17 de nov. de 2010

EXISTE VANTAGENS NA ADVERSIDADE?

BASKAR CHAKRAVORT

Um momento difícil para a atividade empresarial pode abrir grandes oportunidades para o empreendedor.

Jonathan Bush detectou uma oportu­nidade: mudar radicalmente o modus operandi da obstetrícia nos Estados Unidos. Junto com o sócio, resolveu criar uma operação médica cujo objetivo fosse integrar tanto alternativas tradicionais como um atendimento holístico à futura mamãe. A ambição era grande — e a demanda pelos serviços cresceu depressa. Só que a falta de caixa — que dependia de seguradoras, que por seu lado demoram a pagar — fez a visão de Bush afundar no mar da burocracia.


Nessa derrota, no entanto, Bush vislumbrou o que viria a ser uma verdadeira ideia inovadora de negócios: um sistema de TI para a saúde que poupasse o cliente do purgatório burocrático. A empresa surgida disso, a athenahealth, hoje fatura US$ 189 milhões.


Diferentemente do gestor cujo instinto é buscar guarida e apostar no que é seguro em tempos difíceis, um empreendedor como Bush ouve um chamado à ação num conselho de Maquiavel volta e meia repetido: “Nunca desperdice a oportunidade trazida por uma boa crise”. Enquanto a economia mundial avança aos solavancos rumo a um novo conceito de normalidade, crises de longo prazo exigem soluções numa série de esferas: geopolítica, meio ambiente, saúde, educação, infraestrutura, pobreza e desigualdade justapostas a crescimento acelerado, e modelos de negócios falidos em vários setores. Aliás, em vez das ondas de expansão de fronteiras que definiram o século 20, o século 21 pode ser marcado por contenção e limitação.


Para o empreendedor com um olho para soluções contraintuitivas, problemas extremos e entraves aparentemente intransponíveis podem ser o caldo de cultura para a criatividade e a inovação no modelo de negócios. Ao estudar centenas de empresas criadas ou reinventadas em toda sorte de circunstância difícil, identifiquei quatro grandes tipos de oportunidade que o empreendedor inovador detecta e aproveita num clima de extrema adversidade. Quem enfrenta o conturbado ambiente de negócios de hoje pode aprender com seu exemplo. Mas, primeiro, vejamos o que é um clima de adversidade para a empresa.




Adversidade como contexto empresarial

Um considerável volume de evidência indica que períodos de extrema adversidade fomentam a inovação e a criação de empresas. Das 30 companhias que hoje compõem o índice americano Dow Jones Industrial Index, 18 foram fundadas durante uma crise econômica. Outro índice americano, o Kauffman Index of Entrepreneurial Activity, mostrou que o ritmo de abertura de novas empresas foi maior durante a etapa mais dura da recessão de 2009 do que nos 14 anos anteriores, incluindo o boom tecnológico de 1999–2000.


Ao longo da história, momentos de crise foram um forte impulso à inovação — caso do Projeto Manhattan, do voo à Lua, da revolucionária consciên­cia “verde” e iniciativas correlatas. O empreendedor que viceja em meio à adversidade é uma raça distinta daquela que floresce quando há recursos ilimitados, como no Vale do Silício da década de 1990.


Que fatores distinguem o empreendedor, o inovador empresarial e o investidor que conseguem explorar a adversidade para ganhar vantagem competitiva? Minha pesquisa mostra que esse indivíduo está atento a oportunidades que caracterizam tempos difíceis. Necessidades ignoradas e elevadas barreiras à entrada claramente ajudam a eliminar muitos concorrentes, mas isso também vale para outras circunstâncias empreendedoras. Resolvi me ater a oportunidades ligadas a situações de adversidade e ao sucesso num momento desses. Rotulei cada oportunidade segundo a abordagem que o empreendedor sintonizado com a adversidade usou para aproveitá-la.


PRIMEIRA OPORTUNIDADE

Case recursos inaproveitados a necessidades insatisfeitas

A adversidade pode assumir várias formas: aguda, cíclica, de longo prazo, sistêmica. Às vezes, acomete um só indivíduo ou uma só empresa; em outras, atinge um amplo espectro de entidades. A patologia, no entanto, é sempre a mesma: a adversidade limita um recurso crucial que, por sua vez, deprime a oferta, a demanda ou ambas. Isso faz surgir uma necessidade insatisfeita e libera certos recursos — recursos que se tornam redundantes. Surge, nisso, uma oportunidade para o empreendedor criativo, capaz de redirecionar os recursos redundantes para contemplar a necessidade insatisfeita.


