Clayton M. Christensen, Richard Alton, Curtis Rising e Andrew Waldeck
Quando o presidente de uma empresa quer turbinar o desempenho ou energizar o crescimento a longo prazo, a ideia de adquirir outra empresa pode ser extremamente sedutora. Com efeito, todo ano empresas gastam mais de US$ 2 trilhões em aquisições. Mas estudo após estudo revela que entre 70% e 90% dessas fusões e aquisições dão errado. Muitos estudiosos já tentaram explicar essa aterradora estatística, em geral pela análise de atributos das uniões que deram certo e daquelas que naufragaram. O que falta, a nosso ver, é uma teoria robusta que determine as causas desses sucessos e fracassos.
O que faremos, aqui, é propor uma teoria. Ei-la, resumida: muitas aquisições não cumprem a expectativa porque o alvo da aquisição não é condizente com o objetivo estratégico do acordo — porque não é feita a devida distinção entre acordos que poderiam melhorar as operações atuais da empresa e acordos que transformariam radicalmente suas perspectivas de crescimento. Por causa disso, a empresa volta e meia paga o preço errado e integra a adquirida do jeito errado.
Para enunciar essa teoria de modo menos formal, a aquisição de outra empresa se dá por dois motivos, que executivos costumam confundir. O primeiro, e mais comum, é turbinar o desempenho atual da compradora — ajudá-la a manter uma posição premium, por um lado, ou cortar custos, por outro. Uma aquisição que garanta esses benefícios quase nunca muda a trajetória da empresa, em grande parte porque o investidor prevê e, portanto, desconta o empurrão no desempenho. Num acordo dessa natureza, é comum o presidente ter noções nada realistas sobre o impulso a esperar, pagar demais pela adquirida e não saber como integrá-la.
A segunda (e menos comum) razão para uma empresa comprar outra é o desejo de reinventar seu próprio modelo de negócios e, com isso, mudar radicalmente de direção. Quase ninguém sabe como identificar os melhores alvos para atingir esse objetivo, quanto pagar por eles e como (ou se) integrá-los. São, no entanto, as transações com maior chance de pegar o investidor de surpresa e de dar um retorno espetacular.
Neste artigo, vamos explorar as implicações de nossa teoria a fim de melhor orientar executivos na seleção, no cálculo do preço e na integração de aquisições — o que elevaria drasticamente sua taxa de sucesso. O primeiro passo é entender, num nível bastante básico, o que significa para uma empresa comprar outra.
O que estamos comprando?
O sucesso ou fracasso de uma aquisição reside nos detalhes da integração. Para prever o resultado da integração, é preciso saber descrever exatamente o que se está comprando.
Para tanto, descobrimos, a melhor solução é pensar no alvo em termos de seu modelo de negócios. Pela nossa definição, um modelo de negócios consiste de quatro elementos interdependentes para geração e entrega de valor. O primeiro é a proposta de valor ao cliente: algo que ajude o cliente a executar um trabalho importante de forma mais eficaz, conveniente ou econômica do que as alternativas. O segundo elemento é a fórmula do lucro, composta de um modelo de receita e de uma estrutura de custos que indiquem como a empresa gera lucro e quanto de dinheiro precisa para sustentar as operações. O terceiro são recursos — pessoal, clientes, tecnologia, produtos, instalações, caixa — usados pela empresa para honrar a proposta de valor ao cliente. O quarto elemento são processos como produção, P&D, planejamento orçamentário e vendas.
Nas circunstâncias certas, um desses elementos — recursos — pode ser extraído da empresa adquirida e enxertado no modelo de negócios da compradora. Isso porque recursos têm existência independente (ainda que a empresa desapareça amanhã, seus recursos seguiriam existindo). Esse tipo de aquisição é o que chamamos de “alavancar meu modelo de negócios” (LBM, do inglês “leverage my business model”).
Já outros elementos do modelo de negócios de uma adquirida não podem, em geral, ser enxertados no modelo da compradora — e vice-versa. Fórmula de lucro e processos não existem de forma dissociada da organização, e raramente sobrevivem a sua dissolução. Mas uma empresa pode comprar o modelo de negócios de outra, executá-lo separadamente e usá-lo como plataforma para um crescimento transformador. Chamamos esse tipo de aquisição de “reinventar meu modelo de negócio” (RBM, do inglês “reinvent my business model”). Como veremos, há muito mais potencial de crescimento na compra do modelo de negócios de outra empresa do que na aquisição de seus recursos.
