7 de ago. de 2012

COMO VENDER PARA A CLASSE C


MARCOS COBRA


A chamada nova classe média, ou classe C — constituída de uma parte da população que estava excluída do mapa de consumo até poucos anos atrás —, já representa 54% da população brasileira, com mais de 100 milhões de pessoas. Esse novo consumidor quer comprar de tudo: roupas, eletrodomésticos, eletrônicos, carros, imóveis e até produtos de luxo. Mas, junto com a ascensão desses indivíduos ao maravilhoso mundo das compras, surgiu outro desafio, ainda não totalmente equacionado: como adequar produtos e serviços a esse novo comprador, alvo de cobiça de nove entre dez profissionais de marketing?

É preciso repensar produtos e serviços que melhor atendam aos anseios desse novo consumidor que migrou da base da pirâmide para um patamar intermediário. Isso significa verificar não apenas a influência dos velhos hábitos de consumo sobre as novas aspirações, mas sobretudo ir ao inusitado, descobrindo o que se passa na mente desse consumidor. Por meio de técnicas da neurociência, a neuroeconomia e o neuromarketing devem identificar desejos explícitos e ocultos de forma a desenvolver novos produtos e novos serviços para atender à demanda inconsciente dessa nova classe média.


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É preciso reinventar a propaganda, as marcas, reposicionar produtos e, sobretudo, descobrir o marketing que funciona para esses novos compradores.

Embora dispondo agora de maior renda, a nova classe média, ou classe C, tende a manter seus velhos hábitos de consumo e ir, gradativamente, incorporando outros. Esses indivíduos demonstram preocupações momentâneas de entretenimento (poder usufruir melhor o tempo livre), pagamento de dívidas, aplicação das sobras do orçamento na poupança e viagens (realizar visitas a parentes e amigos em outros estados, voar pela primeira vez de avião e conhecer novos lugares).

O que demanda soluções inovadoras para a classe C pode ser dividido em quatro categorias principais: produtos de luxo (vestuário, bijuteria, eletrônicos, carros); imóveis; educação (cursos profissionalizantes a distância); entretenimento (cinema, shows musicais, “baladas” e reuniões em família e com amigos); habitação  (imóveis com concepção multiuso e acolhedor para os agregados da família); e produtos de conveniência  (facilidade de compra pela internet e entregas rápidas).

Design thinking

A abordagem de vendas para a classe C deve levar em conta os meios tradicionais de comunicação como as mídias rádio e TV, mas precisa ter um outro formato, diferente e atrativo, além de dedicar muita atenção às mídias sociais. E precisa considerar que uma boa parte da venda em lojas físicas migrou para o varejo virtual. Para vender para esses consumidores emergentes, em primeiro lugar é preciso entender o que aspiram:

1. Fartura à mesa — carnes, aves e derivativos, cereais e leite;

2. Segurança — direito a viver sem sobressaltos;

3. Fazer festas — confraternizar com a família e amigos;

4. Trocar de carro — de preferência, modelos com motor mais potente;

5. Comprar imóvel — desde o primeiro imóvel próprio até ter outros para alugar;

6. Educação — para ter direito a uma ascensão profissional, cultural e social.

Mas não se trata apenas de redesenhar produtos e serviços para atender a essa nova demanda, mas de redefini-los, ouvindo o que o novo consumidor necessita e deseja, através de técnicas de pesquisas em design thinking. É preciso fazer uma reengenharia. E isso envolve produtos do segmento luxo, como também a concepção de serviços diferenciados e, em alguns casos, até mesmo inusitados.


Uma das ferramentas mais úteis na formatação de uma estratégia para a classe C é o design thinking. O designer enxerga como um problema tudo aquilo que prejudica ou impede a experiência (emocional, cognitiva, estética) e o bem-estar na vida das pessoas (considerando todos os aspectos da vida, como o trabalho, lazer, relacionamentos, cultura, etc.). Sua principal tarefa é mapear a nova classe C, identificar as causas e as consequências das dificuldades e ser mais assertivo na busca por soluções sobre que produto oferecer e como ele deve ser apresentado. O profissional deve estar sempre experimentando novos caminhos e aberto a novas alternativas: o erro gera aprendizados que o ajudam a traçar direções alternativas e identificar oportunidades para a inovação.

Para incorporar o design thinking à estratégia de vendas, as empresas precisam considerar:

1. Imersão — preliminar e em profundidade. A primeira tem como objetivo o reenquadramento e o entendimento do problema, enquanto a segunda destina-se a identificação de necessidade e oportunidades que irão nortear a geração de soluções para a fase seguinte que é a ideação.

2. Análise e síntese — das informações coletadas, para a compreensão do problema.

3. Ideação — gerar ideias inovadoras para atender às necessidades e desejos explícitos e ocultos das pessoas da classe C.  Nessa etapa é comum o uso de brainstorming, para estimular a geração de um grande número de ideias em pouco tempo, e encontrar soluções a problemas por meio de produtos e/ou serviços. Elaborado um cardápio de ideias, o segundo passo é um posicionamento dessas ideias com o objetivo de apoiar o processo de escolha de produtos e/ou serviços.

4. Prototipação — é a etapa em que se procura validar a ideia gerada, construindo um protótipo do produto ou serviço.

5. Teste de mercado — a ideia do produto é apresentada a possíveis compradores, para testar a aceitação do produto.

6. Transformar — as soluções inovadoras em negócios.

E os desafios não cessam. Afinal, quando a classe C ascender para a classe B, vai provocar uma alteração ainda mais intensa do que a primeira ascensão social.

Quem está no topo da pirâmide social consome artigos caros para se distinguir dos demais, pois a distinção é decorrente da conquista do capital econômico e social. Quando o produto invade outras classes sociais, elas partem para outro artigo ou marca.

O mesmo ocorre com a nova classe média: o consumidor age como um espelho da classe alta.  Na impossibilidade de compra de um artigo original, o consumidor da nova classe média aceita outro, mesmo cópia reconhecidamente pirata, desde que guarde muita semelhança com o original. Mas, na medida em que o consumidor evolui economicamente, ele passa a exigir produtos originais, para representar com isso a sua ascensão social. A ostentação de consumo é uma forma de legitimar-se no topo da pirâmide social.  


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Marcos Cobra é professor da pós-graduação na Universitad de La Empresa (UDE), em Montevidéu, no Uruguai; conferencista e consultor de empresas nas áreas de marketing, serviços, planejamento estratégico e vendas no Brasil e exterior. Foi responsável pelo departamento de marketing e professor titular por 36 anos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.