Voltemos ao caso de Jonathan Bush. Embora sua meta fosse exercer impacto na área da saúde, isso não aconteceu de imediato. Bush foi motorista de ambulância, interrompeu a faculdade para servir o Exército americano como enfermeiro na Operação Tempestade no Deserto e, a certa altura, levantou US$ 1,6 milhão (com Todd Park, velho colega da Booz Allen Hamilton) para comprar uma clínica obstetrícia em San Diego. Isso foi em 1997.


Os dois descobriram que tanto o sistema público quando planos de saúde privados levavam semanas ou meses para reembolsar a clínica — que tinha pouco poder de negociação — pelos serviços prestados a pacientes. Por toda parte, consultórios e clínicas se debatiam com meios antiquados de registrar e armazenar informações sobre pacientes em papel e fita cassete. A estrutura do setor e comportamentos interligados em toda a cadeia de prestação de serviços de saúde haviam cimentado um status quo altamente ineficiente.


Embora o faturamento estivesse crescendo, Bush ficou sem caixa e teve de fechar a clínica. Mas ele e Park enxergaram uma oportunidade no serviço via internet — o athenaNet — que tinham criado para montar um cadastro de pacientes e manter atualizada a informação sobre seguros, em constante mudança. Em 1999, fecharam a operação clínica e passaram a vender o athenaNet como ferramenta de cobrança para ajudar o médico a administrar o ciclo de faturamento de forma mais eficiente e monitorar mudanças em regras e coberturas de seguros. A nova empresa, a athenahealth, virou uma pioneira em ferramentas de gestão do ciclo de faturamento via internet. Mais tarde, usou os ativos na web para oferecer recursos eletrônicos de registro médico a clientes e, com isso, satisfazer sua necessidade de gestão mais eficiente da informação.

A empresa entrou no azul depois de 2004, quando o faturamento foi de US$ 36 milhões. Em 2009, já arrecadava US$ 189 milhões. A base de médicos do athenahealth cresceu 30% ao ano desde 2005, com uma taxa de retenção de 97%. A rede tem o maior e mais completo banco de dados (permanentemente atualizado) de normas de reembolso de pagadores — fator crucial na aceitação ou recusa de pedidos de reembolso médico nos EUA. Além disso, é reiteradamente a primeira ou segunda colocada em vários quesitos importantes de programação de atendimento ambulatorial e faturamento. A athenahealth não enfrenta concorrência: é a única que presta esse tipo de serviço via internet e entrou no ranking das 50 empresas mais inovadoras em 2010 da revista Fast Company.


A sacada da athenahealth foi redirecionar um recurso que circunstâncias adversas haviam tornado redundante para satisfazer uma necessidade básica que a adversidade expusera. Outros setores já viveram o mesmo fenômeno. O polissilício, por exemplo, foi redundante em certo momento — mas voltou pelas mãos de uma leva de empreendedores na área de energia solar. Na Índia, empresas nascentes de TI reaproveitaram um recurso abundante e subutilizado — programadores altamente capacitados — para enfrentar a crise do Bug do Milênio. Ambas as experiências serviram de base para o crescimento de importantes setores.




SEGUNDA OPORTUNIDADE

Busque parceiros improváveis

Outra coisa que caracteriza a adversidade é a falta ou a inadequação de certos elementos em pontos críticos do sistema de negócios. Isso pode incluir insumos importantes, capital, tecnologias ou parceiros nas cadeias de suprimento, distribuição e marketing. O empreendedor criativo, capaz de identificar alternativas improváveis a cada componente desses, vai sair à frente. Contudo, a arte de alinhar os incentivos de uma coalizão pouco ortodoxa e de manter o equilíbrio entre seus integrantes não é um desafio pequeno.


Certas pessoas, como Iqbal Quadir, conseguem. Quando trabalhava num banco de investimento, Quadir teve uma visão ousada: tornar universal o serviço telefônico na terra natal, Bangladesh (onde em 1993 havia apenas um telefone para cada 500 pessoas). Um dos países mais desprovidos do mundo em termos de infraestrutura e recursos, Bangladesh também tinha 80% da população dispersa por 86 mil vilarejos. Quadir obviamente enfrentava lacunas nas cadeias de suprimento, distribuição e marketing — lacunas suficientes para afundar o melhor dos planos de negócios. Nesse contexto, qual a saída para implementar uma tecnologia de telefonia celular de forma econômica e lançar um serviço acessível no mercado?


