23 de ago. de 2010

COMO IMPEDIR QUE O CLIENTE ENXERGUE APENAS O PREÇO

MARCO BERINI e LUC WATHEU


Para que o cliente não se atenha exclusivamente ao preço, a melhor ferramenta pode ser o próprio preço.

Numa fabricante de bens de consumo que conhecemos bem, ninguém na alta diretoria jamais se referiria aos produtos da empresa como “commodities”. A gerência ali dentro sabe o que a concorrência tem a oferecer, e sabe que sua mercadoria é diferente. É capaz de enumerar características peculiares do produto e explicar seu valor — e sabe dizer quanto gastou em inovação para manter tal vantagem.

O problema é que o consumidor não parece ter sido avisado. Diante do sem-fim de opções a seu dispor nas prateleiras do comércio, age como se um único fator pesasse na decisão de compra: o preço. O consumidor trata os produtos da empresa como commodities.

É um problema difícil de superar e nem de longe restrito a essa empresa. Hoje, muitos mercados (a maioria, talvez) estão maduros o suficiente para exibir uma intensa disputa à base de preços. A constante redução do preço para conquistar clientes às vezes produz ganhos de eficiência, mas o mais comum é que abale o capital da marca e derrube a margem de lucro. Para piorar, as expectativas e o envolvimento do cliente num mercado desses caem: a pessoa se atém ao preço, perde o interesse em mensagens do marketing e dá atenção apenas às inovações mais radicais (veja o quadro “O cliente comoditizado”).






É possível, no entanto, fazer o cliente considerar o valor de seu produto ou serviço em termos de qualidade e relevância pessoal. Para convencê-lo de que tem uma decisão importante a tomar, a empresa pode — paradoxalmente — usar a última coisa que gostaria que fosse decisiva: o preço.




Nossa pesquisa sugere que quatro táticas específicas de formação de preços podem diminuir a relevância do preço numa transação. É possível mudar a base da estrutura de precificação, como fez a Goodyear ao calcular o preço de pneus segundo o total de quilômetros que durariam. É possível despertar a curiosidade cobrando intencionalmente mais, como faz a Burt’s Bees com seus cosméticos naturais. É possível decompor um preço em várias partes para fazer o cliente perceber uma vantagem crucial, como faz a IKEA ao cobrar separadamente pelo tampo e pelas pernas de uma mesa, chamando a atenção do público para a útil modularidade. Ou é possível atribuir o mesmo preço a uma série de opções, levando o cliente a pesar suas preferências — como fez a Swatch ao cobrar US$ 40 por qualquer modelo de relógio. O que essas estratégias têm em comum, descobrimos, é o estreito elo entre o preço e a atenção do cliente — elo que até aqui não fora explorado por estudiosos do marketing e que tem importantes implicações para a empresa.



PRIMEIRA ESTRATÉGIA

Usar estrutura de preços para expor sua vantagem

A primeira maneira de usar a precificação para diminuir a sensibilidade ao preço é chamar a atenção para a vantagem que seu produto ou serviço traz e, se possível, para a dimensão que o diferencia de forma mais relevante da concorrência. Para tanto, é preciso rever a estrutura de precificação — a base usada pela empresa para calcular o preço de tudo o que oferece. Durante muito tempo, o problema da Goodyear era que o cliente não aceitava pagar um prêmio por inovações feitas pela empresa para prolongar a vida do pneu. Sem um valor de referência claro para o produto, o consumidor levava um susto na hora da compra e gravitava para o pneu mais barato. A solução da Goodyear foi definir o preço de cada modelo em função do total de quilômetros que o pneu poderia durar, e não da complexidade da engenharia; isso destacou a vantagem das inovações para o cliente e lhe mostrou uma nova maneira de comparar produtos — maneira perfeitamente alinhada com a proposta de valor da empresa.

