22 de jan. de 2011

CHEGOU A HORA DE QUALIFICAR A MÃO DE OBRA

João Villaverde | De São Paulo

Quando candidato à Presidência, em meados de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva lançou a meta de criar 10 milhões de empregos formais em seu primeiro mandato. Lula não cumpriu sua ambiciosa meta no primeiro mandato e criou pouco mais da metade dos empregos prometidos até 2006. Tomada em perspectiva, no entanto, a "era Lula" termina com um saldo expressivo: entre janeiro de 2003 e outubro de 2010, mês do último dado disponível, foram gerados 14,4 milhões de empregos formais, contando trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos. A velocidade aumentou no final, quando o crescimento econômico se acelerou e trouxe novas prioridades para o país. A questão não é mais apenas gerar emprego, mas ampliar a qualificação da mão de obra para não fazer do mercado de trabalho um gargalo ao crescimento.

O aumento na geração de empregos decorre do próprio crescimento econômico - cujo ritmo do Produto Interno Bruto (PIB) passou de 1,1% no primeiro ano de governo para os quase 8% que devem ser atingidos em 2010 - e do modelo adotado. Focado no mercado interno e em obras de infraestrutura, o Brasil da era Lula favoreceu setores intensivos em mão de obra. Em 2003, o setor de construção civil, por exemplo, registrou corte líquido de 48,1 mil vagas formais, isto é, as construtoras e empreiteiras demitiram mais do que contrataram. Hoje, depois de gerar 341,6 mil novos empregos com carteira assinada em apenas dez meses, o setor da construção disputa inclusive a mão de obra pouco qualificada.

Especialistas em mercado de trabalho e líderes sindicais avaliam que o desafio da geração de empregos está superado. "Nos anos 1980 era preciso ampliar a democracia, na década de 1990 era necessário acabar com a hiperinflação, e nesta década superamos o desafio de crescer aceleradamente e gerar muitos empregos", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), para quem o desafio que se coloca em relação ao período iniciado em 2011 é qualificar o trabalhador. Essa qualificação, afirmam os especialistas, deve ser tanto dirigida, isto é, por meio de cursos técnicos específicos a funções, quanto geral, ou seja, através de investimentos em educação pública.


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Para Marcio Pochmann, doutor e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp desde 1989 e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desde 2007, o governo Lula pode ser separado em dois. O primeiro momento vai de janeiro de 2003 ao final de 2005, quando se inicia o segundo estágio. O segundo mandato de Lula, iniciado em 2007, registrou um saldo de empregos formais 28% maior que o primeiro, quando o crescimento médio do PIB também foi menor: 3,5%, no primeiro mandato, e 4,7%, no segundo.

"Até 2005, a desvalorização cambial de 2002, quando as eleições presidenciais promoveram uma fuga de capitais, acabou impulsionando o setor exportador, especialmente o industrial. Os programas de transferência de renda, o incremento do salário mínimo e a concessão de crédito às famílias ainda não tinham ganhado evidência econômica", afirma Pochmann. A partir de 2006, diante da paulatina valorização do câmbio - que passou, em termos nominais, de R$ 3,80, em 2003, para os atuais R$ 1,70 -, o crescimento passou a ser cada vez mais centrado no mercado interno.

Beneficiada pelo câmbio e pela demanda chinesa por commodities, a balança comercial brasileira saltou dos US$ 13,1 bilhões registrados em 2003 para US$ 46,5 bilhões em 2006, quando começou a perder força, ano a ano. Assim, a indústria de transformação, impulsionada pelas exportações, sustentou o expressivo avanço de 5,7% no PIB de 2004 com um saldo de meio milhão de empregos formais - mais que qualquer outro setor naquele ano -, mas viu sua parcela na geração de emprego cair a partir de 2006.

Setor que paga os maiores salários (com exceção da administração pública) e exige maior qualificação, a indústria foi o segmento que menos criou empregos em 2008 e 2009. Em 2010, até outubro, a indústria recompôs a mão de obra perdida na crise, mas ainda gerou saldo inferior ao setor de serviços. Estimativas apontam que esse setor pode gerar, sozinho, 1 milhão de vagas formais em 2010.

"O país está fazendo a passagem de uma nação emergente para uma desenvolvida de forma muito rápida. Não é hora de abandonarmos o setor industrial, onde os trabalhadores são mais especializados e os rendimentos são maiores", diz Lúcio, do Dieese, para quem o governo Dilma tem como prioridade a construção de um "pacto social" entre sindicatos de empresários e de trabalhadores, o Congresso e a academia para proporcionar incentivos combinados ao mercado interno, "que não pode ser abandonado", e a educação de base, afirma ele.

A partir de 2006, o governo federal costurou com as centrais sindicais um acordo que previa aumentos anuais do salário mínimo muito além da inflação. "É no segundo mandato que o Estado também passa a atuar mais na economia, por meio do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], processo aprofundado pela crise econômica, que fez deslanchar as operações do BNDES e dos bancos públicos, além de gerar o Minha Casa, Minha Vida, que impulsionou a construção civil até os patamares de hoje", diz Pochmann.

Os investimentos em projetos de infraestrutura e os gastos sociais, no entanto, não foram acompanhados pelas inversões em programas de qualificação da mão de obra. Segundo levantamento de Sérgio Luiz Leite, integrante do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), que utiliza parte dos recursos, estimados em cerca de R$ 40 bilhões anuais, para qualificação profissional, o governo Fernando Henrique Cardoso gastou, em média, R$ 300 milhões por ano com programas de qualificação, enquanto Lula, apenas R$ 80 milhões anuais. "Sendo que o saldo de empregos formais do período FHC foi de 4 milhões de trabalhadores, enquanto do governo Lula foi de quase 15 milhões", diz Leite.

Para Leite, que também é 1º secretário da Força Sindical, a segunda maior central sindical do país, o principal desafio do novo governo é conciliar o acelerado crescimento do PIB e da demanda das empresas por trabalhadores com a qualificação da mão de obra, a fim de evitar o que Pochmann chama de "importação de mão de obra", referindo-se a trabalhadores de países ricos em crise que vêm ao Brasil buscar emprego. "Gastamos R$ 19,8 bilhões com seguro-desemprego e R$ 160 milhões com qualificação. Se investíssemos mais em qualificação, as empresas não trocariam tanto de trabalhador e não teríamos tanto gasto com seguro-desemprego", diz Leite.
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