21 de jun. de 2010

O JEITO CERTO DE ADMINISTRAR CLIENTES QUE NÃO DÃO LUCRO

Vikas Mittal, Matthew Sarkees e Feisal Murshed

Um cliente problemático pode custar muito dinheiro à empresa — mas descartá-lo sem mais nem menos talvez não seja a melhor saída para remediar o problema. Os autores, todos professores de universidades americanas, exploram os prós e os contras do abandono de clientes.

Usando exemplos reais, os autores mostram como a decisão de pôr fim ao relacionamento com um cliente ou um segmento de clientes pode aumentar a rentabilidade, elevar o moral do pessoal, resolver limitações de capacidade e turbinar uma estratégia de negócios. Contudo, descartar clientes pode ter impacto negativo sobre uma série de públicos — incluindo funcionários e a clientela restante, que podem se perguntar se serão os próximos. Além disso, sempre há o perigo de conseqüências éticas e legais, o que feriria a imagem da empresa.

Antes de tomar a decisão, dizem os autores, o executivo deveria usar o modelo apresentado no artigo. São cinco etapas. A primeira é reavaliar o contexto da relação atual com o cliente, indo além da mera rentabilidade. É bem possível que a empresa descubra que a saída mais produtiva é educar os clientes, e não descartá-los. Em certos casos, se a empresa renegociar a proposta de valor com o cliente, ambos sairão ganhando. Em outros, o melhor é transferir o cliente para outras subsidiárias e provedoras — desde que a decisão seja tomada em boa-fé, e como tal interpretada. Se for preciso realmente encerrar a relação com o cliente, use uma abordagem direta, interpessoal.

Empresa nenhuma pode se dar ao luxo de desperdiçar a base de clientes. Logo, a decisão de descartá-los não pode depender apenas do fato de darem ou não lucro — pois as conseqüências estratégicas são sérias demais. No final, essa decisão pode acabar sendo mais difícil do que qualquer cliente.





Abandonar sem pensar o cliente que custa dinheiro não é a saída. Use o esquema aqui apresentado para saber se é melhor consertar ou encerrar a relação.  

No dia 29 de junho de 2007 a empresa americana Sprint Nextel enviou uma carta a cerca de mil pessoas. Nela, informava que haviam sido sumariamente desligadas. Só que os destinatários eram assinantes, não funcionários. A operadora de telefonia celular vinha monitorando o volume e a freqüência de chamadas ao suporte técnico feitas por um grupo de usuários finais de alta manutenção. “Havia casos de gente que ligava para a central de atendimento centenas de vezes por mês (...) pelo mesmo motivo, ainda que achássemos que a questão já fora resolvida”, disse em julho, à Reuters, uma porta-voz da Sprint. A empresa acabara decidindo que não podia arcar com as necessidades de cobrança e serviço desse reduzido grupo de assinantes. Resolveu isentar todos da taxa de cancelamento do contrato e encerrar sua conta.

A TXU, grande concessionária de energia elétrica do Texas, seguiu o mesmo caminho. Em 2005, adotou uma estratégia comercial mais rígida em resposta à pressão competitiva de um mercado desregulamentado. Passou a cortar mais depressa o fornecimento de energia de clientes inadimplentes e a cobrar uma taxa maior para ligar de novo a luz. Além disso, premiava quem pagava a conta em dia. Conseguiu, com isso, reduzir a dívida “irrecuperável” dos caloteiros e aumentar a produtividade de funcionários que até então passavam um bom tempo atendendo a ligações desses inadimplentes. É como disse um alto executivo financeiro da TXU ao Wall Street Journal: “Um cliente que liga todo dia [para a empresa] é menos rentável do que um que paga em dia e nunca a procura.”

O abandono de clientes — quando a empresa deixa de fornecer um produto ou de prestar um serviço a clientes existentes — já foi considerado anomalia. Para muitas organizações, no entanto, está rapidamente virando uma opção estratégica viável. É verdade que o custo estratosférico de adquirir novos clientes e a complexidade da venda cruzada para distintos segmentos do mercado garantem que a retenção de clientes siga sendo imperativa. Mas certas empresas estão tirando proveito de novas abordagens à segmentação e de tecnologias que facilitam a vida de quem deseja reter apenas os clientes certos — clientes que gerarão mais receita ao longo dos anos — e, por extensão, livrar-se dos problemáticos.

Para entender melhor tendências recentes no abandono de clientes, fizemos um exame detido de empresas que se desfizeram de clientes, bem como de parte da clientela que deixaram para trás. Examinamos reportagens na imprensa, comunicados de imprensa e blogs e revistas voltados ao consumidor para explorar a cambiante dinâmica cliente-empresa. Em 2005 e 2006, entrevistamos 38 executivos de 32 empresas de uma série de setores, incluindo TI, manufatura, saúde, finanças e serviços profissionais. Fizemos, ainda, a sondagem de uma amostra aleatória de 236 clientes. Dos executivos ouvidos, 90% disseram que haviam pensado seriamente em abandonar certos clientes; 85% já tinham tomado tal medida. Dos clientes, 23% indicaram que haviam sido abandonados por uma empresa no ano anterior.

Nossa pesquisa identificou quatro motivos comuns para uma empresa encerrar o relacionamento com usuários finais: queda na rentabilidade de certos clientes, produtividade menor de funcionários que lidam com clientes deficitários, mudança na capacidade de servir grandes volumes de clientes e alterações na estratégia de negócios da empresa. Embora a maioria dos gestores que ouvimos tivesse pensado em se desfazer de certos clientes por uma razão dessas, nenhum quis admitir o fato publicamente. Tirando os efeitos imediatos de uma estratégia dessas sobre lucros e operações, os executivos com quem falamos temiam ramificações mais duradouras — como sofrer retaliação de clientes ou ganhar a reputação de prestadora de serviços “difícil” ou rebelde no setor. Com efeito, o dano colateral desse abandono pode ser sério: a empresa pode fazer às concorrentes o favor involuntário de mandar clientes a sua porta. Pode ferir a relação com a clientela de alto valor que é preservada — e que pode passar a encarar a empresa como pouco empenhada em servir. Pode, até, descumbrir obrigações éticas ou legais para com os clientes.

Antes de tomar qualquer medida nesse sentido, seria bom que a empresa submetesse a si e a seus clientes (sejam empresas, sejam indivíduos) ao esquema de cinco etapas que desenvolvemos com base em nossa pesquisa. Isso ajudará seus executivos a considerar o impacto estratégico do abandono de clientes — não só em termos de rentabilidade. O modelo traz um sistema para a avaliação objetiva do valor presente e potencial de cada cliente ou grupo de clientes — em suma, para que a empresa contextualize cada relacionamento desses e decida qual o melhor rumo a tomar (veja o quadro “Continuum do abandono de clientes”). Tendo concluído a difícil tarefa de reavaliar o relacionamento presente com clientes, educar clientes deficitários, renegociar a proposta de valor ou transferir clientes para parceiras ou outros fornecedores, a empresa será capaz de avaliar com mais clareza a importância desses clientes para seu sucesso a longo prazo. Só então deve começar a encerrar certos relacionamentos.


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Em certas situações, o abandono de clientes (corretamente efetuado) pode ser uma boa estratégia, embora certamente deva ser o último recurso a adotar. Antes de examinarmos cada elemento do modelo em detalhe, consideremos potenciais benefícios e riscos do abandono de clientes.

Por que abandonar clientes?
Conforme dissemos, os executivos que entrevistamos citaram quatro grandes motivos para que sua empresa cogitasse o abandono de certos clientes, apesar do risco de degradação da base geral de clientes.

O primeiro motivo para encerrar um relacionamento é, obviamente, a rentabilidade. A grande imprensa está repleta de relatos de empresas de B2B e B2C que se desfizeram de clientes que já não davam suficiente retorno sobre o investimento. É uma situação relativamente comum nas indústrias financeira e de seguros, nas quais o lucro depende tanto de fatores de risco ligados ao cliente. Em 2005 as seguradoras Allstate e Nationwide abandonaram, respectivamente, um total de 95 mil e 35 mil titulares de apólices de seguro residencial no estado americano da Flórida por receio de altíssimos prejuízos no futuro. Em 2004 e 2005 certas regiões do estado foram bastante atingidas por sete grandes furacões. Com a desculpa do risco elevado, a indústria de seguros posteriormente avaliou e suspendeu centenas de milhares de apólices residenciais em todo o país.

Empresas nos setores de varejo e serviços também se desfizeram de clientes para estancar perdas. Num caso comentadíssimo nos EUA, a Filene’s Basement, de Boston, proibiu em 2003 que dois clientes de longa data entrassem em qualquer loja da rede no país devido ao volume excessivo de devoluções e queixas que faziam, o que consumia o tempo precioso dos vendedores da loja e outros recursos. Na mesma veia, varejistas como as americanas Sears e Best Buy cobram uma taxa de reposição em certos artigos para desestimular o cliente a devolver produtos que a loja é, então, obrigada a vender com desconto — por serem de outra estação ou estarem sem a embalagem original. Locadoras de veículos rejeitam sem rodeios o cliente que já danificou um carro alugado no passado. Um gerente de uma locadora nos disse que isso é “absolutamente necessário” nesse ramo. “Se alguém for tirar proveito de nossos [ativos de alto custo], precisamos nos proteger.”

Certas organizações são sistemáticas na hora de separar os clientes que dão lucro dos que não dão. Usam ferramentas e abordagens analíticas para computar o valor vitalício do cliente e outros indicadores relevantes. Em fins da década de 1990, por exemplo, a FedEx esmiuçou as cifras envolvendo seus 30 maiores clientes — grupo que gerava cerca de 10% da receita e do volume total da empresa de encomendas e transporte. Segundo um artigo de 1999 no Wall Street Journal, a FedEx “descobriu que certos clientes, incluindo alguns que exigiam um alto volume de entrega em domicílio, não estavam gerando tanta receita quanto haviam prometido durante a negociação de desconto nas tarifas cobradas pela FedEx”. Logo, passou a cobrar mais desses clientes. A certa altura, a empresa pediu que vários daqueles que se recusaram a aceitar a nova tabela buscassem outra fornecedora. Situação similar foi descrita em 2003 em outro artigo do Wall Street Journal, agora sobre o hospital de 800 leitos mantido pela University of Texas em Galveston. A instituição identificara em seu banco de dados cerca de 64 mil pacientes inadimplentes. Depois de considerar o impacto social de deixar de atendê-los, Joan Richardson, então diretora clínica da instituição, traçou um plano para racionar o atendimento a esses pacientes — que basicamente ficaram restritos a certos medicamentos e procedimentos e eram obrigados a pagar antecipadamente por consultas médicas. O plano ajudou a reduzir a porcentagem de inadimplentes entre a população total atendida pelo hospital de 26% em 1998 para cerca de 17% em 2003.

Outra razão para abandonar clientes é turbinar a produtividade e o moral do pessoal. Clientes de rudeza injustificável ou habitualmente antipáticos podem impedir que o pessoal faça seu trabalho e até aniquilar seu desejo de permanecer na empresa. Imagine, por exemplo, o freguês habitual de um restaurante que gasta toda noite uma bela quantia em comida e bebida, mas trata mal os garçons e perturba os demais clientes. Para que retenha seus funcionários (e, possivelmente, outros clientes rentáveis), o restaurante precisa abandoná-lo. Sobretudo em serviços de B2B, a empresa que não dá um basta a clientes problemáticos corre o risco de uma rotatividade maior entre o pessoal e de perda do conhecimento institucional. Um executivo de uma grande empresa de serviços nos contou o seguinte: “Tivemos de decidir se queríamos ou não manter nossos funcionários. O cliente estava exigindo demais deles, estávamos a ponto de presenciar um motim. Valorizamos nosso pessoal. Com toda gentileza, dissemos ao cliente que não podíamos mais assisti-lo”. Um sócio sênior de uma firma de pesquisa e consultoria relatou o caso de um cliente no setor de bens embalados que “só pensava em ganhar [e que] só sentia que havia ganhado se todo mundo a sua volta perdesse. Ainda que lhe déssemos o melhor produto, [ele] sempre achava um defeito. Isso estava nos desgastando”. O sócio levou essa constatação ao presidente da firma, que acabou decidindo que a consultoria deixaria de concorrer por projetos para aquele cliente.