Partimos com a ideia de rever a estrutura de preços porque a área costuma ser negligenciada. Quando se preocupa com a precificação, um executivo em geral se concentra em determinar o nível de preço ideal para certo produto. Valendo-se de testes de mercado ou técnicas de pesquisa (de simples sondagens a uma análise pormenorizada de preferências), faz um esforço diligente para descobrir exatamente quanta demanda seria gerada a preços distintos sob condições de apoio distintas (com ou sem verba para publicidade ou ações no ponto de venda, digamos) e de distintos segmentos de clientes. Infelizmente, o cenário maior no qual se inserem essas questões não é analisado.



Entretanto, a vantagem de reestruturar preços de acordo com o benefício oferecido já foi constatada várias vezes. Na arena de explosivos industriais, a Orica escapou da comoditização com um esquema de preços por “rocha detonada” — ou seja, o cliente paga de acordo com a fragmentação do material extraído, não com a quantidade de explosivos utilizada. A General Electric mudou a definição de preços de turbinas de avião para fornecer “energia por hora”. A Embrex (hoje Pfizer Poultry Health) oferecia a avicultores a inoculação “por ovo” — alinhando preços com a vantagem que o criador busca em animais mais saudáveis. Essas empresas entendem que cobrar com base em unidades vendidas pouco faz para diferenciá-las da concorrência. Pior: incentiva a comparação de preços ao estabelecer um denominador comum simples pelo qual o cliente se guia. Já dizer que o preço variará de acordo com o benefício entregue sugere ao cliente que reavalie suas preferências de acordo com esse benefício e envia uma forte mensagem de que a empresa acredita naquilo que oferece.

Às vezes, uma empresa pode revolucionar o setor com sua reestruturação de preços. Foi o que fez a Norwich Union (hoje parte da Aviva), seguradora com sede no Reino Unido que passou a cobrar de modo distinto pelo seguro de carro. Normalmente, o custo anual de uma apólice depende da análise atuarial, pela seguradora, do risco apresentado pelo condutor. A ideia é que o valor cubra custos projetados de sinistros, mais um adicional ditado pelo ambiente competitivo e por metas financeiras definidas pela direção da empresa. A sacada da Norwich Union foi abandonar o prêmio anual e passar a cobrar por quilômetros percorridos. Mais surpreendente ainda, a empresa instalou dispositivos sofisticados de rastreamento no veículo de segurados para poder monitorar o comportamento ao volante — e cobrar mais sob condições de risco elevado. Assim, um segurado que percorria mais quilômetros durante a noite, ou não punha o cinto de segurança nem sinalizava quando ia virar, pagaria mais do que alguém com hábitos de direção mais seguros.

A Norwich Union abandonou o produto quando ficou claro que o dispositivo de monitoramento era invasivo demais para o gosto do cliente no Reino Unido. Mas, de lá para cá, a inovação do “pay-as-you-drive” já foi adotada por outras seguradoras ao redor do mundo (incluindo a americana Progressive). O poder dessa abordagem de precificação está em fazer o cliente parar e pensar. Em vez de escolher maquinalmente com base no preço mais baixo que encontrar, a pessoa é obrigada a considerar a compra à luz de seu comportamento específico — e, no processo, pode entender o argumento a favor do seguro baseado no uso.

Para a empresa, há vários outros efeitos: o primeiro é que o motorista de maior risco, que sempre custa mais segurar, migra para seguradoras concorrentes. O segundo é que, tendo obtido dados para buscar padrões no comportamento ao volante e em sinistros, a empresa pode aprimorar a análise de riscos, aumentando sua vantagem competitiva num aspecto importante. O terceiro é que o seguro “pay-as-you-drive” induz muitos clientes a mudar o comportamento na direção, reduzindo assim a probabi-lidade de acidentes — efeito de evidente benefício para ambos os lados da transação.
O que todos os exemplos acima têm em comum é que uma mudança na formação do preço fez a clientela prestar atenção a uma certa forma de benefício. Para que essa estratégia dê certo, o segredo é diferenciar o preço de acordo com o que mais distingue o produto ou serviço em questão, e não com sua composição em si. Com isso, o produto ou serviço deixará de disputar diretamente com base no preço. O que importará será a relevância, para o cliente, do benefício que proporciona.

