Claudia Safatle
O grande motor da retomada do crescimento interno após a
crise global de 2008 foi a expansão do crédito, puxada pelos bancos públicos,
que sustentou o aumento do consumo e transformou recessão em crescimento num
curto espaço de tempo. O crédito, que representava 38,4% do Produto Interno
Buto (PIB) em agosto de 2008, antes da quebra do Lehmann Brothers, saltou para
49,1% do PIB em dezembro do ano passado.
Nesse período, porém, alguns bancos privados afrouxaram seus
critérios de avaliação de risco e chegaram a sofrer um
"subprimezinho" nas linhas de financiamento para aquisição de
veículos. A inadimplência cresceu bastante, principalmente nesses
financiamentos, as famílias estão com parcela relevante da renda comprometida
com o pagamento de dívidas e parte do sistema bancário se dedica, agora, a
fazer uma "limpeza" nos seus balanços.
Crescer pelo estímulo ao consumo mediante maior oferta de
crédito, portanto, parece não ser mais uma receita disponível para o país. O
governo está tentando, de certa forma, repetir a dose, ao colocar os bancos
públicos na dianteira da expansão do crédito a juros mais módicos e pressionar
as instituições privadas a fazer o mesmo. Por esse canal pode-se até conseguir
alguma coisa, mas pouca porque o espaço das famílias para o endividamento é
restrito.
O crescimento deve vir do aumento do investimento
O desafio continua sendo o de elevar a taxa de investimento
tanto público quanto privado. Todo o esforço da área econômica do governo Lula
para reagir ao "crash" de 2008 foi insuficiente para encorpar a taxa
de investimento como proporção do PIB, mesmo com os volumosos repasses de
recursos para o BNDES.
As iniciativas para acelerar os investimentos por meio de
concessões de serviços públicos esbarraram em discussões ideológicas e só agora
começaram a se concretizar.
O aprofundamento da crise internacional encontra a economia
brasileira tentando se reanimar do forte desaquecimento ocorrido no segundo
semestre do ano passado. Como tem sido noticiado, os indicadores de produção
mostram que a recuperação está lenta e será uma façanha se o PIB este ano
crescer muito mais do que os 2,7% do ano passado.
A percepção de que o crescimento em 2012 será modesto já se
dissemina no governo e ficou clara nas palavras do ministro da Fazenda, Guido
Mantega, que em entrevista recente comentou: "Ter um piso de 2,7% está é
muito bom."
Outra visão que começa a se modificar é a do ânimo dos
investidores internacionais com relação ao Brasil. Com elevada reputação por
ter colocado as finanças públicas em ordem, ter um sistema financeiro sólido,
um imenso mercado interno e instituições democráticas, dentre outros atrativos,
o país passa, no entanto, por uma reavaliação. Mais recentemente, fala-se que o
Brasil é um lugar caro, com elevada carga tributária, controle de capitais e
onde o ativismo do governo embaralha a percepção de para onde o país pretende
realmente ir.
Com a Europa novamente à beira do abismo, a economia
americana em marcha lenta e os indicadores do nível de atividade na China em
rápida deterioração, o ambiente externo gera enormes desconfianças para
fomentar decisões de investimentos. E o ambiente interno não produz conforto
para os empresários ampliarem a produção.
Ao mesmo tempo, o quadro global continua a ser
desinflacionário, o que reforça o caminho do corte da taxa de juros, a Selic,
que em algum momento deverá estimular a produção. Mas há a resistência da
inflação doméstica. A desvalorização do real e o possível fortalecimento do
dólar decorrente da aversão ao risco no mercado mundial pressionaria a inflação
interna. Isso, no entanto, poderia ser parcialmente compensado pela queda nos
preços internacionais das commodities.
No balanço do que pode acontecer ressalta-se o fato de que
está mais difícil para o Copom reduzir a inflação abaixo do patamar de 5% em
que ela se encontra. Essa foi a conclusão de analistas de mercado que tiveram
reuniões com o diretor do Banco Central, Carlos Hamilton, nos últimos dias.
Para esses interlocutores, ficou a impressão de que o BC já admitiria uma
inflação ligeiramente superior ao centro da meta de 4,5% para este ano - algo
entre 5% e 5,5%. O presidente do BC, Alexandre Tombini, vez por outra, cita que
no regime de metas que vigora desde 1999, apenas em três momentos - 2006, 2007
e 2009 - o IPCA ficou abaixo de 5,5%.
O BC nega que tenha jogado a toalha. Não está acomodado com a
inflação acima do centro da meta este ano nem confortável com as expectativas
do mercado de inflação de 5,5% para 2013. Portanto, os juros não vão cair, mas
não a qualquer custo. E isso ficou claro na semana passada, quando a direção do
BC corrigiu de pronto a leitura errada do mercado de que ele teria sinalizado
cortes mais ousados da taxa Selic, podendo encerrar o ano com os juros na casa
dos 7%. O BC recolocou a expressão "parcimônia" em seus textos.
Se não tem muito espaço no crédito e na expansão do consumo
para reativar a economia, o governo conta com o afrouxamento
"parcimonioso" das restrições monetárias e, numa hipótese extrema,
com uma eventual flexibilização da meta fiscal.
Um novo problema que se apresenta é o da arrecadação de
impostos, que está bem abaixo das projeções do Ministério da Fazenda, conforme
informou o jornalista Ribamar Oliveira, em coluna publicada no Valor na
quarta-feira e foi confirmado pelo governo. Uma alternativa para não ter que
cortar gastos, penalizando os investimentos, seria reduzir a meta de superávit
primário. E uma forma de reduzir a meta seria descontar da despesa pública
parte dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lembram
fontes oficiais.
Na reunião do fim deste mês o Copom poderá cortar a taxa
básica de juros (Selic) em mais 0,5 ponto percentual, para 8,5% ao ano, o que
resultará numa redução de 400 pontos base na taxa de juros em nove meses (desde
agosto de 2011). Essa substancial queda no custo do dinheiro vai se refletir na
retomada da atividade econômica no segundo semestre, espera o governo.
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Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação do Valor, e
escreve às sextas-feiras