Cláudio de Moura e Castro - Revista Veja 22/07/2013, página 18
Cláudio de Moura e Castro - articulista da Revista Veja |
Faz anos, fui voar de asa-delta em
Chattanooga. Como o vento não é domesticável, custou muito até que soprasse
certo. Esperei longas horas no local de aterrissagem. Na manhã de sábado,
chegou um americano pesadão, em uma caminhonete abarrotada de madeira. Depois
de empilhar as tábuas no chão, tirou do estojo um teodolito e pôs-se a medir.
Curioso, pensei, engenheiro que descarrega caminhão! Mas, em seguida, munido de
uma cavadeira, furou quatro buracos. Virou o cimento e construiu quatro blocos,
para servirem de alicerce do que prenunciava ser um quartinho. Desapareceu
antes do fim da manhã.
Como o cimento precisava secar, só
voltou no dia seguinte. Com uma serra circular de mão, pôs se então a cortar e
a pregar as peças de 2 por 4 polegadas que compõem a estrutura da cabana.
Alguns compensados foram içados, para fazer o telhado, logo coberto de telhas
de asfalto. Em seguida, mais compensados para fechar as paredes. Quando pousei
à tarde. a cabana estava pronta, e já desaparecera o engenheiro-pedreiro-carpinteiro.
Um dia de trabalho: uma cabana pronta e benfeita.
Recentemente, vi outra cabana sendo
construída, desta vez no Brasil. Como era apenas para a duração de uma obra,
era mais rústica. Foi também feita de peças estruturais de pinho e compensado
hidráulico. Como os esteios foram fincados no chão, sem cimento, não foi
necessário esperar ate" o dia seguinte. Na prática, levou o mesmo tempo
que a americana. Vejam a grande diferença: a cabana brasileira foi feita por
cinco operários!
Quando economistas falam de
produtividade, referem-se a uma relação entre o que se aplica na produção de
alguma coisa e o que se obtém ao fim do processo. A produtividade da mão de
obra reflete quantas horas de trabalho foram necessárias para produzir algo —
no caso, uma cabana.
Como o senhor americano produz o
mesmo que cinco brasileiros, em tempo equivalente, nesse exemplo concreto, ele
é cinco vezes mais produtivo do que o nosso operário. A graça do exemplo é que,
além de ser real, oferece uma situação rara, em que podemos comparar a feitura
de duas cabanas iguais, em um processo produtivo que depende pouco do restante
da cadeia de produção.
Quanto valerá cada cabana? Depende.
Se as duas forem vendidas pelo mesmo preço, cada operário brasileiro ganhará um
quinto do que o americano vai ganhar. Se os brasileiros ganharem o mesmo que o
americano, a cabana custará cinco vezes mais.
No primeiro caso, os operários
brasileiros permanecem muito mais pobres. No segundo, o país deixa de ser
competitivo pelos altos custos. No mundo real, ficamos pelo meio do caminho. O
exemplo não mede a produtividade brasileira, pois é um caso isolado. Mas
pesquisas rigorosamente conduzidas mostram o mesmo, uma gigantesca diferença de
produtividade entre os dois países.
É preciso entender que medidas agregadas
da produtividade brasileira escondem mais do que revelam. A empresa Gerdau tem
aciarias no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo seus engenheiros, em processos
comparáveis, os operários aqui e lá têm exatamente a mesma produtividade. Ou
seja, a improdutividade dos brasileiros não tem o endereço das nossas boas
empresas.
Ao lidarmos com os nossos operários,
ficamos irritados com o pouco que rendem. Mas como poderiam saber mais se não
houve quem os ensinasse? Em contraste, os que voltam dos Estados Unidos se
revelam mais produtivos. Nas escolas de lá ou no trabalho. aprenderam certo.
Nossa produtividade é baixa em
virtude de inúmeros fatores, amplamente decantados: portos e estradas
inadequados, a hidra burocrática fungando no cangote dos empresários, impostos
complicados e sufocantes, juros altos...
Havendo vontade de liquidar as
assombrações burocráticas, bastam canetaços bem aplicados. E, com bons
contratos, empreiteiras resolvem os gargalos de infraestrutura. Esse é até o
lado fácil. O árduo é elevar a produtividade dos muitos milhões de operários
esparramados pelo território e vivendo em mundos distantes das boas práticas de
trabalho, Senai e Senac ensinam certo e mostram o caminho. Mas capacitar toda
essa gente está além dos seus orçamentos. E prosperidade sem produtividade é
miragem impossível.-