eles.
Por que um mentor não basta
Embora mais mulheres do que homens tivessem mentores segundo a sondagem da Catalyst em 2008, o mentor da mulher tem menos poder na organização. Isso é verdade mesmo depois de computado o fato de que a mulher começa em posições de nível inferior ao concluir o MBA. É uma desvantagem real, mostra o estudo, pois quanto mais graduado o mentor, mais acelerado o avanço do pupilo na carreira. Apesar de todo o esforço feito para o desenvolvimento da mulher de 2008 para cá, a sondagem de 2010 revela que os homens receberam 15% mais promoções. Os dois grupos tiveram número semelhante de deslocamentos laterais (cargos do mesmo nível em áreas distintas, para expor o indivíduo de alto potencial a várias áreas da empresa). Mas o homem recebia mais promoções após o movimento lateral; no caso da mulher, esse deslocamento era oferecido no lugar da promoção.
Obviamente, a prova suprema da força do mentoring seria mostrar que sua presença durante a sondagem de 2008 teve um poder estatisticamente relevante de prever a promoção quando da sondagem de 2010. Isso vale para o homem, mas não para a mulher. A mulher pode estar recebendo apoio e orientação, mas, em seu caso, a relação com o mentor não está levando a tantas promoções quanto no do homem.
Os resultados da sondagem casam com o que ouvimos em entrevistas: tanto o homem como a mulher dizem receber conselhos profissionais úteis de seus mentores, mas em geral é o homem que se diz “patrocinado”. Muitas mulheres contam como o mentor as ajudou a se conhecer melhor, a saber qual seu estilo preferido de atuar e em que teriam de mudar ao galgar a escada da liderança. Já o homem conta como chefes e mentores informais o ajudaram a planejar suas tacadas e a assumir as rédeas em novos postos, além de endossar sua autoridade publicamente. É como disse um pupilo do sexo masculino num comentário típico:
“Meu chefe disse: ‘Você está pronto para um cargo de gerência geral. Já é capaz. Agora, precisamos achar um posto: que obstáculos teremos de superar? Você precisa ir falar com fulano, sicrano e beltrano’. Eram, todos, membros do comitê executivo. Meu chefe era uma pessoa cheia de contatos (…). Antes de partir, me apresentou ao diretor da cadeia de suprimento, que foi como consegui esse posto”.
No caso da mulher, não só há menos exemplos desse tipo de patrocínio, como também há muitos relatos de embate com o mentor para que este a considerasse preparada para o próximo papel.
Paradoxalmente, é quando mais precisa de patrocínio — quando se candidata aos postos de nível mais alto — que a mulher pode ter menos chance de obtê-lo. A mulher ainda é vista (por comitês normalmente dominados por homens) como uma aposta de “risco” para esses papéis. Num estudo de presidentes de alto desempenho, por exemplo, a mulher tinha o dobro da probabilidade do homem de ter sido recrutada no mercado, não na própria empresa (veja Morten T. Hansen, Herminia Ibarra e Urs Peyer, “Os CEOs de melhor desempenho do mundo”, HBR Janeiro 2010). Isso sugere que é menos provável que a mulher saia como vencedora na corrida para a presidência dentro da empresa.
Um patrocínio que funciona
Impacientes com a velocidade à qual a mulher está chegando aos níveis mais altos, muitas empresas de ponta com as quais trabalhamos estão adotando uma nova série de estratégias para garantir que mulheres de alto potencial sejam patrocinadas para os postos mais graduados. Esses princípios podem fazer toda a diferença entre um programa de patrocínio que dá resultados e outro que simplesmente soa ótimo no papel.
Esclareça e comunique a intenção do programa. É difícil fazer um bom trabalho de mentoring e patrocínio dentro do mesmo programa. Em geral, os melhores mentores — gente que aconselha e orienta com interesse e altruísmo — não são os bambambãs com influência para empurrar alguém sistema acima. O profissional que espera uma forma de apoio pode ficar muito decepcionado se receber outra. E uma empresa que espera fazer uma coisa pode se ver com um programa que, em vez disso, faz outra. Para evitar esses problemas, a empresa deve definir claramente que resultado quer obter.
