13 de mar. de 2009

PRIMEIRO, O QUE VEM PRIMEIRO

ABRAHAM SHAPIRO

Certa vez, um grande sábio que vivia modestamente, recebeu em sua casa a visita de uma das pessoas mais ricas do país que se encontrava de passagem por esta cidade. O sábio era um grande erudito. Sua sabedoria tinha tanta fama que o milionário não quis perder a oportunidade de conhecê-lo. Ao chegar à humilde casa, foi incontida a sua surpresa em se deparar com uma habitação pequena e com poucos móveis.

Começou a conversar com o sábio e deleitar-se com sua vasta sabedoria. Passado um tempo, resolveu perguntar: “Mestre, você é um dos grandes eruditos desta época e eu me orgulho muito por estar em sua presença. Mas há algo que não posso deixar de indagar: por quê você vive de forma tão precária? Devia mudar-se para uma casa maior, mais bonita e de acordo ao que o senhor merece.”

O sábio preferiu evitar a resposta naquele momento. Prometeu responder-lhe em um próximo encontro que aconteceria no hotel onde o eminente visitante se hospedava.

No dia seguinte, o mestre se apresenta no hotel e o rico o convida a dirigir-se a seu quarto. Era um aposento como qualquer outro de uma estalagem de cidade pequena. Um quarto simples, com uma cama, um armário e uma cadeira.

O sábio franziu a testa e, assombrado, pergunta ao milionário: “Diga-me, bom homem, como uma pessoa como você pode viver em um lugar tão precário como este? Você se queixa de mim, porém, eu, além de cama e armário, tenho mesa e cadeiras...” A resposta do rico foi imediata: “Mestre. Muito me estranha sua pergunta. Você bem sabe que estou apenas de passagem por este lugar. Não me incomodo em ocupar um aposento assim por uma curta estadia”.

O mestre sorriu e respondeu: “Eu sabia que uma pessoa inteligente como você estaria, certamente, de acordo comigo. Eu penso exatamente como você. É por este motivo que vivo onde vivo. Eu também estou de passagem por este mundo que é só um corredor para o verdadeiro mundo e para a verdadeira vida. É só por isso que não quero gastar todas as minhas forças e meu dinheiro em um lugar onde estou apenas por um curto tempo” .

Passados alguns anos, o sábio estava em visita à cidade onde vivia o milionário. Este o havia convidado a conhecer sua casa. Ao entrar no magnífico palácio, o mestre se deteve a observar as grandes obras de arte e os maravilhosos e caros detalhes decorativos. De repente, voltou-se para o seu anfitrião e mirou-o fixamente. Demorou-se olhando-o, agora, como se nada existisse a seu redor.

O rico observou aquela atitude e disse: “O que se passa, mestre. Há algo de que você não tenha gostado? Acaso você não me ensinou que não é importante tudo isto e que estamos apenas de passagem pela vida?”

O sábio respondeu: “Sigo opinando o mesmo. Não mudei meu ponto de vista. Só que, ao entrar em sua mansão, foram tantas coisas bonitas para observar que deixei de prestar atenção em você e ao que você é. Dediquei toda minha visão ao que você tem. Quando me dei conta, percebi que deve ser muito triste convidar alguém, e esta pessoa, ao invés de dedicar-se a você, dedicar-se ao que você possui. Foi por isso que interrompi essa tola postura e me voltei a você como se nada mais existisse. Devo dizer-lhe que, quando as pessoas vêm visitar-me em minha humilde casa, não tenho qualquer dúvida de que o fazem por que é a mim que valorizam e desejam ver e ouvir. Em minha casa não há o que ser visto e apreciado. Já aqui, quando vêm visitar-lhe em seu palácio, é a você que realmente visitam? É a você que desejam ver? Não serão às suas posses?”


Não existe ascensão real na vida se for apenas social. Mesmo que o esforço para isso seja máximo, não haverá contentamento que o compense. Ninguém se sente realizado em gastar a vida somente em acumular riquezas ou conquistar títulos. O enriquecimento intelectual, o crescimento espiritual é o que, de fato, conta.

É preciso trabalhar. É bom ganhar a vida, pois, tem relação direta com nossa autovalorização, com a dignidade e com o respeito pessoais. Todavia, isso pode e deve ser feito do modo correto, com uma razão e sentido. É assim que se consegue transformar o mundo material em um ambiente mais elevado.

Hoje em dia, “clima organizacional” é moda. As receitas para se ter harmonia no trabalho ensinam de tudo. Só esquecem de indicar que não podemos permitir que a ansiedade domine a tal ponto que monopolizemos a atenção sobre o que é exclusivamente material e deixemos de atender o propósito na vida.

Ganhar muito dinheiro não é a nossa razão de existência. Não é o propósito da vida.

Um bebê se alimenta primeiro com leite, depois com purê e, passado mais tempo, com carne. A alma, porém, não se alimenta de caviar, roupas novas ou com uma promoção ao cargo de presidente da empresa.

Se um bebê não for alimentado, ele não crescerá, ficará enfermo e pode morrer. (Que bom seria se isso fosse apenas uma ilustração. Mas, enquanto você lê este texto, há crianças morrendo por falta de comida em muitos lugares).

Analogamente, se não alimentarmos a alma, ela não crescerá, não irá se desenvolver. Ela adoece e morre, pois, as atitudes, por si só, são vazias e desprovidas de razão e propósito.

Há quem, talvez, pense que a alma se alimente de rituais e exterioridades religiosas como ir a um culto, ler a Bíblia etc. Mesmo estas atividades podem ser praticadas de modo viciado e vazio, desprovido de conteúdo. Por mais corretas que sejam como forma de comportamento, podem, inclusive, causar a sensação de desconforto típica de quando a alma está faminta. E o motivo é um só: falta de sentido. Tudo carece de um propósito sem o qual a simples ação é banal e vazia, mesmo que meritória.
______________________

Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Tem resultados na interação entre as áreas de vendas e marketing. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473