Limitações de capacidade são um terceiro motivo para desistir de clientes. Certas empresas não contam com a tarimba, a capacidade física ou os recursos financeiros necessários para seguir prestando um determinado serviço. Outras subestimam a demanda da clientela ou o impacto de novas normas ou forças do ambiente. Sócios de duas auditorias contaram que suas firmas haviam abandonado centenas de clientes nos EUA quando entrou em vigor a lei Sarbanes-Oxley, que aumentou consideravelmente o tempo gasto por seus profissionais com questões de conformidade para grandes clientes de capital aberto. “Simplesmente não temos gente suficiente para atender empresas menores, de capital fechado”, disse um dos sócios. “Não que quiséssemos, mas tivemos de abandonar, cobrar mais ou simplesmente não dar suficiente atenção a empresas menores”, que em certos casos desistiram do serviço.

Por último, certas empresas vêem o abandono de clientes como conseqüência natural, embora de certo modo intencional, da evolução de sua estratégia. Quando deixa de trabalhar com certos produtos e serviços, ou quando abandona todo um segmento do mercado, uma organização está indiretamente dizendo a seus clientes que busquem outra empresa capaz de satisfazer suas necessidades. A AT&T, por exemplo, decidiu em 2004 dar mais atenção ao mercado comercial e menos ao residencial. Não que tenha saído encerrando o relacionamento com assinantes residenciais — mas a combinação da perda natural de clientes e da investida de concorrentes consideravelmente reduziu a base de assinantes residenciais da empresa.

Certas organizações abandonam clientes para corrigir erros de estratégia do passado. Um gerente de uma empresa de telecomunicações de alta categoria contou que no final da década de 1990 sua empresa atraíra indiscriminadamente para a base de clientes um grande número de pequenas empresas, pois tinha pressa em ganhar participação de mercado. Em 2004, disse, muitos desses clientes haviam fechado as portas — ou não davam lucro. O gerente reconheceu que a empresa hoje está pagando por aquela corrida: “A coisa toda virou um exercício doloroso de abandono de clientes, corte de pessoal e reorganização”. Na mesma veia, em resposta a escândalos e a investigações da SEC, a gigante de seguros Marsh & McLennan descartou, em 2005, milhares de clientes no mundo todo. É que uma auditoria dos lucros — havia muito necessária — revelou que a empresa vinha perdendo dinheiro com cerca de 25% da base de clientes. “A solução no curto prazo era óbvia”, disse o presidente Michael G. Cherkasky ao Wall Street Journal. A empresa se livrou de clientes que não davam retorno e do pessoal que atendia essas contas. 

Quando é arriscado abandonar clientes?
Desligar-se de clientes pode fazer sentido em certas situações, mas em geral os riscos dessa estratégia superam a recompensa. Em jogo, não há apenas o lucro; quando a empresa decide abandonar certos clientes, vários são os atingidos. Empresas com custos fixos elevados, por exemplo, correm o risco de jogar uma parte maior da carga de custos sobre a clientela restante. Uma médica que entrevistamos contou que, ao deixar de atender dois segmentos de pacientes que não davam lucro, sentiu dificuldade para preencher os horários abertos na agenda. Seus funcionários não tinham o que fazer; a médica não queria demiti-los, pois muitos estavam havia anos com ela. No final, acabou comprando outra clínica para levar as operações de volta ao azul. Empresas que se desfazem de clientes podem perder fontes valiosas de informação, experimentação e inovação. Afinal, idéias e sugestões de usuários finais podem ajudar a empresa a identificar rapidamente novos produtos e serviços e a desenvolver melhores práticas.