A verdadeira inspiração de Quadir foi perceber que, para ter sucesso, seria preciso alistar o mais improvável dos aliados. Para se beneficiar de economias de escala, Quadir apostou na tecnologia digital GSM (Global System for Mobile) como a solução mais barata a longo prazo, ainda que de saída fosse a mais cara. Isso o levou a cruzar o planeta e chegar à empresa de telecomunicações norueguesa Telenor, uma líder mundial no padrão GSM.


Para atingir escala suficiente, Quadir tinha de resolver outros dois problemas. Do lado da demanda, preencher as lacunas de marketing e distribuição significava alistar outro aliado improvável: o Grameen Bank, instituição pioneira do microcrédito com uma grande rede entre mulheres na zona rural de Bangladesh. Quadir viu a oportunidade de redirecionar o modelo de negócios do Grameen ao incentivar essas mulheres a mexer com telefones, em vez de criar vacas e, em seguida, usar a renda obtida para quitar seus microempréstimos com o banco. Do lado da oferta, Quadir não tinha certeza de contar com recursos de interconexão, o que seria um entrave à tentativa da Telenor de montar uma rede nacional. Para superar o obstáculo, procurou um terceiro parceiro improvável: a empresa ferroviária de Bangladesh. A fibra ótica ao longo dos trilhos podia ser ativada para garantir a interconexão.


Cada ator desses foi motivado pela chance de participar de uma nova oportunidade de crescimento que empregava capacidade e tecnologia existentes. Sem o envolvimento simultâneo dos outros, porém, cada aliado poderia ter desistido. Os incentivos interligados desses parceiros improváveis foram maravilhosamente alinhados. Ao orquestrar uma coalizão contraintuitiva, Quadir tornou sua empresa, a Grameenphone, a maior operadora de telefonia atual­mente em Bangladesh. Hoje, de cada três habitantes do país, um tem acesso a telefone.


Outros empreendedores usaram abordagens distintas para buscar parceiros improváveis e romper com a ortodoxia do setor. Peguemos o caso de R.P. Eddy, cujos clientes precisavam da sondagem em campo de mercados de difícil acesso, como o Iraque. Já que não tinha condições de despachar analistas para lá, Eddy procurou especialistas locais em cada país e, com eles, montou uma rede de analistas externos. A consultoria Ergo nasceu assim — com um modelo radicalmente novo. Já outros recorrem a concursos e prêmios para aproveitar a capacidade de aliados até então desconhecidos no enfrentamento de situações adversas extremamente difíceis. Segundo estudo recente da McKinsey, a soma total de prêmios no valor de US$ 100 mil ou mais cresceu 15 vezes nos últimos 35 anos. Antes de 1991, 98% desses prêmios eram em reconhecimento a algum mérito; de lá para cá, 78% foram concedidos para a resolução de problemas.


TERCEIRA OPORTUNIDADE

Ache soluções pequenaspara grandes problemas

Quanto mais séria a adversidade, mais difícil mudar o status quo. Soluções abrangentes, que exijam muitas mudanças, podem parecer fadadas ao fracasso — deixando apenas pequenas fissuras como ponto de partida para o rompimento com o passado. A mensagem para o empreendedor destemido? Pequenas inovações podem ter alto impacto. Por serem potencialmente mais acessíveis, podem ser produzidas com investimento inicial menor. Por utilizarem menos recursos e serem menos complexas, podem ser boas o suficiente — e não mais — para satisfazer uma necessidade não contemplada. Além disso, seu porte pode ajudar a minimizar efeitos ambientais ou outras externalidades negativas. Por último, podem ser mais fáceis de integrar no modelo atual, exigindo apenas ajustes mínimos. Aliás, quatro características que, segundo o site Trend-watching.com, definem prioridades futuras do consumidor podem ser pequenas brechas a buscar: acessibilidade, simplicidade/conveniência, sustentabilidade e projeto baseado no conhecimento local sobre o uso do produto. Pequenas soluções que se encaixem nessas pequenas brechas representam grandes oportunidades.


Um exemplo é o de Cameron Powell, obstetra em San Antonio, no Texas, que enfrentava um problema comum em sua área: a possibilidade de complicações legais devido a falhas na comunicação entre o médico e a equipe de enfermagem junto ao leito da gestante. O obstáculo estrutural era que o obstetra costuma estar num vaivém — entre o consultório e a sala de cirurgia e uma série de hospitais —, tornando proibitivo o custo da presença permanente na cabeceira da paciente.


