2 de jul. de 2010

MIOPIA DE RH

From: REVISTA EXAME 17 DE MAIO DE 2000


Faça de conta que você é um gerente de RH de uma grande empresa. Um de seus recrutadores acaba de deixar a seguinte ficha de avaliação de um candidato sobre a sua mesa.

- Nome: Moisés

- Filiação: órfão ( Não conheceu os pais que o abandonaram junto a um rio. Foi criado por uma família rica. Acabou abandonando de forma abrupta a casa dos pais adotivos.)

- Escolaridade: parece ter tido algum tipo de educação formal pois é bastante articulado
MBA: Nenhum

- Cursos de Negociação: nenhum

- Experiência profissional: tem girado pelo mercado, o que indica dificuldade de ficar muito tempo no mesmo lugar E-mail: não usa computador, afirma que seu forte é a palavra direta com o interlocutor.

- Aparência: pouco asseada; usa uma barba longa e desgrenhada.

Se você fosse um profissional de RH padrão, o máximo que o Moisés acima arranjaria na sua corporação seria uma posição de ascençorista ou porteito – e, ainda assim, desde que raspasse a baraba e prometesse tomar banho todo dia. E no enteanto, veja só o que a ficha de avaliação do seu recrutador não apontou e, portanto, você desconsiderou:

- Moisés negociou com o faraó a libertação dos israelitas – 600 000 homens, mais mulheres e crianças – da escravidão no Egito;

- Conduziu e alimentou essas pessoas no deserto por 40 anos, treinando-as para vencer batalhas;
Delegou autoridade e poder para os chefes das tribos;

- Contribuiu enormemente para a divulgação do nome e das doutrinas de um Deus que, com o passar dos anos, veio a se tornar lider no mercado de fiéis ;

- Preparou o seu sucessor, Josué, para continuar seu trabalho de construção da nação de Israel.

Sabendo disso – e não sendo um gerente de RH padrão -, você dificilmernte teria dúvidas quanto ao fato de estar diante de um profissional apto para ser o principal executivo de sua companhia.

A alegoria que criei tenta mostrar o qunanto o radar das empresas pode ser falho na hora de rastrear talentos no mercado. Você dirá: "Moisés não vale. Ele teve apoio e o patrocínio do Homem". Bem, se você, como Moisés, acredita em Deus, tem direito a Ter o mesmo apoio concedido a ele. Deus, como é bom e justo, não negaria a um filho o que dá a outro. Agora, se você não acredita em Deus, tem que admitir que Moisés fez tudo aquilo com o suor do próprio rosto, sem nenhum apoio divino. Em suma : Dezenas de séculos antes do advento de Peter Drucker ou David Ogilvy, Moisés conseguiu ser o maior administrador e o maior publicitário da história.

Claro que Moisés não saberia navegar na Web. E muito menos falar inglês fluentemente. Mas que executivo digital ou guru de gestão saberia negociar com o faraó a libertação da força de trabalho escrava que era a base da economia egípcia ? Ou conduzir a pé, sem jatinhos nem coffee breaks, um povo faminto pelo deserto ?

Eis o ponto: Moisés tinha o essencial, tinha a substância. Coisa que a maioria das empresas não enxerga porque foca sua busca no domínio da ferramentas, em alguém que reproduza a imagem que a empresa vê ao se olhar no espelho.

Um novo cenário corporativo no novo milênio só se consolidará se as organizações – e as pessoas que as compõem – mudarem seu procedimento e seu ângulo de visão. E essa mudança começa pelo RH.

Na prática, a maioria dos departamentos nde RH opera assim: há uma moldura rígida chamada de perfil desejado, e só entra na empresa quem passar por ela. Só que, com a mundialização e a digitalização da economia, as revelações serão cada vez mais um a um , ou seja, cada indivíduo terá de ser tomado, analisado e incentivado como um ser único. Um batalhão de clones de gel e gravata pensando da mesma forma, portanto, não é mais garantia de lucro. Especialmente quando essa política afasta um Moisés.

É preciso rever as políticas de RH. E preparar melhor os recrutadores para procurar – e achar – a essência de um profissional, o talento e a base instalada que el poderá aplicar com qualquer ferramenta que a empresa lhe fornecer.