De sua parte, o cliente abandonado por uma empresa não raro é acomodado por uma adversária, o que muda a dinâmica competitiva. Obviamente, não faltavam operadoras de telefonia celular para atender à clientela que se sentiu desertada pela nova ênfase da AT&T no segmento comercial, por exemplo. Em certos cenários, clientes remanescentes podem ficar inseguros e se perguntar se não serão os próximos. Às vezes o cliente pode interpretar o abandono como forma de discriminação — e, nitidamente, é influenciado por aquilo que se oferece a outros clientes. Em 2000, a incursão da Amazon na precificação dinâmica rendeu publicidade negativa para a empresa, que resolvera dar descontos ligeiramente distintos para distintos clientes em certos produtos. Quando o esquema veio à tona, os clientes atingidos (e os que não haviam sido) ficaram indignados, obrigando a empresa a tomar a iniciativa de oferecer reembolsos.

O pessoal da linha de frente não sai ileso quando a empresa abandona parte da clientela. Como ilustra o caso da Marsh & McLennan, uma base de clientes menor pode levar a uma base de funcionários menor. Para aqueles que ficam, a partida súbita de clientes que talvez já fossem amigos pode ser traumática — afinal, na maioria dos casos esse pessoal dedicou um belo tempo para estabelecer, cultivar e desenvolver o relacionamento agora desfeito. Na Marsh & McLennan, os corretores que não foram demitidos — agora frustrados e revoltados — ficaram tão indignados com o tratamento dispensado pela empresa a antigos clientes e colegas que acabaram debandando para a concorrência. A lição é que o modo como a empresa trata seus clientes envia uma forte mensagem — intencional ou não — sobre o modo como a gerência trata o pessoal.

Quando a empresa decide se desfazer de clientes pode haver problemas éticos e legais. Uma estratégia dessas pode bater de frente com princípios de responsabilidade social empresarial profundamente arraigados em muitas organizações. No mundo ocidental, a população em geral espera que certos serviços (luz, água, saneamento básico, aquecimento) sejam universais, independentemente da capacidade de pagar do consumidor. Isso posto, vejamos o que ocorreu, no Brasil, com a Embratel: como cobrar a dívida de inadimplentes tinha alto custo, a empresa queria cortar o serviço de quem estivesse mais de seis meses sem pagar a conta. Mas foi impedida por agências reguladoras, que consideraram a decisão um transtorno para a população. A Embratel acabou lançando um pacote de incentivos financeiros para que os assinantes inadimplentes cancelassem o serviço da empresa e migrassem para a telefonia pré-paga. Já que a diferenciação e a segmentação são os pilares da maioria dos programas de abandono de clientes, uma iniciativa dessas pode ser vista por autoridades, ativistas e grupos de defesa do consumidor como discriminatória — seja ou não justificável do ponto de vista comercial. 

Como administrar o processo
Naturalmente, a transação entre clientes e empresas deve ser benéfica para ambos. Só que pode ser difícil manter, a longo prazo, essa troca eqüitativa de valor. A gerência começa a considerar o abandono de clientes quando o valor entregue ao cliente supera em muito o valor dele extraído. Contudo, essa estratégia só deve ser posta em prática depois de uma avaliação detida da relação com o cliente, considerado o contexto, e de todo esforço possível para restaurar o equilíbrio. O arcabouço que aqui sugerimos pode orientar a empresa no processo de possível abandono do cliente (veja o quadro “Como abordar o abandono de clientes”).


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Reavalie a relação atual com o cliente. Antes de mais nada, é preciso examinar exaustivamente os dados — não só a rentabilidade — usados para classificar como um problema certos clientes ou segmentos de clientes. Isso inclui não só indicadores financeiros, como o gasto presente e futuro do cliente, mas também um panorama maior do contexto no qual o cliente e a empresa estão operando. As necessidades do cliente mudaram, por exemplo? Ou foi o foco da empresa que mudou? O cliente sairia ganhando se migrasse para outro serviço prestado pela empresa? A empresa decidirá se abandona ou não o cliente com base, em parte, na resposta a essas questões.

