18 de nov. de 2010

EMPATIA CONQUISTA CONFIANÇA?



Oliver Sacks embarcou numa carreira em neurologia porque, segundo ele, “o cérebro a um só tempo nos molda e é moldado por nós — é o que somos”. Há décadas, Sacks vem tratando gente com transtornos devastadores, como a incapacidade de formar novas memórias. Publicou vários livros com relatos minuciosos, cheios de empatia, incluindo Tempo de Despertar (que virou filme, com Robin Williams no papel central) e O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu. O último, The Mind’s Eye, gira em torno de problemas de visão de pacientes — e dele próprio.



Nosso cérebro é programado para certas ocupações?

Sacks: Em famílias de músicos e, às vezes, de matemáticos, creio que o componente genético é muito forte. A família Bach era tão famosa pela musicalidade que músicos na Alemanha antigamente eram chamados de Bachs. Certas mentes têm uma inclinação analítica desde cedo, o que pode levar a pessoa à ciência. Mas a influência da família é importante. Nove tios do lado da minha mãe eram químicos ou físicos. Meus pais eram médicos — e segui o caminho deles.


Na sua carreira, houve algum momento decisivo?

Sacks: Minha vinda para os Estados Unidos, com 27 anos. Achava a sociedade britânica rígida e hierárquica e imaginava que os EUA seriam mais abertos — social, cultural e moralmente. E achava que provavelmente teria uma vida incomum, que poderia achar um hospitalzinho em algum lugar e me esconder ali e fazer o que gostava. Foi o que fiz — e continuo fazendo.


De que maneira conhecer um paciente e contar sua história aumenta seu conhecimento do cérebro humano?

Sacks: É algo que me permite entender muito melhor o que está ocorrendo com ele fisicamente. Narrar um caso é a saída mais detalhada para comunicar — mas também apreender — o que se passa com a pessoa. A Mente e a Memória, do grande psicólogo russo A.R. Luria, me influenciou muito. Por 30 anos, Luria seguiu um memorioso, um homem com uma memória e um poder de imaginação prodigiosos. Quando comecei a ler o livro, achei que era ficção. Só então percebi que era a narrativa de um caso científico, o mais rico que já lera. A narrativa talvez seja parte essencial da compreensão científica. Não sou um médico e um contador de histórias. Para mim, as duas coisas estão ligadas.

Por que alguém em situação tão vulnerável dá a você e a seus leitores acesso a coisas tão íntimas?

Sacks: Nunca penso em escrever sobre alguém antes de conhecer essa pessoa por um belo tempo. E não me satisfaço com o consentimento formal. Preciso estar convencido de que a pessoa acha que é algo salutar. Sempre mostro o que escrevo. Quer mudar algo? Omiti alguma coisa? Chega a ser quase uma empreitada colaborativa. Todos sabem que, se resolver escrever, meu tom será de simpatia e respeito. Não será uma exposição dolorosa.


O paciente o vê como terapeuta?

Sacks: Acho que todo médico devia ser visto como terapeuta. Um bom fisioterapeuta devia ter alguma ideia da psique do paciente. E um bom psicoterapeuta devia estar atento à forma como o paciente se move. Tenho de lidar com uma potencial duplicidade — que é a de ser o “investigador” em vez do “terapeuta”. Uma parte de mim quer saber mais e mais, e tenho de dizer a mim mesmo: “Vá com calma, não exagere”.


Sua batalha contra um câncer no olho mudou seu jeito de pensar e trabalhar?

Sacks: Lamento muito ter essa doença. Mas, já que a tenho, venho tentando fazer observações úteis. Ao escrever sobre o assunto, às vezes consigo uma espécie de distanciamento. A doença me domina — e estou “dominando” ela ao mesmo tempo. Também ficou mais fácil dialogar com quem tem câncer ou alguma outra doença, pois posso falar como um deles. A pessoa sabe que também sou um paciente. Somos todos pacientes.