Quando o engenheiro de software Trey Moore perguntou a Powell qual seria o aplicativo de seus sonhos para um smartphone, o médico percebeu que a capacidade de visualizar a frequência cardíaca do bebê e as contrações da parturiente em qualquer hora e lugar seria uma tremenda ajuda para ele e a equipe. Powell e Moore calcularam que se uma única ação judicial (com indenização média de US$ 2,5 milhões) fosse evitada, o investimento já valeria a pena para uma empresa de saúde. Juntos, fundaram a AirStrip Technologies, cujo primeiro produto foi um aplicativo de smartphone chamado AirStrip OB. O recurso era fácil de instalar em aparelhos que o médico já usava, não exigia muita mudança no comportamento de usuários e seria oferecido a hospitais pelo modelo de “software como serviço”, minimizando assim o comprometimento monetário. Em suma, Powell achara uma pequena solução para um problema bem grande.


O AirStrip OB recebeu aplausos dos participantes da Apple Worldwide Developers Conference em 2009, na qual apenas oito aplicativos foram escolhidos para serem apresentados. Desde então, mais de cem hospitais já adotaram o recurso. Entre um grupo altamente seleto de novidades em tecnologia sem fio na saúde, foi louvado por Eric Topol, “estrela” da cardiologia nos EUA, e David Pogue, colunista de tecnologia do New York Times.


Pequenas inovações como o AirStrip OB buscam gerar grandes avanços em contextos de extrema adversidade. Não são projetadas só para trazer uma mudança incremental — e estão demonstrando ser parte de uma tendência mundial maior. Hoje, por exemplo, vemos bens de consumo vendidos em envelopinhos (que custam menos e ocupam menos espaço) em mercados emergentes; microcrédito ou software como serviço para se ajustar ao orçamento limitado de empresas; aplicativos para smart­phones e Twitter voltados ao consumidor que não para e cuja atenção é fragmentada; e produtos projetados com frugalidade (veículos, eletrodomésticos, artigos de saúde) para serem acessíveis em mercados de crescimento mais acelerado, que ainda enfrentam muita adversidade.


QUARTA OPORTUNIDADE

Pense na plataforma, não só no produto

Em geral, fatores limitantes numa situação de adversidade limitam outras também. Com isso, surge a oportunidade de aposta numa metassolução que possa contemplar várias necessidades insatisfeitas simultaneamente — em vários segmentos do mercado ou em vários mercados de produtos. O caráter multifacetado da oportunidade também compensa o risco para o empreendedor e ajuda o negócio a crescer além do ponto inicial de entrada. É claro que o grau de sucesso do empreendedor vai variar, mas quanto maior o alcance do empreendimento, maior o valor a ser obtido. O potencial de lucro vem da capacidade de melhorar o modelo de negócios em três pontos possíveis de alavancagem: valor ao cliente, gestão de custos e criação de vetores de crescimento.


Fred Khosravi e Amar Sawhney são um excelente exemplo de equipe que pensou com criatividade sobre a plataforma. Descritos pelo boletim In Vivo como a “dupla dinâmica do desenvolvimento de dispositivos”, os dois empreendedores da biomédica se uniram para criar a Incept. A empresa não tinha instalações físicas, contava com apenas dois ou três funcionários e seu orçamento anual era de menos de US$ 1 milhão. Mas a Incept era uma potência. Detinha os direitos de um “molho secreto” que seria responsável por nove start-ups em 11 anos (todas deram certo). Das três crias dessas empresas, a primeira — a Confluent Surgical — foi vendida à Covidien por US 245 milhões. O “molho” em questão era o polímero hidrogel — biodegradável, inofensivo e altamente versátil.


Sawhney, o inventor da tecnologia hidrogel, vislumbrou muitas aplicações. Cada uma delas resolveria um dilema para médicos que realizavam cirurgias complexas ou minimamente invasivas em especialidades distintas como cardiologia, ginecologia, neurologia e oftalmologia. Hoje, o produto é usado, entre outras coisas, para a vedação de órgãos e outras partes do corpo (como pulmões, cérebro, medula espinhal e vasos sanguíneos) durante cirurgias, evitando assim a fuga de fluidos. O hidrogel também pode ser usado para separar um órgão lesado de um órgão adjacente a fim de evitar interferência no processo de cura.