Muitos gerentes diriam que uma mudança radical na estrutura de preços é virtualmente impossível em mercados hipercompetitivos, nos quais todo ator usa os mesmos parâmetros para definir preços e todo cliente tem considerável experiência em pagar de uma certa maneira. Embora entendamos essa preocupação, nossa experiência sugere que os benefícios superam em muito os obstáculos no caminho.

SEGUNDA ESTRATÉGIA

Cobrar intencionalmente mais para despertar curiosidade

O leitor já se perguntou por que os computadores da Apple são sempre mais caros e, melhor ainda, como a empresa pode gozar tanto desse prêmio quanto do beneplácito do consumidor mesmo com uma concorrência maior e em momentos econômicos difíceis? Ou, talvez, conheça o caso da SKF, a líder mundial em rolamentos, que continua a cobrar um prêmio de 30% a 40% apesar do crescimento estagnado do setor e da chegada de várias alternativas de baixo custo de concorrentes de países emergentes. Os dois casos demonstram como cobrar moderadamente mais — ou seja, estabelecer um preço mais elevado do que o cliente normalmente pretendia pagar — pode fazer o cliente refletir.



A lógica por trás dessa manobra é a um só tempo intuitiva e contraintuitiva. Imagine que esteja buscando um aparelho de GPS e que haja no mercado vários modelos, de vários fabricantes, todos por aproximadamente US$ 200. Devido ao agrupamento das opções, o leitor se prepara mentalmente para desembolsar essa quantia de US$ 200. Suponhamos, agora, que depare com um modelo numa loja próxima de eletrônicos que custe US$ 300. Qual é sua reação?

Se for como consumidores em estudos recentes que realizamos, o leitor não irá automaticamente descartar o modelo mais caro. Em vez disso, será motivado a examiná-lo com mais atenção: pode ser que recursos adicionais justifiquem o preço — recursos que você não havia considerado, mas que talvez aprecie. Com isso, o fabricante provocou a exata resposta de que precisava para competir num mercado intensamente atento a preços.

Num experimento, pedimos a um grupo de universitários que examinasse dois produtos de supermercado diferenciados: alface orgânica e café com selo “fair trade”. Em testes anteriores, tínhamos descoberto que os alunos se dispunham a pagar, no máximo, 20% a mais por um produto desses. Mas, quando elevamos o preço em 80%, os voluntários lembravam de quase o dobro de informações sobre o produto, o que permitia que citassem mais argumentos a favor de sua compra. O preço maior também provocou uma reação mais fervorosa ao produto (para medi-la, perguntamos aos participantes o quão relevante eram, para sua vida, alimentos orgânicos e o café cultivado no esquema de comércio justo), o que os deixou dispostos a pagar muito mais do que o pretendido inicialmente. Em comparação, quem foi exposto a um ágio próximo a sua expectativa de preço (10%) ou absurdamente elevado (190%) simplesmente agiu de acordo com a inclinação previamente constatada, sem dar muita atenção à escolha.

A implicação é que, para cada decisão de compra, há uma faixa de preço acima daquilo que o potencial cliente se diz disposto a pagar que o levará a se perguntar se precisa ou não daquele benefício — em vez do típico (e nocivo) “Qual a opção mais barata na loja?”. A resposta da maioria dos gestores à disputa a base de preços, no entanto, é derrubar o preço a um ponto no qual decisões importantes sobre funcionalidade ou benefícios adicionais se tornam óbvias, o que provoca a comoditização. Esse era o efeito que a Goodyear e outras fabricantes de pneus enfrentavam: de tanto derrubar os preços, deixaram o consumidor menos sensível a diferenças na segurança e em outros aspectos.