No Deutsche Bank, por exemplo, uma investigação interna revelou que diretoras-gerentes que trocavam o banco pela concorrência não o faziam para equilibrar mais a vida pessoal e a profissional. Tinham apenas recebido uma oferta melhor, para cargos aos quais não haviam sido consideradas no Deutsche Bank. A resposta do banco foi criar um programa de patrocínio para instalar mais mulheres em postos críticos. Juntou pupilas com membros do comitê executivo para aumentar a exposição de talentos femininos ao comitê e garantir que a mulher tivesse gente influente defendendo sua promoção. Agora, um terço das participantes está em papéis mais importantes do que um ano atrás, e outro terço é considerado pronto pela diretoria e pelo RH para assumir responsabilidades maiores.
Selecione e combine patrocinadores e mulheres de alto potencial à luz das metas do programa. Quando o objetivo de um programa é fazer gente de alto potencial avançar na carreira, mentores e patrocinadores normalmente são escolhidos com base no poder de sua posição. Quando a meta é o desenvolvimento do indivíduo, a escolha é feita para aumentar a probabilidade de contato frequente e garantir uma boa química.
A Unilever criou um programa com o objetivo explícito de promover mais mulheres de alto potencial aos escalões mais altos. Os dois principais critérios para a escolha de patrocinadores (todos membros do alto escalão da empresa) são experiência em áreas onde o indivíduo de alto potencial precisa se desenvolver e presença à mesa quando forem tomadas decisões de nomeação. Dado o escopo internacional e a organização matricial da Unilever, isso significa que muitas mulheres não vivem nem trabalham no mesmo lugar que os patrocinadores. Logo, algumas não têm muito contato cara a cara com o patrocinador, mas têm um defensor na hora da promoção.
Coordene esforços e envolva supervisores diretos. Programas de mentoring administrados na matriz, que passem por cima de superiores diretos, podem sem querer indicar que a diversidade é um problema de RH que não exige esforço da linha de frente.
A coordenação de esforços centrais e locais é especialmente importante no caso de gente de nível sênior na qual a empresa investe bastante. Um patrocínio eficaz não anda sozinho — é apenas uma faceta de um programa abrangente que inclui avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento e planejamento da sucessão. Isso tudo, junto, é maior do que a soma das partes. No Deutsche Bank, por exemplo, o programa de patrocínio para diretoras-gerentes é um componente de uma iniciativa altamente personalizada que também envolve avaliações de liderança, coaches externos e workshops de liderança.
Oriente patrocinadores sobre complexidades de gênero e liderança. Um bom patrocínio exige um conjunto de habilidades e uma sensibilidade que a maioria dos executivos de destaque de uma empresa não possui, necessariamente. Se a isso somarmos a complexidade de uma relação de patrocínio entre altos executivos e mulheres de escalão inferior, está armado o palco para equívocos. Estratégias e táticas que ajudaram o homem a avançar na carreira podem não ser atraentes ou mesmo viáveis para a mulher.
Um caso clássico é o desafio de desenvolver um estilo de liderança credível num contexto no qual a maioria dos exemplos de sucesso é do sexo masculino. Uma das mulheres em nossa pesquisa coloca o problema da seguinte forma: “Meu mentor me aconselhou a dar mais atenção a minha capacidade estratégica de influenciar (…), mas muitas vezes sugere que eu faça coisas totalmente contrárias a minha personalidade”. Estilos de comportamento mais valorizados em culturas tradicionalmente masculinas — e mais usados como indicador de “potencial” — são, não raro, pouco atraentes ou naturais para mulheres de alto potencial, cujo senso de autenticidade pode ser violado por requisitos tácitos de liderança.