A dupla claramente topara com uma oportunidade com potencial de longo prazo para aprimorar procedimentos cirúrgicos. A tecnologia hidrogel era uma verdadeira plataforma: podia ser aplicada a várias partes da anatomia humana e, portanto, em vários “mercados” cirúrgicos. Em geral, capitalistas de risco e empresas adquirentes investem em negócios cuja tecnologia central possa compor um pacote com produtos voltados a mercados específicos. Sawhney e Khosravi fugiram à regra: buscaram manter viva a plataforma — bem como uma leva de aplicações para abordar vários problemas. Sabiam que se a tecnologia do hidrogel fosse integrada a sua aplicação, uma empresa adquirente poderia controlar o produto, aplicá-lo apenas a um segmento estreito do mercado e deixar de explorar seu pleno potencial. Em vez disso, organizaram a Incept para que esta detivesse as patentes da tecnologia hidrogel e as licenciasse a empresas independentes incubadas pela própria Incept. Era um plano de gestão de risco inusitado: toda uma carteira de novas empresas voltadas a distintos mercados, mas fundadas numa tecnologia central comum.


A noção de plataformas não precisa, no entanto, ser limitada a tecnologias e processos. Vejamos o caso do Blue Man Group. Como artistas, a trupe achava a década de 1980 um período particularmente deprimente. Em 1988, no Central Park em Nova York, fizeram o espetáculo “Funeral for the ’80s”, durante o qual enterravam um boneco do Rambo e um pedaço do Muro de Berlim. Desde aquela singular estreia, foram duas décadas tocando tambores, espalhando tinta, agarrando bolas de borracha com os dentes e cobrindo a plateia com papel higiênico. A fórmula do espetáculo era, em suma, uma missão criativa. Agora que estão mais velhos, já com filhos, os integrantes do grupo voltaram sua atenção criativa a outra instituição que consideram deprimente: a escola primária. Criaram uma instituição alternativa de ensino fundamental, a Blue School, fundada na mesma plataforma e na mesma missão da operação artística original: “inspirar a criatividade e conectar as pessoas com sua exuberância primal”.




Uma nova visão sobre a seleção adversa

Para fundamentar seu raciocínio sobre os benefícios que a adversidade pode trazer, voltemos a Michael E. Porter em A Vantagem Competitiva das Nações: “A vantagem competitiva surge da pressão, do desafio e da adversidade, raramente de uma vida fácil”. A necessidade, juntamente com as quatro grandes oportunidades, pode realmente ser a mãe de importantes invenções.


Durante o século 20, muitos avanços nos levaram a um território desconhecido, inconcebível até. Hoje, porém, estamos descobrindo as consequências involuntárias: crescimento desequilibrado e ortodoxias autolimitantes, que podem muito bem ser as características predominantes das próximas décadas. Dois setores no passado vicejantes — alta tecnologia e automotivo — hoje buscam um modelo de negócios radicalmente novo para evitar a obsolescência. A descoberta e o uso pesado de recursos naturais não renováveis hoje revelam suas reais consequências ambientais e geopolíticas. Inovações na saúde geraram estruturas de custos insustentáveis, desequilíbrios demográficos e limitação em tratamentos médicos e farmacêuticos. A globalização criou um sem-fim de desafios ligados ao rápido crescimento em economias desigualmente desenvolvidas (como Brasil, China e Índia), além da possibilidade de que crises regionais se alastrem por todo o mundo. E inovações financeiras provocaram bolhas especulativas descontroladas em certos setores. Parte desses efeitos já foi sentida nos últimos anos — incluindo a Grande Recessão e a retomada ainda incerta, uma crise sem precedentes com o euro e o maior derramamento acidental de petróleo da história. Fica patente que não falta adversidade na “nova normalidade”.


Nada disso fará esmorecer o empreendedorismo e a inovação. Os “novos anormais” — os empreendedores que sobreviverem — serão aqueles que souberem explorar a vantagem competitiva da adversidade. O século atual traz consigo uma cornucópia de gargalos, limitações e outras dificuldades importantes, e que estarão conosco por um belo tempo. Seria uma pena que — como empreendedores, gestores e investidores — deixássemos essa fartura de sérias crises passar batida.
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Bhaskar Chakravorti (bhaskar_chakravorti@mckinsey.com) é sócio da McKinsey & Company e membro do corpo acadêmico do Legatum Center for Development and Entrepreneurship (MIT) nos EUA. Há pouco entrou para o corpo docente da Harvard Business School.