No caso de empresas B2B é relativamente fácil conduzir essa análise, pois em geral é estreito o leque de grandes clientes e há fartura de informações detalhadas sobre custos, receita e rentabilidade de cada um deles. Já empresas voltadas ao público geral costumam ter uma relação indireta com um amplo espectro de consumidores e podem não contar com dados qualitativos e quantitativos sobre cada segmento desse público.

Às vezes a empresa percebe que julgou equivocadamente o cliente. Um consumidor identificado como pouco propenso a gastar — e que, portanto, não daria lucro — pode simplesmente ignorar o leque de serviços oferecido. Em outros casos, o cliente arredio pode ser um subproduto da própria miopia da empresa. Isso pode ocorrer tanto no ambiente B2B como no B2C. Um exemplo: para atender a suas contas maiores (empresas do Fortune 50), uma agência de publicidade que estudamos vinha dando menos atenção a suas clientes menores, sobretudo a entidades sem fins lucrativos locais — muitas das quais foram aos poucos migrando para a concorrência. A certa altura, o presidente da agência resolveu reavaliar o relacionamento com as clientes do terceiro setor — mas só depois de ter ouvido um sermão de um executivo de uma cliente de grande porte que calhava de pertencer ao conselho de uma das pequenas entidades sem fins lucrativos que vinham sendo ignoradas. O presidente percebeu que o abandono inadvertido de clientes pela agência vinha manchando sua reputação — e tentou renegociar os termos com essa clientela.

Eduque a clientela. Um aspecto crítico da manutenção de relações rentáveis com clientes é administrar suas expectativas. Se contar com a informação necessária para enfrentar uma situação complicada envolvendo o produto ou o serviço, o cliente terá menos dúvidas e menos necessidade de recorrer a recursos valiosos da empresa. Todo gerente deveria, portanto, considerar a seguinte questão: que conhecimento relevante falta ao cliente — e qual a melhor maneira de supri-lo? Em vez de serem candidatos ao abandono, certos clientes talvez precisem apenas aprender a usar melhor seus produtos e serviços e a interagir com representantes da empresa de modo mais eficaz. Vejamos o ocorrido na Fidelity Investments. Anos atrás, a organização de serviços financeiros identificou um grupo de clientes com baixas margens cujo volume de ligações para a firma em busca de auxílio era elevado. Em vez de cortar o vínculo com esses clientes, a Fidelity tentou instruí-los sobre outras opções para a resolução dos problemas — alternativas de custo menor. Representantes do call center da firma ensinaram esses clientes a usar o sistema automatizado de atendimento e o website. Se ainda assim a pessoa quisesse falar com um atendente, o sistema telefônico a identificava e a transferia para uma fila de espera mais longa.

No espaço B2B, educar o cliente que não dá lucro costuma ser mais viável do que no espaço B2C. Uma fabricante de equipamentos médicos que estudamos, por exemplo, viu que estava gastando muito tempo, dinheiro e talento em visitas a hospitais e a agências de saúde para solucionar problemas surgidos quando um cliente usava incorretamente a interface do computador. A maioria das ligações ao atendimento era feita por médicos que não sabiam operar bem o aparelho. A empresa ofereceu sessões de treinamento a todos e, com isso, ajudou esses usuários a aumentar sua produtividade e, ao mesmo tempo, a rentabilidade do relacionamento de negócios.

