24 de mar. de 2008

SUA VIDA E SUA EMPRESA TÊM MUITO A VER COM A TEORIA DOS JOGOS

ABRAHAM SHAPIRO

A Teoria dos Jogos provê um conjunto de ferramentas matemáticas para a análise de problemas de decisão que uma pessoa enfrenta, quando seu destino depende tanto de sua própria escolha quanto da escolha de outros.

Dois estudiosos da Teoria dos Jogos – Merrill Flood e Melvin Dresher – propuseram, em 1950, o Dilema do Prisioneiro, que passarei a expor para seu conhecimento, o que tem por objetivo ajudar o leitor a compreender as variáveis envolvidas na concorrência de preços entre empresas.

Imagine a seguinte cena:

Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando-os, propõe a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, aquele que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro irá tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir?

O fato é que pode haver dois vencedores no jogo, sendo esta última solução a melhor para ambos, quando analisada em conjunto. Entretanto, os jogadores confrontam-se com alguns problemas: confiam no cúmplice e permanecem negando o crime, mesmo correndo o risco de serem colocados numa situação ainda pior, ou confessam e esperam ser libertados, apesar de que, se o outro fizer o mesmo, ambos ficarão numa situação pior do que se permanecessem calados?

Um experimento baseado no simples dilema encontrou que cerca de 40% dos participantes cooperaram, isto é, ficaram em silêncio.

Em última instância, não importa os valores das penas, mas o cálculo das vantagens de uma decisão cujas conseqüências estão atreladas às decisões de outros agentes, onde confiança e traição fazem parte da estratégia em jogo. O modo de pensar adotado aqui é o seguinte: “Se eu pensar sobre como você pensa sobre minha forma de pensar, eu não devo cooperar. Eu pressuponho que o outro vai me julgar não cooperativo e antecipo a minha deserção, pois se o outro pensar assim, certamente vai desertar também”.

A concorrência de preços

Passemos agora para uma situação prática através da qual chegaremos mais próximos de nosso objetivo concernente a concorrência empresarial.

Uma pequena cidade do interior tem dois postos de combustíveis: o Posto A e o Posto B. O preço pelo qual ambos oferecem gasolina é R$ 2,00 o litro. A qualidade é a mesma, já que os dois compram da mesma distribuidora ao preço do litro a R$ 1,50. Suponha que consumidores busquem preço baixo. Sabendo disso, o Posto A resolve baixar o preço para R$ 1,99. O que acontece? Ele conquista 100% do mercado varejista de combustíveis local. Qual a reação é esperada do Posto B? É óbvio, baixar para R$ 1,98. A guerra – saboreada pelos consumidores – chega ao ponto de ambos os postos atingirem um preço próximo de R$ 1,50. Neste patamar de preço, o lucro é igual a zero.

Uma outra situação curiosa e que tem a ver com a Teoria dos Jogos é o famoso Leilão da Nota de Um Dólar – conhecido por muitos participantes de treinamentos de negociação que são dados por aí. Este leilão é jogado entre participantes que não têm como se comunicar . Uma nota de um dólar está sendo leiloada. Quem der o maior lance leva a nota. A regra exige que o segundo colocado tem que pagar o lance que tiver feito, porém, nada leva em troca.

Imagine como seria. Se o vencedor ganhar com um lance de US$ 0,20, ele tem um lucro de US$ 0,80. O segundo colocado, que deu um lance de US$ 0,19, somente paga os US$ 0,19. Neste caso, a banca recebe US$ 0,39 e paga US$ 1,00. Assim, o jogo terminaria. Mas não é isso o que acontece. Normalmente, iniciado o jogo, o primeiro participante tem a perspectiva de alto lucro – coisa que desperta a cobiça do outro participante. Rompida a barreira de US$ 0,50, a banca começa a lucrar e, a partir de US$ 1,00, o jogo fica totalmente irracional.

Martin Shubik, matemático de Yale e estudioso de Teoria dos Jogos, concebeu este jogo em 1971. Ele descobriu que, em média, a nota era arrematada por US$3,40.

