22 de jan. de 2011

RECUO DA INDÚSTRIA ACENDE SINAL AMARELO


Sérgio Lamucci - Valor

No governo do presidente metalúrgico, a indústria de transformação perdeu espaço na economia. Especialmente a partir de 2005, o segmento viu a sua participação encolher no valor adicionado do país, enquanto o setor de serviços e a indústria extrativa mineral ganharam peso. A valorização do câmbio, a explosão dos preços de commodities e o aquecimento do mercado interno, com emprego e renda em alta, moldaram essa nova composição do Produto Interno Bruto (PIB). Essa trajetória provoca temores quanto a um eventual processo de desindustrialização.

Embora o país cresça hoje a um ritmo mais robusto do que no período entre 1980 e 2003, quando a taxa média de expansão não chegava a 2,5%, alguns economistas alertam para o risco de o Brasil transformar-se numa economia centrada em serviços e na produção de commodities.

Depois de esboçar uma reação em 2003 e 2004, quando atingiu o equivalente a 19,2% do valor adicionado da economia, a indústria de transformação viu a sua participação encolher nos anos seguintes, atingindo 15,9% nos três primeiros trimestres deste ano. Ao mesmo tempo, a fatia do setor de serviços subiu de 63% em 2004 para 68,5% em 2009. De janeiro a setembro, o percentual caiu para 66,9% porque o segmento avançou, no período, a um ritmo inferior ao da agropecuária e a todos os componentes da indústria (além da transformação e da extrativa, a construção civil e a produção e distribuição de eletricidade, gás e água).
O economista David Kupfer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta a trajetória do câmbio nos últimos anos como um elemento importante para explicar o desempenho mais fraco da indústria de transformação. "Na maior parte do tempo, o câmbio evoluiu na direção contrária ao dinamismo da indústria", afirma.


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A partir do agravamento da crise global, em 2008, a indústria de transformação pode contar basicamente com o dinamismo do mercado interno para sustentar sua expansão, mas teve que enfrentar concorrência maior das importações. De janeiro a outubro de 2010, por exemplo, o volume importado cresceu 40,3%, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

"Há um aumento muito forte de importação de componentes e de bens finais, o que afeta a produção local desses produtos", afirma o economista Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O dólar barato, em combinação com a fraca demanda global, também mina o potencial das exportações de manufaturados. Não por acaso, a balança comercial da indústria de transformação amarga déficits pesados, que atingiram US$ 25,8 bilhões de janeiro a setembro. Em 2006, havia um superávit de cerca de US$ 30 bilhões. Essa rápida deterioração é um sinal da perda de competitividade dos manufaturados brasileiros. A balança comercial total só se mantém no azul por causa dos preços elevados das commodities exportadas pelo Brasil.

Segundo Marconi, a forte valorização do câmbio nos últimos anos agravou o impacto negativo de problemas estruturais da economia brasileira sobre a indústria de transformação, caso da tributação elevada e da infraestrutura deficiente. Kupfer também aponta o efeito prejudicial de outras limitações além do nível do dólar, como o elevado custo de capital. Nesse quadro, o segmento cresceu 14,7% de 2005 ao terceiro trimestre de 2010, taxa inferior aos 20,1% do setor de serviços e aos 40,6% da indústria extrativa.

Para Marconi, a perda de participação da indústria de transformação é um sinal de desindustrialização da economia, que preocupa por ocorrer num momento em que a renda per capita do país está longe de ser elevada. Esse processo é tido como natural em economias mais desenvolvidas, e não emergentes como o Brasil, opina ele.

O setor de serviços, por sua vez, ganha peso na economia, beneficiado pela expansão robusta da massa de rendimentos. O mercado de trabalho passa por um momento muito positivo, com intensa formalização do emprego e aumento da renda. Além disso, programas de transferência de renda como o Bolsa Família e os expressivos aumentos do salário mínimo, que impactam dois terços das aposentadorias, também ajudam.

Nesse cenário, cresce com força a demanda por serviços na economia, como destaca o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. "Com desemprego baixo e renda em alta, é natural que as pessoas comam mais fora de casa, façam mais turismo e aumentem a procura por serviços de educação e saúde", afirma ele. A explosão do crédito, por sua vez, tem impulsionado o avanço do segmento de intermediação financeira. Borges relativiza ainda o aumento da fatia de serviços no valor adicionado, lembrando que esse conceito leva em conta preços e volumes.

"E os preços do setor de serviços tendem a caminhar acima dos da indústria, porque é um segmento em que há menos ganhos de produtividade e em muito casos não há espaço para a competição dos importados." Isso tende a inflar a participação dos serviços no valor adicionado na comparação com a indústria de transformação, afirma ele.

Borges considera precipitado classificar a trajetória recente de mudança da composição do PIB como desindustrialização. Segundo ele, o país é muito atraente para fabricantes estrangeiros de manufaturados, que veem aqui um grande mercado para desovar seus produtos num momento em que estão com capacidade ociosa.

A questão, segundo Borges, é que nos próximos anos deve voltar a se estreitar o diferencial de crescimento entre o Brasil e a economia global, assim como também tende a diminuir a distância entre os juros internos e externos, um dos principais vetores de valorização do câmbio. Com isso, as condições que hoje prejudicam a indústria de transformação não seriam permanentes, ainda que possam durar mais um ou dois anos.

A indústria extrativa mineral, que concentra os setores de petróleo e minério de ferro, teve em 2009 um recuo expressivo, para 1,3%, movimento que se deve em grande parte à queda dos preços das commodities, como explica a gerente de contas trimestrais do IBGE, Rebeca Palis. Em 2010, até setembro, a fatia da indústria voltou a subir, atingindo 2,3%.
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