Os segredos do empresário Raul Anselmo Randon para jamais perder a energia da juventude
BETE DUARTE
Quando senta na sala envidraçada da casa da fazenda em Vacaria, onde passa os finais de semana, e observa a bela natureza que a rodeia, o empresário Raul Anselmo Randon tem pensado que um dia irá embora e não voltará mais. Em tom de brincadeira, costuma dizer que gostaria de voltar mulher, e bonita, para explorar os homens, mas tem a certeza de que deve é viver a vida da melhor maneira possível. E isso significa, para ele, continuar trabalhando no grupo Randon, que engloba 10 empresas, entre elas uma das maiores fabricantes mundiais de carrocerias de caminhão e de implementos agrícolas. Afinal, considera o trabalho um prazer.
Aos 80 anos, não quer saber de aposentadoria. Ao contrário, são tantos planos que tem dificuldades para dormir. Os que convivem com ele garantem que serão necessários mais 50 anos para que todos os projetos se concretizem. Atualmente, depois de entregar a direção das empresas aos filhos, passou a se dedicar a uma área específica: a gastronomia. O que poderia ser um hobby acabou por tornar-se agronegócio. As maçãs que plantou colocaram a empresa em 5º lugar na produção da fruta no Brasil. O vinho que produziu para comemorar as bodas de ouro com dona Nilva já ganhou prêmios e é um dos mais cobiçados a cada safra. A produção de queijo tipo Grana Padano o colocou entre os três concorrentes ao título de artesão gastronômico da revista Prazeres da Mesa, uma das mais importantes do gênero. Guardadas as proporções, o empresário lembra o rei Midas, que tudo o que tocava transformava em ouro.
Raul Randon é um homem que se acostumou a pegar no pesado desde muito cedo. De família humilde, aos nove anos cultivava a terra com os avós na colônia. Aos 14, fabricava machados, enxadas e outras ferramentas com o pai e estudava à noite. Avesso à escola, desistiu dos estudos sem completar o ensino primário. Aos 18, foi para o quartel. Quando voltou, o irmão mais velho, Hercílio, que fazia um estágio em uma empresa, a 4 quilômetros de casa, sem remuneração, havia aprendido a montar motores à explosão e, na oficina do pai, fazia serviço de reforma de motores. Projeto a que Raul se incorporou. Um ano depois, com um amigo do irmão, formaram uma sociedade para fazer máquinas impressoras. Foram apenas 12 máquinas fabricadas, porque, em 1951, quando participavam da festa de Nossa Senhora de Caravaggio, ouviram o padre anunciar no alto-falante da praça que a oficina estava incendiando.
– Ficamos sem nada, e a sociedade com o amigo foi desfeita. Tivemos que recomeçar do zero. Mas pelo menos não tínhamos dívidas – recorda.
A fé católica evitou que desanimassem. Ao contrário, voltaram à reforma de motores na oficina de manutenção de uma fábrica de tecidos, enquanto construíam o pavilhão para instalar a própria oficina. Em 1953, um amigo lhes apresentou o italiano Antonio Primo Fontebasso, que deu a ideia de fabricar freios a ar para reboques. Como não é de perder oportunidades, abriu a Mecânica Randon Ltda, sociedade que durou dois anos, porque Fontebasso adoeceu e se retirou. Os irmãos passaram a fabricar o 3º eixo para caminhões e semi-reboques de um e dois eixos, uma revolução na época e o primeiro passo certeiro para o sucesso que viria a seguir. Raul Randon nunca teve medo do batente, ao contrário, procurava prestar muita atenção em tudo e aprender. Hábito que mantém até hoje.
Nas reuniões da holding, onde ocupa o cargo de presidente do Conselho de Administração, fica calado, ouve todas as exposições e só então dá suas opiniões. O genro Sérgio Martins Barbosa, diretor superintendente da Rasip – braço da empresa que cuida dos agronegócios – diz que seu Raul, como todos o chamam, tem uma memória fantástica.
– Ninguém pode dizer um número, uma projeção para ele, uma data para conclusão de um projeto, porque ele não esquece e cobra – revela.