É comum a empresa achar que a aquisição de recursos de outra empresa dará retornos extraordinários — e, por causa disso, pagar muito mais do que devia. Ou, então, desistir de acordos potencialmente transformadores na crença equivocada de que o preço da adquirida é alto demais, ou destruir o valor de um modelo de negócios de alto crescimento ao tentar integrá-lo ao seu. Para entender por que esses erros são tão comuns e saber como evitá-los, vejamos, em detalhe, como uma aquisição pode atingir as duas metas citadas anteriormente:
• melhorar o desempenho atual
• reinventar um modelo de negócios.
Melhorar o desempenho atual
A primeira função de um gerente-geral é garantir a operação eficaz da empresa e, com isso, entregar os resultados de curto prazo que o investidor espera. O investidor raramente premia o gestor por esses resultados, mas pune impiedosamente a cotação das ações se a gestão não produzi-los. Logo, a empresa recorre a aquisições do tipo LBM para melhorar o resultado de sua fórmula do lucro.
Uma aquisição LBM de sucesso permite à compradora cobrar preços mais elevados ou reduzir custos. Soa bastante simples, mas as condições nas quais os recursos de uma adquirida podem ajudar uma empresa a atingir uma ou outra meta são muito específicas.
Adquirir recursos para cobrar preço premium. A saída mais garantida para poder cobrar mais é melhorar um produto ou serviço ainda em desenvolvimento — em outras palavras, um produto cujos clientes estejam dispostos a pagar por uma funcionalidade melhor. Isso normalmente ocorre com a compra de componentes avançados que sejam compatíveis com os próprios produtos da empresa. Se não for possível comprar esses componentes, adquirir a tecnologia e o talento necessários — em geral sob a forma de propriedade intelectual e cientistas e engenheiros por trás de sua criação — pode ser uma via mais rápida para melhorar um produto do que o desenvolvimento interno.
A compra da fabricante de processadores P.A. Semi pela Apple em 2008, por US$ 278 milhões, é um exemplo desse tipo de aquisição. A Apple sempre comprou microprocessadores de fornecedores independentes. Mas, à medida que a disputa com outras fabricantes de aparelhos móveis aumentou a importância competitiva da duração da bateria, ficou difícil otimizar o consumo de energia sem que os processadores fossem projetados especificamente para os produtos Apple. Isso significava que, para poder seguir cobrando mais, a Apple teria de adquirir a tecnologia e o talento para desenvolver recursos internos de design de microprocessadores — tacada que fazia todo o sentido.
A Cisco tem se valido de aquisições por motivos semelhantes. Já que a arquitetura exclusiva de seus produtos continua a ampliar as fronteiras do desempenho, a empresa adquiriu pequenas empresas de alta tecnologia e enxertou suas tecnologias e engenheiros em seu processo de desenvolvimento de produtos (veja o quadro “Uma aquisição pode ajudá-lo a cobrar um preço premium?”).
Adquirir recursos para derrubar custos. Ao anunciar uma aquisição, executivos quase sempre prometem que o acordo reduzirá custos. Na verdade, a aquisição de recursos só produz esse resultado num punhado de cenários — em geral, quando a empresa adquirente tem custos fixos elevados, o que lhe permite ganhar escala de forma rentável.
Seja como forem chamados esses acordos — “roll ups”, “consolidação de setores decadentes”, “transações de recursos naturais” —, seu sucesso se dá sempre da mesma maneira: a compradora enxerta certos recursos da adquirida em seu modelo atual, descartando o restante do modelo da adquirida e fechando, demitindo ou vendendo recursos redundantes. O impulso no desempenho vem da utilização dos recursos da adquirida de modo tal que economias de escala possam derrubar custos.
Eis um exemplo simples: muitas casas no nordeste dos Estados Unidos usam óleo no inverno para calefação. Empresas que fornecem o óleo em geral fazem entregas mensais. Se uma varejista dessas adquire uma rival que atua na mesma região, a compradora está, basicamente, comprando clientes da concorrente — e pode eliminar o custo fixo redundante de dois caminhões atendendo clientes vizinhos. Aqui, o principal recurso adquirido não é a frota de caminhões nem os motoristas, pois a empresa não precisa de nada disso para atender os novos clientes; é a clientela em si, que pode ser enxertada nos recursos, nos processos e na fórmula do lucro da compradora. É por isso que o negócio vai reduzir os custos da adquirente.