Num mercado maduro, no qual os preços já entraram numa nociva espiral descendente, cobrar mais intencionalmente pode ajudar a reverter a tendência. A Starbucks pegou uma bebida que muitos estabelecimentos serviam quase de graça e cobrou por ela um preço superior a US$ 3. Milhões de xícaras de café depois, está claro que não se pagou esse prêmio porque a base de clientes era rica demais para se importar nem porque a qualidade era muito superior. O que a Starbucks fez, deliberadamente, foi estipular um preço que levou o público a reavaliar a importância da pausa para o café em sua vida.

A Burt’s Bees conseguiu façanha similar ao cobrar entre 80% e 100% a mais do que marcas de cosméticos não naturais, mudando a opinião de um mercado de massa que parecia decidido a pagar o menor valor possível por protetores labiais e xampus. Os preços da Burt’s Bees chocaram o consumidor, mas o levaram a se perguntar o que tornaria os produtos da marca tão especiais. A resposta — que são feitos com ingredientes naturais por uma organização socialmente responsável — começou a importar. O faturamento da empresa subiu quase 30% ao ano e seu valor de mercado quadruplicou de 2003 a 2007.

Entender o efeito do preço intencionalmente mais alto pode ajudar gestores a estipular sem receio o preço de novidades verdadeiramente inovadoras. Peguemos o caso da Kone, a fabricante finlandesa de elevadores. Na década de 1990, o setor sofria com a disputa de preços. Arquitetos e incorporadoras, que em geral prezavam a inovação e recursos adicionais, basicamente já não decidiam que equipamento comprar. A decisão passara a ser tomada por agentes de compras e empreiteiras encarregadas de minimizar custos. Era comum o elevador ser vendido abaixo do custo, pois a indústria agora aceitava a recompensa postergada de contratos de serviço pós-venda.

Nesse contexto altamente comoditizado, a Kone lançou o MonoSpace. Já que a novidade não exigia casa de máquinas separada, os custos de instalação caíam em mais de 20% e o consumo de energia, em até 60%. Na época, o mercado não estava preparado para levar em conta essas e outras vantagens exclusivas — e muito menos para pagar por elas.



Para incentivar a clientela a dar valor à inovação, a Kone começou a responder a solicitações de proposta com duas alternativas: numa, sugeria modelos mais antigos a preços competitivos; na outra, oferecia o MonoSpace por um valor que deve ter soado totalmente descabido para compradores. A estratégia resultou em poucos contratos a princípio, mas deflagrou, sim, um diálogo construtivo entre incorporadoras e seus arquitetos e empreiteiras, que não raro ligavam para a Kone para pedir esclarecimentos, gerando um processo virtuoso de vendas.


TERCEIRA ESTRATÉGIA


Decompor preço para destacar benefícios ignorados

Uma terceira estratégia que faz pensar é decompor o preço — discriminar cada um dos elementos que o formam. Isso destaca dimensões de diferenciação que poderiam passar despercebidas.

Clientes de TV a cabo, por exemplo, em geral compram um pacote de serviços da operadora: o acesso a uma série de canais, o uso do decodificador e do controle remoto e, não raro, canais de filme, banda larga e outros serviços. A operadora tem duas opções de precificação: cobrar um preço com tudo incluído ou apresentar uma conta discriminada. Já que o montante a pagar é o mesmo, faz diferença a abordagem empregada?

Nossa pesquisa mostra que sim. Apresentar um custo como um conjunto de pequenas tarifas compulsórias leva a uma análise mais detida e, portanto, aumenta a probabilidade de que o cliente reavalie um hábito normal de consumo. Esse efeito foi observado num experimento que fizemos. Os voluntários receberam distintas opções de voo de Boston a San Juan. Em todos os casos, tinham de escolher entre um voo de US$ 165 com escala e serviço de bordo mínimo e outro de US$ 215 sem escala e com confortos como sistema de entretenimento e refeição. Testamos quatro versões distintas de apresentação do voo mais caro, para ver o que poderia induzir as pessoas a optar por ele, e não pela opção mais barata. Criamos dois níveis de serviços, na tese de que seis canais de filmes e um almoço completo — em vez do episódio de uma velha série e café ou chá — poderiam levar mais gente a escolher o voo mais caro. Testamos, ainda, a decomposição do preço: certos voluntários viram o custo maior como uma cifra única e outros de forma discriminada (US$ 205 para o voo mais US$ 10 por confortos que não eram opcionais).



Foi constatado que a qualidade desses serviços não fazia nenhuma diferença para quem recebia o preço como uma coisa só. A parcela daqueles que optaram pelo voo mais caro não variou quando o nível de qualidade subiu. Já para quem recebeu o preço decomposto, a qualidade pesou: o pacote mais completo levou mais gente a optar pelo voo mais caro.

Quatro experimentos semelhantes reforçaram nossa constatação: ao decidir, a pessoa dificilmente levará um benefício em conta se não houver uma cobrança explícita por ele. Embora de fácil aplicação, tal conclusão é alvo de muita resistência — às vezes por boas razões. O cliente pode ficar irritado com a decomposição do preço, sobretudo se achar que a empresa não está sendo transparente sobre o custo total. É uma reação comum a companhias aéreas de baixo custo que discriminam o valor de serviços compulsórios como check-in e despacho de bagagem. O pior de tudo é que, às vezes, tal custo só é revelado à medida que o cliente avança no processo de compra, tornando o preço menos transparente para efeitos de comparação. Esse tipo de decomposição produz clientes ressentidos, gente que simplesmente não teve energia para repetir todo o processo com um concorrente. E também sai pela culatra porque destaca coisas indiferenciadas (não há como evitar o check-in) em vez de vantagens competitivas. A decomposição dá certo somente quando abre os olhos do cliente para um benefício real que, sem isso, teria ignorado.


QUARTA ESTRATÉGIA

Uniformizar preços para cristalizar relevância pessoal

Uma estratégia final para virar a sensibilidade ao preço a seu favor serve para quando o cliente é instado a escolher entre várias opções, cada uma voltada a um gosto distinto. Nossa pesquisa sugere que, nesses casos, todas as alternativas deveriam ter o mesmo preço, pois assim o cliente será levado a descobrir que opção melhor contempla suas necessidades. Vai se esforçar para apreciar plenamente o leque de opções que a empresa oferece, não para achar maneiras de abrir mão de recursos por um preço menor.

É uma abordagem atípica à definição do preço de algo customizável. Em geral, estabelece-se um preço distinto para cada alternativa oferecida. Uma fabricante de bebidas, por exemplo, cobraria mais por vitaminas contendo frutas exóticas do que pelo suco de maçã e pera. O mesmo princípio vale para o leite, cujo preço normalmente varia de acordo com o teor de gordura. Faz sentido para empresas que acreditam na precificação “cost-plus” (custo mais margem), pois cada produto tem um custo de produção distinto: se a meta for manter uma margem constante de lucro em itens vendidos, a empresa deve cobrar preços distintos.

O problema é que, na maioria dos mercados maduros, o cliente não responde a variações marginais no benefício oferecido. Não está mais interessado em entender como cada variante do produto pode atendê-lo, e parte automaticamente para a minimização do preço. Aliás, uma lista de opções a preços distintos não faz com que examine os méritos relativos de cada opção, mas ativa sua predisposição a pagar menos.

Vejamos o caso de uma loja de música online tentando decidir se vende toda faixa a um preço único ou varia o preço segundo a popularidade ou o gênero musical. Num experimento que fizemos, metade dos voluntários foi informada de que o site iria cobrar US$ 1,29 por hits do momento, US$ 1,19 por músicas de trilha sonora, US 1,09 por música clássica, US$ 0,99 por música country, latina e jazz e US$ 0,89 pelo resto. À outra metade, dissemos que toda faixa custaria US$ 1,29 (observe que, na opção de preço único, o valor era o mais alto do esquema com vários preços).

Fomos levados a conduzir esse experimento pela decisão aparentemente irracional da Apple de cobrar US$ 0,99 por qualquer faixa disponível no iTunes. Muitos analistas na mídia, além de grandes gravadoras como Universal, Sony e EMI, criticaram Steve Jobs por desperdiçar a oportunidade de cobrar o máximo permitido pelo mercado (“market skimming”) e abocanhar mais excedente com a discriminação de preços. A seu ver, Jobs estava ignorando o princípio básico de que produtos com alta demanda — ou voltados ao consumidor menos sensível ao preço — podem ter um preço maior, enquanto produtos com menor demanda devem ter preço mais baixo.

Tendo em vista o ocorrido na Apple, os resultados do experimento não nos surpreenderam. Mas o tamanho do efeito, sim. Quem tinha a possibilidade de comprar música a um preço uniforme de US$ 1,29 era 31% mais inclinado a comprar e planejava comprar, em média, 1,08 mais faixas por mês. Isso equivaleria a um gasto de US$ 49,10 ao ano com música em vez de US$ 25,95 — receita cerca de 89% maior. A nosso ver, o preço uniforme levou os voluntários a refletir sobre o desejo de consumir música de modo geral, em vez de reforçar sua fixação em economizar o máximo possível. Como explicou Steve Jobs, cobrar um preço uniforme não só era justo, como também fazia o público pensar sobre o benefício da imensa seleção do iTunes.

Por mais revolucionário que seja, Steve Jobs não inventou a tática. Quando Nicholas Hayek lançou o Swatch em mercados internacionais, na década de 1980, todo modelo tinha o mesmo preço. A meta de Hayek era escapar da concorrência à base de preços imposta pelos asiáticos, cuja tecnologia a quartzo custava pouco e garantia precisão comparável à do relógio mecânico suíço. Os relógios de plástico que criou não podiam ser vendidos por menos do que esses rivais — mas, com uma grande variedade de modelos novos e vibrantes, davam ao usuário uma forma nova e bacana de autoexpressão. Por que seu preço era provocativo? Imagine uma consumidora de olho no preço chegando a uma vitrine de relógios. Ao topar com um sortimento de Swatches, todos por US$ 40, a fixação no preço dá lugar à pergunta “Qual desses é o certo para mim?”.

A maioria dos manuaisde marketing sustenta que o preço faz duas coisas. Primeiro, define os termos da troca: exatamente quanto dinheiro o cliente tem de desembolsar para obter o produto ou o serviço oferecido. Segundo, costuma indicar a qualidade — sobretudo quando é difícil determiná-la por conta própria. A pesquisa descrita nesse artigo revela um terceiro aspecto: o preço cobrado pode definir o valor do produto ou serviço ao levar o cliente a entender melhor o que está sendo oferecido.

Certas empresas preferem manter o cliente de olho no preço por terem uma vantagem básica de custo a alavancar. A maioria, no entanto, sairia ganhando ao fazer o consumidor pensar mais sobre o valor, o benefício. Essas empresas precisam que o cliente aprecie a inovação que introduzem, mas, com o mercado amadurecendo, tal inovação já não recebe a atenção que merece.

O segredo é combater o desinteresse do cliente com a variável de marketing que ainda penetra sua consciência: o preço. Nenhuma das manobras que descrevemos se assemelha à prática convencional, que é seguir conquistando negócios com descontos direcionados em preços. Tampouco significa elevar aleatoriamente o preço na tentativa de sinalizar uma qualidade superior. O que pregamos é uma precificação que leve o cliente a refletir. Quando o cliente é instado a se perguntar “Pelo que estou realmente pagando?” e “Que aspectos desse produto ou serviço realmente necessito?”, a conversa entre comprador e vendedor é retomada. O cliente está de olho no preço — e a melhor estratégia é virar isso a seu favor.

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Marco Bertini (mbertini@london.edu) é professor assistente de marketing da London Business School. Luc Wathieu (wathieu@msb.edu) é titular da cátedra Ferrero Chair in International Marketing na European School of Management and Technology em Berlim, Alemanha. Integra, também, o corpo docente da McDonough School of Business (Georgetown University), nos EUA.