13 de out. de 2009

NAS AREIAS DO TEMPO

ABRAHAM SHAPIRO

Uma cena do filme “A morte em Veneza” me sensibilizou de modo único semana passada. O livro homônimo é de Thomas Mann e foi levado ao cinema por Luchino Visconti. O personagem Gustav Ashenbach demora-se ao observar uma ampulheta sobre o piano, enquanto seu amigo interpreta uma partitura de Mahler. É a cena em que ele diz: “Lembro-me de que tínhamos uma ampulheta como esta na casa de meu pai. O orifício pelo qual escoa a areia é tão pequeno que, à primeira vista, temos a impressão de que o nível da parte superior nunca se altera. Aos nossos olhos, parece que a areia escorre apenas no final. E até que isso aconteça, não vale a pena pensar a respeito. Mas aí, já é o último instante, quando não há mais tempo... quando não temos mais tempo algum para pensar!”

A areia da ampulheta – o dinheiro, os recursos, a fama, a vida. Quem tem mil, gasta um pouco hoje, outro tanto amanhã e enquanto isso nutre-se da confiança de que semana que vem terá bastante ainda. Prossegue contando que irá ganhar mais. Esta confiança, porém, pode ser traidora e falsa – como o foi com tantos. Quando se acorda, pouco ou nada sobrou. E quase sempre, é tarde demais para se juntar outro tanto.

Com o sucesso? Quem o tem, ilude-se achando que sempre o terá.

A vida é a areia da ampulheta. Percebemos a juventude na velhice. Até então, é cômodo não pensar quanto tempo nos resta. Cremos que será longa nossa estada no mundo. Haverá tempo para errar e recomeçar muitas vezes. O que não se fez aos vinte, projeta-se para os trinta, e se não der, para os quarenta. Num piscar de olhos, contudo, chegam os cincoenta. E então as limitações se sobressaem. “Por que não fiz aos vinte? Aos trinta descansei. Aos quarenta regalei-me em festas e pose!”

É quando nos damos conta de que a altura da areia no andar de cima já diminuiu muito. Mesmo aí, no entanto, ainda nos consolamos com um amanhã. E continuamos procrastinando sobre um tempo improvável e duvidoso ao longo do qual não vale a pena pensar como esvaímos nossos bens e os dias preciosos. “Seriedade é coisa para velhos. Não vou morrer para me preocupar em retificar meu modo de pensar e agir”. Até quando perdura isto? Até que não haja mais tempo. Até que não reste nem mais um minuto para se pensar a respeito.
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Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473