Uma clientela instruída é menos propensa a culpar a empresa caso o relacionamento se dissolva. Com efeito, ao trocar informações sobre a relação propriamente dita, a empresa pode administrar melhor eventuais imputações e reações de clientes. Em geral, é mais fácil trocar esse tipo de informação no ambiente B2B do que no B2C, pois se o cliente é uma empresa é mais provável que entenda as implicações do relacionamento para custos, receita e rentabilidade. Executivos da empresa de serviços financeiros que estudamos, por exemplo, nos disseram que é comum informarem logo de cara — ainda na fase de negociação — como, exatamente, aquele cliente vai gerar valor para a empresa. E o que, exatamente, faria com que a balança saísse da zona da rentabilidade. Um cliente é informado, por exemplo, sobre o saldo mínimo que precisa manter em cada categoria de investimento para que a firma o atenda de maneira rentável.

Renegocie (e não apenas comunique) a proposta de valor. A renegociação é um subproduto dos processos de reavaliação e educação e é particularmente atraente em mercados nos quais a empresa pode trabalhar com estratégias de preço e serviço distintas para cada subconjunto de clientes sem afetar, com isso, o relacionamento com outros clientes. Corretoras de valores e administradoras de fundos de investimento como Charles Schwab e Fidelity, por exemplo, podem cobrar taxas mais altas de clientes que realizam menos transações ou mantêm um saldo menor em conta.

A grande meta dessa parte do esquema é fazer com que executivos envolvam explicitamente o cliente — seja B2B, seja B2C — num diálogo sobre a proposta de valor. Todo executivo precisa considerar as seguintes questões: estamos realmente negociando com o cliente ou simplesmente dando ordens? Incluímos, no preço final, todos os benefícios secundários e terciários que damos ao cliente? Nossos clientes estão cientes da proposta total de valor que oferecemos? Foi justamente esse tipo de pergunta que o conglomerado americano de serviços alimentícios Aramark se fez quando faltava pouco para vencer um longo contrato com uma universidade americana, a Duke University. Segundo relatos de caráter público, a Aramark decidiu não participar da licitação do contrato por considerar injustificáveis as exigências do cliente. No final, resolveu desistir da conta. Essa decisão, contudo, veio depois de meses de discussão com dirigentes da universidade sobre as questões levantadas pelo comitê da instituição responsável pelo refeitório, como rotatividade de gerentes e a qualidade e o sortimento da comida.

Renegociações em mercados B2B em geral envolvem prazos longos e avaliações exaustivas de todos os aspectos do relacionamento. Com efeito, em vez de se ater apenas à receita do produto, certas empresas oferecem níveis variados de suporte técnico. Estudamos, por exemplo, uma fornecedora de matrizes comerciais para maquinário pesado que passara a cobrar mais de certos clientes deficitários pelo suporte no local como parte de uma estrutura de preços renegociada. O que poderia ter sido uma óbvia situação de abandono do cliente virou um cenário bom para ambos — para a empresa e para aqueles clientes.

Transfira o cliente. Quando discutir com cada cliente a melhor maneira de alterar a proposta de valor não é uma saída realista (como costuma ocorrer com clientes B2C), ou quando uma discussão dessas com um cliente B2B não surte efeito, a empresa pode reconfigurar de modo unilateral o relacionamento com o cliente. Pode, especificamente, transferir o cliente para outros canais, outras formas de pagamento ou até outras subsidiárias ou provedoras (de novo, é aqui que iniciativas anteriores para educar o cliente sobre a perspectiva da empresa podem dar retorno). Entre as perguntas relevantes a se fazer estão: que produtos ou serviços já disponíveis seriam mais adequados a esse cliente? O cliente está disposto a migrar?

Em 2006, a empresa de TV via satélite EchoStar criou uma opção de serviço pré-pago para clientes B2C com histórico de crédito ruim. Ou seja, transferiu todos para uma forma distinta de pagamento. Escritórios de advocacia e firmas de auditoria repassam o grosso do trabalho envolvendo clientes B2B menores a profissionais menos experientes; os sócios fazem apenas um exame superficial, para ver se está tudo certo. A idéia geral de todas essas estratégias de migração não é abrir um diálogo com o cliente para mudar o valor gerado em ambos os lados, como na fase de renegociação; é, simplesmente, persuadir o cliente a usar um nível de serviço totalmente reconfigurado — e que seja compatível com o presente valor que traz para a empresa.

