24 de set. de 2007

TEMPO E TRABALHO

MATÉRIA DO FANTÁSTICO - REDE GLOBO - 23/SETEMBRO/2007

Durante séculos, milhões de africanos foram trazidos à força para trabalhar como escravos em terras brasileiras. Que margem de escolha eles tinham em relação ao futuro? Quase nenhuma. Como não eram donos do seu tempo nem do seu trabalho, quase nada podiam fazer pelo seu amanhã.

E os índios que viviam livres na floresta, tirando seu sustento diretamente da natureza? De que forma encaravam o presente e preparavam o futuro? Pensavam no tempo como nós – habitantes das metrópoles do século XXI?

Cada cultura humana tem uma forma de se relacionar com o presente e com o futuro. Seus sonhos e expectativas se formam na dura batalha pela sobrevivência. E mudam com o passar do tempo.

No princípio, era o aqui-e-agora. A vida era curta e incerta e os riscos estavam por toda parte.

Por milênios, foi assim.

A invenção da agricultura e do pastoreio mudou radicalmente esse quadro.A domesticação de plantas e animais, fruto de um lento processo de experimentações e adaptações, mostrou que era possível colocar o mundo natural e o próprio tempo a serviço do homem na luta por seu sustento. E trouxe para primeiro plano as vantagens da espera. Todas essas ações exigiam meses de paciente preparo e execução.

Essas mudanças no mundo do trabalho transformaram a maneira de pensar de nossos ancestrais. Eles descobriram que podiam planejar, racionalizar suas ações, desenvolver a pesquisa científica e, assim, depender cada vez menos das incertezas da natureza.


Antes, era da mão à boca. Atualmente, entre o que faço hoje na fábrica ou na loja em que trabalho e o que compro no supermercado no final do mês com o meu salário, há uma cadeia produtiva muito complexa.
Uma operadora de telemarketing que vive na Índia, por exemplo, pode prestar serviços a uma agência de viagens localizada nos Estados Unidos, e receber seu salário em dinheiro indiano para comprar produtos chineses!

Trabalhar mais ou viver mais a vida? Poupar ou gastar? Dar maior ou menor valor ao consumo?

Hoje, corremos o risco de nos tornar escravos do dinheiro e do consumo.E vivemos em meio a um bombardeio de mensagens contraditórias. De um lado, somos estimulados a comprar, gastar e viver o momento. Há sempre um tipo novo de geladeira, de bicicleta ou de roupa que somos tentados a comprar. Então, nos endividamos, abrimos crediários com juros absurdos e consumimos sem pensar.

Por outro lado, somos chamados a poupar: é preciso fazer a previdência, cuidar da saúde e se preparar para uma velhice tranqüila. É urgente garantir o amanhã.

O mundo em que vivemos é muito exigente em relação ao tempo. Cada vez mais, é preciso desenvolver a arte de agir no presente tendo em vista o futuro.

“Nessas sedução do consumo é importante ressaltar que na nossa civilização contemporânea, ter bens de consumo funciona como signo de poder e status. A sua imagem de como você vai ser vista. Evidentemente que essa experiência que implica em desperdício, jogar dinheiro pelo ralo, isso te provoca uma imprevisibilidade em relação ao futuro. Aqui você faz tudo em pré-datado, como se você pudesse pagar em 10 vezes. É uma espécie de dívida adiada que vai tendo um efeito multiplicador”, explica Joel Birman, psicólogo da UFRJ.

Da mesma forma que os indivíduos, também os grupos sociais fazem suas escolhas. Quais são os valores que importam? Como vamos dar consistência aos nossos sonhos e projetos?

Afinal, em que mundo queremos viver?