Juliana G. R. Monteiro
"A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros". Esse é a ideia defendida inúmeras vezes por Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de economia em 1976. Talvez, naquele ano, essa afirmação poderia ter alguns partidários, mas a visão moderna de responsabilidade social das empresas joga por terra a ideia de Friedman e defende a responsabilidade social como uma forma de gestão diferenciada, pela qual, além do aumento do lucro, também se objetiva o desenvolvimento sustentável da sociedade.
Nesse sentido, raros são os gestores de empresas que ainda não desenvolveram algum aspecto da responsabilidade social corporativa. Sabemos, todavia, que o conceito de responsabilidade social corporativa está em contínua construção, razão pela qual as empresas refletem o referido conceito em ações muito diferentes. Para algumas, a responsabilidade social traduz-se na proteção ao meio ambiente. Para outras, no desenvolvimento de projetos sociais que beneficiem a comunidade local. Recentemente, tem-se discutido outro aspecto da responsabilidade social corporativa (não menos importante, mas, com certeza, menos divulgado): o respeito aos direitos humanos pelas empresas.
Só no ultimo mês, foram publicadas diversas reportagens de jornais e revistas - não patrocinados por ONGs que defendem os direitos humanos - discutindo o tema. Ainda sobre o tema, o Instituto Norberto Bobbio realizou um seminário patrocinado pela BM&F Bovespa em que se discutiu os resultados de uma pesquisa sobre a relação dos direitos humanos com as políticas e diretrizes das empresas.
Poucas empresas multinacionais adotaram políticas de direitos humanos
A consciência do impacto das empresas nos direitos humanos é recente. Conforme pesquisa realizada pelo Institute for Human Rights and Business, essa consciência surgiu nos anos 90, coincidindo com o grande número de incidentes envolvendo grandes companhias e abusos de direitos humanos. Nos últimos anos, nos termos da referida pesquisa, poucas empresas multinacionais adotaram políticas considerando a importância dos direitos humanos.
Todavia, a tendência é que esse cenário se altere rapidamente no mundo e no Brasil. Em 2003, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu as chamadas "normas de responsabilidade das empresas transnacionais". Dois anos depois, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, nomeou o professor John Ruggie como representante especial para o estudo da relação entre empresas e direitos humanos. Paralelamente, surgiram iniciativas privadas paradigmáticas na proteção dos direitos humanos, tais como a Associação dos Princípios do Equador (Equator Principles Association), formada por instituições financeiras que se comprometem a considerar aspectos ambientais e sociais no financiamento dos seus projetos e a Associação pelo Trabalho Justo (Fair Labor Association), uma aliança formada por empresas, entidades sem fins lucrativos e universidades que visa aprimorar as condições de trabalho em fábricas que produzem roupas e calçados ao redor do mundo.
No Brasil, o Instituto Ethos, desde o seu início, defende que as empresas considerem o respeito aos direitos humanos na sua cadeia de produção, estimulando a adoção de um código de conduta que estabeleça as práticas realizadas por aquela empresa e o que é esperado de seus fornecedores. O Ministério do Trabalho, por sua vez, mantém desde 2004 a famosa "lista suja", que contém infratores flagrados explorando trabalhadores na condição análoga à de escravos. O BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco da Amazônia são signatários do Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental, pelo qual se comprometem, dentre outras coisas, a incorporar critérios socioambientais no processo de análise e concessão de crédito para projetos de investimento.
Mas não é só. As empresas também têm demonstrado seus cuidados com os direitos humanos. Algumas companhias, como o Wal-Mart, suspendem compras de fornecedores que aparecem na já mencionada "lista suja" e só retomam o relacionamento comercial depois que essas empresas regularizam sua situação. As siderúrgicas instaladas no norte do País criaram, em 2006, o Instituto Carvão Cidadão, para erradicar o trabalho análogo à escravidão na cadeia do ferro-gusa, principalmente nas carvoarias.
Ou seja, embora ainda seja muito grande a quantidade de empresas que ainda não estão convencidas da relevância do respeito aos direitos humanos nos seus negócios, a velocidade com que as iniciativas se consolidam e ganham espaço indica uma inegável tendência de reversão desse quadro. As notícias do último mês estão aí para comprovar esse movimento.
As empresas multinacionais que já adotaram, dentro de suas políticas, o respeito aos direitos humanos são as maiores e mais importantes do mundo e estão, todas, obtendo resultados positivos, principalmente em relação aos investimentos recebidos e à respeitabilidade de sua imagem. Sem dúvida, há ainda um longo caminho a percorrer, mas a discussão acerca do respeito aos direitos humanos pelas empresas já foi inserido nas agendas e o retorno tem sido positivo. É uma questão de mercado. Em breve, não haverá mais escolha.
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Juliana Gomes Ramalho Monteiro é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados