29 de ago. de 2010

DEVO RECLAMAR SE MEU CHEFE PRIVILEGIA ALGUÉM?

Marco Túlio Zanini

QUESTÃO: Trabalho há quatro anos em uma multinacional de origem alemã. Na minha equipe existe uma moça jovem e muito bonita. Embora ela seja inteligente e competente, acho que está sendo supervalorizada pelo meu chefe, que está claramente interessado nela. Na verdade, já existem boatos na empresa de que os dois estão saindo juntos, ainda que meu chefe seja casado e muito mais velho que ela. Embora isso não seja da minha conta, acho que a relação entre eles pode atrapalhar a minha carreira. Isso porque existe uma vaga aberta para uma posição de gerência e o meu chefe vai fazer as avaliações de desempenho e escolher quem da equipe preencherá a vaga. Como devo lidar com essa situação?

RESPOSTA: Seu relato não caracteriza um caso de assédio moral no ambiente de trabalho e, aparentemente, não configura um problema da empresa. Mas há a possibilidade deste caso vir a importar a empresa. No que se refere ao suposto caso amoroso entre o seu chefe com a moça em questão, a princípio, não é um problema que compete à organização resolver. Ambos são adultos e, portanto, podem agir conforme sua consciência e responderem por seus atos em suas vidas privadas.

O que pode se tornar um problema para a empresa é o fato deste suposto relacionamento amoroso passar a interferir na avaliação dos subordinados, por trazer privilégios para uma pessoa especificamente por questões pessoais. Isso afeta a percepção de justiça e meritocracia, que são condições necessárias para a manutenção das expectativas positivas e a motivação geral de uma equipe.

É importante compreender que o exercício eficiente da autoridade dentro das hierarquias é legitimado pelo acolhimento do comportamento moral de quem ocupa um cargo. O enfraquecimento desta condição implica na ausência de credibilidade para o exercício do cargo. Isso, por sua vez, impacta diretamente nas relações de confiança entre chefes e subordinados, que ao final implica em mais conflitos e maiores custos de transação.

Além disso, há um aspecto cultural importante a ser observado. No Brasil, a vida pessoal se mistura facilmente com a vida profissional. Tal característica favorece casos como o que você descreve. Diferentemente do que tende a ocorrer em países que combinam cultura individualista e igualdade social, onde o domínio das relações pessoais está bem definido e separado do domínio das relações profissionais, países que combinam cultura coletivista e alta desigualdade, como o caso do Brasil, tendem a aproximar estes domínios. Isso acaba promovendo ambiguidades entre vida profissional e pessoal. Nesse sentido, um caso amoroso como este tende a ter menos impacto na vida das pessoas, no ambiente de trabalho e a ser percebido pelos demais como um assunto pouco importante.

No seu caso, penso que a melhor atitude é buscar agir de forma profissional, sem críticas diretas à relação do seu chefe com a moça. Caso esta situação realmente comece a interferir na avaliação de desempenho das pessoas de sua equipe, e venha a trazer prejuízos para as pessoas, resta-nos saber se a empresa possui canais confiáveis para o tratamento da conduta ética. Nesse caso, o órgão competente teria responsabilidade de pesar a situação e tomar uma decisão.

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Marco Túlio Zanini é professor de gestão de ativos intangíveis e estratégia de pessoas