Já se a fornecedora de óleo de calefação comprar uma empresa similar em outra cidade, a aquisição reproduziria a posição de custos da compradora numa nova área geográfica, sem reduzi-la em nenhuma delas. Pode haver certa eficiência em custos fixos (“overhead”), mas a queda nos custos seria bem menor do que no exemplo anterior, pois a fornecedora de óleo precisaria dos caminhões da rival adquirida para atender os novos clientes.
Assim como na compra de uma fornecedora de óleo da mesma região, a aquisição de recursos que aumentam a escala é o que ocorre quando um laboratório farmacêutico adquire outro para poder vender produtos da adquirida pelos mesmos canais de venda (de alto custo fixo), ou quando a Arcelor-Mittal adquire siderúrgicas rivais, transfere a produção para aproveitar o excesso de capacidade em suas usinas mais eficientes e, depois, fecha instalações redundantes. A compra da Kerr-McGee pela empresa de petróleo e gás natural Anadarko em 2006 seguiu o mesmo padrão. A Kerr-McGee era atraente porque seus campos de exploração eram adjacentes aos da Anadarko. A empresa resultante da união pode operar esses campos com a mesma rede de dutos, embarcações de apoio e outros ativos operacionais fixos. Se os campos da Kerr-McGee estivessem no Atlântico Norte e os da Anadarko no Golfo do México, a Anadarko teria sido obrigada a manter redes independentes de custo fixo para tocar ambas as operações. Isso teria resultado apenas em eficiências em overhead e, possivelmente, em maior complexidade gerencial.
Para saber se uma potencial aquisição de recursos vai ajudar sua empresa a derrubar custos, é preciso determinar se os recursos da candidata são compatíveis com seus recursos e seus processos (veja o quadro “Uma aquisição pode ajudar empresa a reduzir custos?”) e, em seguida, determinar se o aumento na escala terá de fato o efeito desejado.
Para empresas em setores nos quais custos fixos representam uma grande parcela dos custos totais, aumentar a escala por meio de aquisições produz uma redução considerável de custos — da mesma maneira que a fornecedora de óleo conseguiu derrubar os seus ao comprar uma concorrente local. Já em setores nos quais é possível ter custos competitivos com níveis relativamente baixos de participação de mercado, uma empresa que cresça além desse nível não reduz — mas sim reproduz — sua posição de custos, como no caso da empresa de óleo de calefação que adquiriu clientes em outra cidade (veja o quadro “Em que cenário a escala maior derruba custos?”). Na indústria de tecidos de poliéster, por exemplo, quando uma empresa cresce o suficiente para utilizar plenamente um tear a jato de ar de última geração, qualquer aumento no volume requer a compra de outro tear. Para empresas cuja estrutura de custos é dominada por custos variáveis, a aquisição de recursos em geral só produz melhorias mínimas na fórmula do lucro.
Na mesma veia, os benefícios da escala são mais substanciais em categorias operacionais com elevada parcela de custos fixos, como manufatura, distribuição e vendas. Aquisições justificadas por economias de escala em custos administrativos como compras, recursos humanos ou serviços jurídicos volta e meia têm efeitos decepcionantes na fórmula do lucro. Quando o New York Times comprou o jornal Boston Globe, por exemplo, havia poucas sinergias operacionais (não havia como juntar as redações e a impressão). A sobreposição administrativa em áreas como RH e finanças não foi suficiente para tornar bom o negócio.
De modo geral, o impacto de uma aquisição LBM na cotação das ações da adquirente se fará notar no prazo de um ano, pois o mercado entende o pleno potencial de ambas as empresas antes da aquisição e teve tempo suficiente para avaliar o resultado da integração e quaisquer sinergias que venham a surgir. Em geral, o investidor é muito menos otimista do que dirigentes empresariais quanto a um acordo de LBM, e a história normalmente mostra que está certo: o melhor resultado é a ascensão da cotação em bolsa a um novo patamar. Certos gestores têm esperança de que uma aquisição LBM possa promover um crescimento inesperado, mas, como veremos, é muito provável que se decepcionem.
A tentação do “one-stop shopping”.Um alerta se faz necessário para empresas interessadas em melhorar o desempenho atual com acordos LBM voltados à aquisição de novos clientes: todos os exemplos de sucesso que identificamos envolvem a venda, aos clientes “adquiridos”, de produtos que estes já vinham comprando. Aquisições feitas com o propósito de venda cruzada de produtos só dão certo ocasionalmente.