Tanto é assim que traz na ponta da língua todos os números referentes às empresas. Sabe quanto produzem, quanto gastam, quanto recebem e quanto podem investir. Ele nunca pensa pequeno, e talvez aí esteja uma das razões do sucesso de seus empreendimentos. Lá, no início, quando produzia 700 unidades/mês de sistema de reboque e foi à Itália conhecer outras indústrias do setor, voltou com a ideia de aumentar esse número para 1mil/mês. Quatro anos depois, inaugurou a primeira fábrica de caminhões com três eixos brasileira. O mesmo aconteceu quando, também na Itália, visitou uma fábrica de queijos Grana Padano, conduzido por amigo italiano admirador de sua produção de maçãs. Logo, chegavam ao Brasil dois aviões Boeing cheios de vacas holandesas e eram investidos 3 milhões de dólares, que resultaram na produção do Gran Fromaggio.
– O investimento mais firme que tenho – garante.
Ele reconhece que o sucesso da produção de maçãs, vinhos e queijos está ancorado na saúde financeira do braço de máquinas e implementos. Foi de lá que veio o dinheiro para dar início aos agronegócios. Hoje, orgulhoso, percorre as instalações da fábrica de queijos, onde estão armazenadas 23.500 formas de 40kg cada do único queijo do gênero no Brasil. Expandiu a atuação no mercado vinícola e se tornou, junto com a Miolo e a Lavora, um dos sócios da vinícola Almadén, em Santana do Livramento. E, claro, tem muitos planos de expansão.
Está enganado, no entanto, quem pensa que o empresário tem uma vida atribulada, sem tempo para nada. É bem verdade que acorda cedo, 6h da manhã. Come uma das maçãs que produz e, pelo menos três vezes por semana, vai nadar 500 metros. Um dia dedica tempo para o pilates, que está adorando. Duas vezes por semana, faz massagem. E uma vez, acupuntura com uma tailandesa. Nas horas de lazer, já gostou de caçar. Na sala da casa em Vacaria, tem uma foto em que empunha uma espingarda e está rodeado de perdizes e codornas. Faz tempo que não caça mais.
– Parei quando o cachorro ficou mais rápido do que eu – brinca.
Sua diversão atual é o carteado, nunca a dinheiro. Também gosta de futebol: é torcedor do Grêmio, do Juventude, do Palmeiras e do Vasco, mas não vai mais aos jogos desde que levou um dos 11 netos e ficou estarrecido com o tanto de palavrões que a criança ouviu. Tem três filhos homens e duas mulheres, e só uma delas, que é médica, não trabalha no grupo. Mas a casa só fica tumultuada às terças-feiras à noite, dia de reunião da família para o jantar na casa em Caxias do Sul, onde mora. Como em qualquer outra família, é hora de colocar as novidades em dia, educar as crianças e, como ele diz, fazer de conta que não ouve algumas coisas para não ter que brigar. Garante que os netos não gostam muito dele, porque ele é muito rígido. O genro discorda com um silencioso manear da cabeça.
– Quando os netos chegam é uma alegria. Quando vão embora, é um alívio – se diverte.
Ele nega ser brabo. É exigente, e isso em todos os sentidos, seja no trabalho ou na vida pessoal. Dona Nilva bem sabe. Apesar de Raul garantir que ela é mais zangada do que ele, tinham um trato: o castigo certo vinha na hora certa, e um nunca desautorizava o outro, mesmo que discordassem. Até hoje é assim. E ele se apressa a dizer que tem muito orgulho dos filhos e que está muito contente em ver suas 10 empresas bem dirigidas, com a família unida.
Só sente, de vez em quando, que os compromissos da vida social o fazem sair mais do que gostaria, beber e comer mais do que deveria e se cansar mais do que pretenderia. Acredita, no entanto, que é isso que o mantém vivo, que o deixa sentado na sala envidraçada da casa em Vacaria admirando a natureza, pensando na vida e nos inúmeros projetos que ainda pretende realizar. Acredita que talvez não sejam necessários 50 anos mais, 20 já seriam muito bom.