Certas empresas prestarão todo auxílio possível ao cliente abandonado na hora da transição para uma empresa distinta — em geral uma parceira, às vezes uma concorrente. Com isso, não estão apenas se livrando do cliente problemático: seu esforço adicional pode ajudar a mitigar a reação negativa e o temor do cliente em relação à migração para outra provedora do serviço. A parceira ou a concorrente talvez tenha uma estrutura de custos que permita um atendimento melhor ao cliente abandonado. Em geral, a colaboração com uma parceira é uma opção sensata para a empresa que descarta clientes. Uma grande firma de pesquisa de mercado que estudamos, por exemplo, repassa projetos de escala reduzida para parceiras menores, especializadas, com estrutura de custos inferior — adequada a projetos dessa escala. Já uma firma menor que careça de recursos para um projeto de grande porte pode se aliar a uma parceira maior ou, simplesmente, repassar o projeto para a firma grande.

Encerre a relação com o cliente. Se depois de testadas todas as alternativas anteriores ainda não houver esperança de que novas transações venham a gerar valor suficiente para ambas as partes, a empresa deve encerrar o relacionamento com o cliente. Deve, porém, comunicar o fato de um jeito que minimize as conseqüências negativas para ela própria, a empresa. As possibilidades são muitas, e dependem do cliente. Cerca de 90% dos gerentes que entrevistamos em ambientes B2B disseram adotar métodos diretos, interpessoais, para comunicar a decisão. Começam cedo, meses antes da data prevista para a renegociação do contrato, explicando o que a empresa enxerga como valor e pedindo uma relação mais equilibrada no futuro. O segredo é levar o cliente a encarar essas discussões — e até o próprio fim da relação — como mutuamente benéficas.

A situação pode ser muito distinta em cenários B2C. Em nossa pesquisa, 80% dos clientes abandonados disseram se sentir revoltados, frustrados ou constrangidos por terem sido descartados — o que é justificável. Em muitos casos, a insatisfação poderia muito bem ter sido mitigada — e o inevitável boca a boca negativo, contido. Com efeito, 70% dos clientes descartados em cenários B2C não receberam nenhum aviso prévio da empresa que encerrava a relação. Além disso, cerca de metade dos que foram previamente notificados foram informados por correio, não pessoalmente ou por um telefonema. Entre os consumidores que entrevistamos, a grande maioria preferia ter sido comunicada por alguém de carne e osso, ainda que por telefone.

Outro estudo que fizemos recentemente sugere que o consumidor examina com muita atenção os motivos pelos quais está sendo abandonado e, à luz deles, calcula de quem é a culpa — da empresa em si ou de fatores externos. Um cliente que julgava estar sendo descartado porque a empresa vinha sofrendo pressão competitiva para alterar sua estratégia, digamos, era menos inclinado a se revoltar com o abandono do que o cliente que achava que a empresa o descartara apenas para engordar seu lucro.

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A relação entre uma empresa e seus clientes — complexa e em constante evolução — requer uma gestão ativa. Um cliente não é uma commodity que pode ser comprada ou descartada como a empresa bem entender. Merece mais do que uma decisão simplista da gerência entre mantê-lo e descartá-lo. Aqui, há muitas saídas intermediárias — e nosso arcabouço é um método lógico para explorar essas possibilidades. Embora seja uma saída estratégica viável, o abandono de clientes deve ser exercido de modo parcimonioso, criterioso, cauteloso. A base de clientes, ainda que não seja rentável, não é um recurso que a empresa pode desperdiçar.

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Vikas Mittal  é titular da cátedra J. Hugh Liedtke Professor of Management and Marketing na Jones Graduate School of Management (Rice University), no Texas, nos EUA. Matthew Sarkees  é professor assistente de marketing da Great Valley School of Graduate Professional Studies (Penn State University), na Pensilvânia. Feisal Murshed  é professor assistente de marketing e e-business da College of Business and Economics (Towson University), no estado americano de Maryland.