Renato Bernhoeft
O complexo mundo das relações societárias é um tema que não tem ganhado a merecida atenção por parte de estudiosos e do mundo acadêmico. Na qualidade de um consultor, pude constatar que a destruição de empresas e patrimônios tem como causa principal, em 70% dos casos, os conflitos familiares ou societários não tratados ou resolvidos de forma preventiva.
Nessa fase de euforia com a estabilidade da economia brasileira, podemos observar este fenômeno se repetindo em dois grandes conglomerados: um
do segmento varejista e uma empreiteira. Em ambos os casos são grupos empresariais que apresentam uma história de sucesso e crescimento constante. Até porque demonstraram, ao longo do tempo, uma capacidade empresarial e de gestão bem acima da média.
A questão que surge agora é bem mais complexa, pois envolve nuances de ordem emocional. Basta verificar que os argumentos dos envolvidos dizem respeito a sentimentos e ressentimentos. Ou seja, sensações, em sua maioria negativas, que não foram discutidas ao longo do tempo.
Construir e manter uma sociedade envolve três dimensões fundamentais: confiança, dinheiro e poder.
Quando qualquer uma delas é abalada, a sociedade estará fortemente comprometida. A palavra que melhor pode descrever os compromissos que envolvem esse tipo de relação é "cumplicidade".
Isso significa total transparência, fidelidade, compartilhamento de valores e ética entre outros. Caso contrário, a sociedade vai começar a se fragilizar.
Para muitos que comparam uma sociedade com um casamento ou uma amizade, diria que estes possuem os ingredientes da tolerância, perdão e eventual atratividade. Variáveis que não se aplicam a uma sociedade. Nela, existe ainda a questão do dinheiro ou do poder. Embora algumas vezes elas possam estar associadas, cada uma possui características e importância distintas.
O dinheiro jamais pode ser visto apenas na perspectiva do ganho. Sua análise exige um olhar mais profundo sobre o significado e a forma como cada parte se relaciona com ele.
Já o poder envolve as vaidades, o brilho, a visibilidade e a imagem frente a terceiros. Essa variável é de maior risco nas sociedades entre pessoas muito "autocentradas", com um ego acima da média.
Um erro bastante comum entre empreendedores ou empresários que se associam é dar prioridade às questões estratégicas e operacionais. Esquecem-se, ou não dão importância, ao relacionamento na qualidade de sócios. Ele exige tanto ou mais cuidado do que apenas as empresas e seu funcionamento.
Quando falamos na estrutura das relações societárias, é importante ressaltar que nenhum modelo tem garantias que lhe permita durar para sempre. Ou seja, as razões que levaram pessoas ou organizações a julgar conveniente uma união em algum momento se esgotam.
Caso esse modelo não seja revisto ou renovado, o risco para o surgimento de conflitos se acentua -especialmente quando o modelo original se esgotou.
Apesar de todos os acordos, protocolos e documentos formais serem importantes, eles não instrumentalizam a delicada dinâmica, que é própria de qualquer sociedade.
Na maioria das vezes, esses conflitos têm servido mais como forma de enriquecimento dos contratados para defender as partes envolvidas. Até porque, nessa altura dos acontecimentos, a sociedade estará destruindo valor -tanto o tangível como o intangível - bem como a relação de confiança, e só restam acusações mútuas.
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Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria societária.