Por quê? Digamos que Clayton Christensen seja um consumidor típico, alguém que compra tanto aparelhos eletrônicos como ferragens e ferramentas. Será que o Walmart, que trabalha com essas duas categorias, não teria mais chance de atraí-lo do que a Best Buy, que vende só aparelhos eletrônicos, ou a Home Depot, que vende só material de construção e reforma? A resposta é não. É que Clayton precisa comprar aparelhos eletrônicos às vésperas de aniversários e dias festivos e ferragens e ferramentas no sábado pela manhã, quando precisa consertar algo em casa. Já que esses dois “trabalhos a serem executados” surgem em momentos distintos, o fato de que o Walmart pode vender os dois tipos de produto não lhe confere nenhuma vantagem sobre lojas especializadas. Clayton, nosso consumidor típico, compra, no entanto, gasolina e guloseimas ao mesmo tempo — quando numa viagem de carro. Daí a convergência de lojas de conveniência e postos de combustível. Em outras palavras, uma aquisição cuja lógica é a venda de uma variedade de produtos a novos clientes só dará certo se esses clientes precisarem comprar os produtos no mesmo momento e no mesmo lugar.
Mais de uma vez, executivos ambiciosos como Sanford Weill, ex-Citigroup, montaram “supermercados financeiros” na crença de que uma mesma instituição seria capaz de atender com mais eficiência e eficácia às necessidades de cartões de crédito, contas correntes, serviços de gestão de patrimônio, seguros e corretagem de valores da clientela. Essas tentativas falharam, reiteradamente. É que cada atividade dessas contempla uma necessidade distinta, surgida num momento distinto da vida do cliente, de modo que uma única fonte para todas não tem nenhuma vantagem. Em circunstâncias como essas, a venda cruzada vai complicar e confundir, e raramente reduzir os custos de vendas.
Reinventar seu modelo de negócios
A segunda função fundamental de um gerente-geral é criar novas maneiras de operar e, com isso, lançar as bases para o crescimento a longo prazo — já que o valor do modelo de negócios existente cai à medida que a concorrência e o progresso tecnológico corroem seu potencial de lucro. Aquisições do tipo RBM podem ajudar o executivo a desempenhar tal função.
Expectativas de investidores dão a executivos forte incentivo para se lançarem a esse trabalho de reinvenção. Como observam Alfred Rappaport e Michael Mauboussin no livro Análise de Investimentos (Campus, 2002), a direção de uma empresa não tarda a descobrir que não é o crescimento do lucro propriamente dito que determina a valorização das ações da empresa — mas sim o crescimento na comparação com a expectativa de investidores. A cotação das ações representa uma série de informações sobre o desempenho que dela se espera, tudo sintetizado numa cifra única e descontado para o valor presente. Se o fluxo de caixa crescer à taxa que o mercado espera, a cotação das ações da empresa só vai subir ao ritmo do custo de capital, pois essas expectativas já foram computadas à cotação atual. Para criar valor ao acionista a uma taxa reiteradamente maior, a empresa deve fazer algo que os investidores não tenham computado — e fazê-lo repetidamente.
Adquirir um modelo de negócios disruptivo. As fontes mais confiáveis de crescimento inesperado de receitas e margens são produtos e modelos de negócios disruptivos, ou de ruptura. A empresa disruptiva é aquela cujo produto inicial é mais simples e mais barato do que o de empresas já estabelecidas. Tal empresa finca um pé na ponta inferior do mercado e, dali, vai subindo (camada por camada) para produtos de desempenho superior e margens mais altas. Embora possam ver o potencial de uma empresa na camada de mercado na qual se encontra no momento, analistas de investimentos não conseguem prever como a disruptora vai galgar degraus à medida que seus produtos forem melhorando. Logo, subestimam reiteradamente o potencial de crescimento de empresas disruptivas.
Para entender como isso se dá, peguemos o caso da siderúrgica Nucor, um operadora de “mini-mills” que, na década de 1970, criou um jeito de produzir aço radicalmente mais simples e econômico do que o modelo das grandes siderúrgicas integradas de então. A princípio, a Nucor fabricava apenas vergalhões para concreto armado — o produto mais simples e de menor margem da indústria siderúrgica. Analistas calculavam o valor da Nucor pelo porte do mercado de vergalhões e o lucro que a empresa poderia obter ali. Mas a busca do lucro levou a Nucor a cultivar novas capacidades. Quando a empresa adentrou camadas subsequentes do mercado, extraindo margens cada vez mais altas de sua técnica de produção de baixo custo, analistas tiveram de rever sem parar suas estimativas para o mercado potencial da empresa — e, por conseguinte, para seu crescimento.
