19 de set. de 2007

VOCÊ É ESCRAVO DO TEMPO?

MATÉRIA DO FANTÁSTICO - REDE GLOBO - 16/SETEMBRO/2007

Muita gente acredita que tempo é dinheiro. Será? As inovações tecnológicas são um baile no tempo de realização das coisas. Do avião a jato à fibra ótica, do microondas ao trem bala, da internet ao celular. Tudo é feito em nome da economia de tempo.

As noções de tempo e de dinheiro têm de fato, alguma coisa em comum. Um e outro podem ser contados, controlado e medidos. Além disso, podemos também como utilizar o nosso tempo e o nosso dinheiro da melhor maneira. E confusão entre tempo e dinheiro está feita.

Não é possível transpor a lógica da economia para o emprego do tempo. Pra onde vai o tempo economizado? O tempo não se acumula, ele flui. Não há como fazer estoques do tempo poupado. Além disso, nem o velho mais rico do planeta poderia comprar mais anos de vida. O tempo não está à venda. Nem a imortalidade.

Quanto o presidente americano Albran Lincon morreu assassinado em 1865, a informação demorou 13 dias pra ir dos Estados Unidos até a Europa. Hoje, a transmissão das noticias pelo planeta é quase tão veloz quanto a bala que matou Lincon.

Em 1881, um operário comum nos países desenvolvidos dedicava, em média, 154 mil horas de sua vida ao trabalho. Hoje, apesar de estarmos vivendo muito mais, esse tempo não alcança 65 mil horas.

As conseqüências de todas essas mudanças deveria ser uma sensação de alívio. Graças à elas teríamos mais tempo livre. Mais tempo com os filhos, mais tempo para os amigos, para ler, se divertir. Mas será mesmo assim?

Na prática, vivemos numa maré de ansiedade cada vez maior e estamos sempre com a sensação de estar perdendo alguma coisa. A pressa nos castiga e a coceira das coisas mal-resolvidas parte a nossa atenção em mil pedacinhos. Quanto mais economizamos tempo, mais carecemos dele. Parece que corremos mais depressa pra lugar nenhum.

A pobreza e a desigualdade escravizam milhões de pessoas e reduzem ainda mais a margem de escolha no uso do tempo. Condições adversas de vida restringem enormemente as opções que se apresentam. A consciência do tempo pesa. As ansiedades frente ao dia a dia, o cansaço do mundo, as dores da existência pedem uma trégua de vez em quando.

“É necessário estar sempre bêbado, tudo se reduz a isso. Eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do tempo que vos abate, vos faz pender para ter... É preciso que vos embriaguez sem cessar. Mas de quê? De vinho, de poesia, ou de virtudes. Como achardes melhor. Como tanto que vos embriagues, para não serdes os martirizados escravos do tempo”. Chalés Boudelaire.

Todo ser humano é proprietário do seu próprio tempo. A questão é: que uso fazer desse tempo? A construção de uma habilidade é o resultado de uma escolha sobre o uso sobre o tempo. O violonista Turíbio Santos empatou anos e anos da sua infância e juventude até alcançar a magnífica habilidade com a qual domina seu instrumento. É o investimento de uma vida. “Eu comecei imediatamente pra valer no violão, eu não brinquei no violão. Então isso me pediu muitos anos de estudo, muito tempo de estudo. À vezes as horas não são tão importante, mas a intensidade das horas é extremamente importante. Às vezes vocês estuda uma hora que vale por quatro. Às vezes você pode passar quarto horas brincando no violão que não vale por uma de estudo. Então isso é muito relativo e é muito flexível. Agora o esforço é que é incondicional, é imperativo”.

O rápido produz em série. A produção original leva tempo. A produção da máquina é muito rápida, a do artesão é muito lenta. “Mas o artesão produz arte e a máquina produz o descartável. A aprendizagem do novo requer um tempo e requer um silencio para que o novo possa se apresentar”, aponta João Augusto Pompéia, psicólogo da PUC/SP.

A preocupação constante com o uso do tempo nos impede de realmente fazer o melhor uso do que somos capazes do tempo que a vida nos concede. As horas mais felizes das nossas vidas são precisamente aquelas em que perdemos a noção da hora.