Pode-se olhar com desprezo ou até com dúvida os estudos advindos da Teoria dos Jogos. Mas eles têm aplicações múltiplas e curiosas. O Leilão da Nota de Um Dólar, por exemplo, é um jogo com aplicações práticas interessantes. As emissoras de televisão, por exemplo, o utilizam para determinar o tamanho dos trechos de filmes entrecortados por anúncios publicitários. O primeiro trecho do filme exibido é geralmente longo. Assim, as emissoras induzem o telespectador a “entrar no leilão”. Uma vez dentro, os trechos de filme ficam cada vez menores e os intervalos para propaganda maiores. O truque está em saber que, neste momento, o telespectador tem grande relutância em desistir, porque ele já passou do ponto que corresponde ao “limite de US$1,00” no leilão.

O mesmo raciocínio aparece nos relacionamentos humanos. Pessoas se mantêm anos a fio em empregos ruins ou em casamentos falidos em função somente de um modelo mental baseado em “Eu investi muito para desistir agora”.

Outro fato curioso aconteceu na ocasião da construção do Concorde. Inglaterra e França souberam, em determinado ponto do projeto, que o complexo era economicamente inviável. Contudo, mesmo assim decidiram levá-lo a cabo justamente por já terem investido demais.

Numa análise mais profunda, o Leilão da Nota de Um Dólar trata das atitudes humanas de “cooperação” e “deserção”. O resultado final tende a ser tão catastrófico quanto o que acontece no Dilema do Prisioneiro.

Ocorre que, do modo como foram concebidos, tanto o Dilema do Prisioneiro quanto o Leilão da Nota de Um Dólar são jogos únicos, de uma só rodada. Se os jogadores jogarem seqüências de várias partidas, a deserção tende a diminuir, até desaparecer. O Leilão de Nota de Um Dólar jogado várias vezes convergiria para um acordo de divisão dos lucros entre os jogadores. O primeiro daria um lance de US$ 0,01 que não seria superado pelo segundo e, desta forma, os US$ 0,99 de lucro seriam divididos entre os dois. O mesmo deveria acontecer entre comerciantes inteligentes – ao invés de praticarem guerra de preços, como no exemplo dos postos de gasolina. Infelizmente no caso do comércio não é bem isso o que acontece com exceção das situações que envolvem a formação de cartel.

“Cooperar demais” ou “fugir sempre” pode não ser tão bom

A cooperação em jogos com muitas rodadas é um ótimo negócio. Existe uma forte tendência das pessoas construírem sua reputação cooperativa e, com isto, obterem vantagens reais com isto – vantagens financeiras ou não.

Ser cooperativo é talvez o mais nobre dos comportamentos humanos. A maior parte das pessoas tende a reforçar esta característica. Como isso funciona? Quanto maior a possibilidade de reconhecimento, maior são as chances da pessoa tomar uma atitude não cooperativa.

Mesmo considerando que jamais será identificada, a maior parte das pessoas tende a não “fugir da raia” ou a não ser desertora. É natural que o ser humano deseje ser cooperativo. Os dois opostos negativos desta dinâmica são: “deserte sempre” e “coopere sempre”. Mas, não estranhe. “Cooperar sempre” é perigoso. O cooperador incondicional está altamente vulnerável a oportunistas. Além disso, seu desempenho tende a ser pífio por falta de algum nível de competitividade.

Observando o comportamento de animais sociais, como chimpanzés, golfinhos e morcegos hematófagos, percebeu-se que a estratégia mais comum era a mesma praticada pelos humanos, a Lei do Talião, o “olho por olho, dente por dente”, reagindo cooperativamente a uma cooperação e punindo a deserção com outra deserção.

Entretanto, um jogador ao estilo “olho por olho" perde para um jogador tipo “deserte sempre”. Qual a solução deste impasse? Talvez seja tirar do jogo o desertor teimoso. ______________________

Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473