O resultado é que a cotação das ações da Nucor teve uma disparada, como mostra o quadro “Por que empresas disruptivas valem tanto”. De 1983 a 1994 as ações da Nucor subiram a uma taxa anual composta de 27%, com a contínua percepção de analistas de que o mercado a ser atendido pela empresa fora subestimado. Em 1994 a Nucor chegara à ponta nobre do mercado. Nesse momento, seu potencial de crescimento foi finalmente assimilado por analistas. Embora as vendas tenham continuado a subir (e muito), essa compreensão, ou “discountability”, fez a cotação das ações da Nucor se estabilizar. Para que essa cotação seguisse subindo a um ritmo superior ao da expectativa de analistas, a empresa teria tido de seguir criando ou adquirindo negócios disruptivos.
Ao adquirir um modelo de negócios disruptivo, uma empresa pode produzir resultados espetaculares. Peguemos a compra, pela gigante da tecnologia da informação EMC, da VMware, cujo software permite que departamentos de TI rodem vários “servidores virtuais” numa única máquina, substituindo soluções caras de fornecedores de servidores por uma solução mais barata na forma de software. Embora disruptiva para fornecedores de servidores, a ideia era complementar para a EMC, dando à fabricante de dispositivos de armazenagem mais penetração nos data rooms de clientes. Quando a EMC comprou a VMware, por US$ 635 milhões em dinheiro, a VMware faturava apenas US$ 218 milhões. Com um vento de ruptura a levando, o crescimento da VMware disparou: a receita anual chegou a US$ 2,6 bilhões em 2010. Hoje, a participação da EMC na VMware vale mais de US$ 28 bilhões, uma (impressionante) multiplicação por 44 do investimento inicial.
Uma divisão da Johnson & Johnson, a Medical Devices & Diagnostics, é outro exemplo de como a reinvenção do modelo de negócios por meio de uma aquisição pode fazer o crescimento ir de mediano a excepcional. De 1992 a 2001, a carteira de produtos da divisão teve um desempenho correto, com a receita subindo a um ritmo anual de 3%. Nesse mesmo intervalo, a divisão comprou quatro modelos de negócios pequenos, mas disruptivos, que deflagaram um crescimento descomunal. Juntas, essas aquisições do tipo RBM cresceram 41% ao ano ao longo do período, mudando radicalmente a trajetória de crescimento da divisão (veja o quadro “Uma aquisição pode mudar a trajetória de crescimento de sua empresa?”).
Adquirir para descomoditizar. Uma das maneiras mais eficazes de usar uma aquisição RBM é como defesa contra a comoditização. Como já dissemos anteriormente nesta revista, a dinâmica da comoditização tende a seguir um padrão previsível (veja Clayton M. Christensen, Michael Raynor e Matt Verlinden, “Skate to Where the Money Will Be”, HBR November 2001). O ponto mais rentável na cadeia de valor se desloca com o tempo, com soluções integradas e exclusivas se transformando em elementos modulares indiferenciados. Empresas inovadoras que fornecem os componentes começam a obter as margens mais atraentes da cadeia.
Se uma empresa se encontra nesse processo de comoditização, uma aquisição não vai melhorar o resultado de sua fórmula do lucro. Aliás, nada irá. Uma empresa nessa situação deveria, antes, migrar para “onde o lucro estará”: o ponto na cadeia de valor que irá garantir as melhores margens no futuro. Atualmente, o modelo de negócios de grandes laboratórios farmacêuticos está perdendo gás por uma série de razões, incluindo a incapacidade de reposição do pipeline de novos produtos e a obsolescência do modelo de vendas direto ao médico. Líderes do setor como Pfizer, GSK e Merck já tentaram turbinar os resultados desse combalido modelo de negócios com a compra e a integração de produtos e recursos do pipeline de concorrentes. Na esteira de uma aquisição dessas, as ações da Pfizer caíram 40%. Uma estratégia bem melhor seria se concentrar no ponto da cadeia de valor que está se descomoditizando: a gestão de ensaios clínicos, hoje parte fundamental do processo de descoberta de fármacos e, portanto, um recurso crítico para laboratórios farmacêuticos. Não obstante, a maioria das farmacêuticas vem delegando os testes clínicos a organizações terceirizadas de pesquisa como Covance e Quintiles, garantindo a essas empresas um posicionamento melhor na cadeia de valor. A aquisição dessas organizações, ou de uma farmacêutica disruptiva como a Dr. Reddy’s Laboratories, ajudaria a reinventar o modelo de negócios dos grandes laboratórios, hoje em colapso.