Uma complicação adicional é o famoso “double bind” examinado no livro Through the Labyrinth (Harvard Business Review Press, 2007), de Alice H. Eagly e Linda L. Carli, e no relatório de uma pesquisa de 2007 da Catalyst (“The Double-Bind Dilemma for Women in Leadership”) . Resumindo, o problema é o seguinte: a conduta assertiva, autoritária e dominante que se associa à liderança normalmente é considerada menos atraente na mulher. Um mentor do sexo masculino que nunca viveu ele mesmo esse dilema pode achar difícil dar conselhos úteis. Como disse uma de nossas entrevistadas, até um mentor bem-intencionado tem dificuldade para ajudar a mulher a se equilibrar na tênue linha entre “não ser agressiva o suficiente” ou “não ter presença” e ser “agressiva demais” ou “controladora demais”. Ela explica o desafio de lidar com expectativas conflitantes de dois chefes diferentes:
“Meu chefe antigo me disse: ‘Se quiser subir, você vai ter de mudar de estilo. É muito bruta, muito exigente, muito dura, muito direta, não é participativa o suficiente’. Meu novo chefe é diferente: quer mais desempenho, preza a agilidade. Agora, ouço o seguinte: ‘Você tem de ser mais exigente’. Estava seriamente empenhada em ser mais indireta, mas agora vou tentar combinar o melhor de ambos”.
É possível ensinar um patrocinador do sexo masculino a reconhecer esses dilemas de gênero. Mulheres no programa de mentoring recíproco da Sodexo, por exemplo, são promovidas a um ritmo mais acelerado do que outras mulheres de alto potencial na empresa, em parte porque mentores homens atuam como patrocinadores da carreira e (graças ao próprio mentoring que recebem) aprendem a controlar vieses inconscientes.
Responsabilize patrocinadores. Para colher plenamente os benefícios do patrocínio, a empresa deve cobrar resultados de patrocinadores. Na IBM Europe, um programa de patrocínio projetado para mulheres graduadas abaixo do nível executivo tem como meta promover participantes selecionadas no prazo de um ano. Patrocinadores, todos vice-presidentes ou gerentes gerais, têm a responsabilidade de garantir que, nesse prazo, todas estejam realmente prontas. Daí darem duro para aumentar a visibilidade das candidatas, promovê-las junto a tomadores de decisão e achar, para cada uma, projetos internos que preencham lacunas em seu currículo e deixem a candidata pronta para ser promovida. Se a mulher não consegue uma promoção, a falha é tida como do patrocinador, não dela.
Embora nossos dados mostrem que um programa formal pode ser bastante eficaz para a promoção da mulher, uma potencial desvantagem é sua duração determinada. Quando uma mulher de alto potencial avança, é comum o patrocinador declarar vitória e seguir em frente — bem quando a pupila precisa de ajuda para assumir com sucesso as novas funções. Não conhecemos nenhum programa projetado para dar apoio à participante após a promoção e nos “cem primeiros dias” no novo cargo. Com essa atenção adicional, um patrocinador poderia ajudar a garantir não só promoções, mas também sólidas transições.
Embora as mulheres que entrevistamos sejam todas da mesma empresa, as tendências ali espelham as de muitas outras organizações que observamos e com as quais trabalhamos. E as respostas à pesquisa, colhidas de homens e mulheres em centenas de empresas, também trazem fortes evidências da diferença dos resultados do mentoring para cada gênero.
A aposta em mais patrocínio pode levar a mulher a ser mais promovida (e mais depressa). Mas não é uma solução mágica: ainda há muito a fazer para eliminar a distância entre o progresso do homem e da mulher. Certos avanços — o apoio de chefes, culturas de inclusão — são muito mais difíceis de impor do que um programa formal de mentoring, mas são essenciais para que esses programas tenham o efeito desejado. É evidente, no entanto, que um primeiro (e crucial) passo é parar de exagerar no mentoring e começar a promover um patrocínio de resultados para ambos os sexos.
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Herminia Ibarra (herminia.ibarra@insead.edu) é professora de comportamento organizacional e titular da cátedra Cora Chaired Professor of Leadership and Learning no Insead, na França, e autora de Identidade de Carreira: a experiência é a chave para reinventá-la (Editora Gente, 2009). Nancy M. Carter (ncarter@catalyst.org) é vice-presidente de pesquisa da Catalyst, entidade americana sem fins lucrativos que trabalha com empresas para ampliar oportunidades para a mulher; é, também, acadêmica-visitante do Insead. Christine Silva (csilva@catalyst.org) é diretora de pesquisa da Catalyst.