Pague o preço certo
Dada nossa constatação de que aquisições RBM são mais eficazes na hora de elevar a taxa de geração de valor ao acionista, é irônico que empresas compradoras costumem pagar menos de que devido por esse tipo de alvo e mais do que deveriam por LBMs.
A literatura sobre fusões e aquisições está repleta de alertas para que a empresa não pague demais, e por boas razões. Muitos executivos já foram acometidos por uma febre consumista e pagaram mais por um alvo LBM do que seria justificável por sinergias de custos. Numa transação dessas, é crucial calcular o impacto da aquisição sobre o lucro para determinar o valor do alvo. Se a adquirente pagar menos que isso, a cotação das ações vai subir, mas para um patamar um pouquinho superior, com uma ligeira curva ascendente representando o custo médio ponderado do capital da empresa, que para a maioria é de cerca de 8%. A título de comparação, vejamos o quadro “Como o mercado premia a empresa disruptiva”, que traça o múltiplo médio do lucro de 37 empresas que, a nosso ver, tiveram atuação disruptiva nos dez anos que se seguiram à abertura de capital. A razão P/L anual para esse grupo é muito maior do que níveis históricos, levando analistas a concluir que suas ações estavam supervalorizadas. Mas quem investiu nelas no momento do IPO e segurou as ações por dez anos teve um impressionante retorno anual de 46%, sinal de que as ações eram reiteradamente subvalorizadas, mesmo com os múltiplos “elevados”.
Analistas encarregados de determinar o valor certo das ações de uma empresa se empenham para achar alvos de comparação adequados. No caso de aquisições LBM, a comparação certa é com empresas que fabricam produtos similares em setores similares. No de aquisições RBM, contudo, essa comparação faz a empresa disruptiva parecer supervalorizada, afugentando interessadas que precisam justamente desse tipo de aquisição para se reinventar. Na verdade, a comparação certa nesse caso é com outras empresas disruptivas, independentemente do setor.
Em última análise, o preço “certo” a pagar por uma empresa não é algo que possa ser definido por quem vende, muito menos por um banco de investimento interessado em vender a quem pagar mais. O preço certo só pode ser determinado pelo comprador, pois depende do propósito que servirá a aquisição.
Evite erros de integração
Sua abordagem à integração deve ser determinada quase que inteiramente pelo tipo de aquisição efetuada. Se comprar outra empresa com o propósito de aumentar a eficácia do modelo de negócios atual, em geral é preciso dissolver o modelo da adquirida à medida que seus recursos forem sendo incorporados a suas operações. É isso o que a Cisco faz com a grande maioria das empresas de tecnologia que adquire (naturalmente, há exceções: um processo da adquirida, por exemplo, às vezes é tão valioso ou original que substitui o da adquirente ou se integra a ele). Já se comprar uma empresa pelo modelo de negócios, é importante manter o modelo intacto, mais comumente operando-o separadamente. É o que fez a Best Buy com o Geek Squad, mantendo seu modelo de atendimento de alto contato e custo maior como uma operação separada, paralela à operação de varejo de baixa margem e baixo contato. Na mesma veia, o modelo de negócios da VMware, focado em servidores, era distinto do modelo de armazenagem da EMC o suficiente para que esta optasse por não integrar demais a VMware. O modelo de negócios original da EMC continuou a dar frutos, mas o acréscimo do modelo disruptivo da VMware permitiu à EMC crescer a um ritmo excepcional.
A incapacidade de entender onde reside o valor daquilo que foi comprado — e, por conseguinte, a incorreta integração da adquirida — já levou a alguns dos maiores desastres da história das aquisições. A compra da Chrysler pela Daimler em 1998, por US$ 36 bilhões, é o clássico exemplo. Embora a compra de uma montadora por outra pareça a clássica aquisição de recursos, foi uma forma fatal de encarar a transação. De 1988 a 1998, a Chrysler tinha promovido uma agressiva modularização dos produtos, terceirizando subsistemas usados na montagem de seus veículos a fornecedores de primeiro nível. Isso simplificou de tal modo os processos de concepção que a Chrysler conseguiu derrubar o ciclo de design de cinco anos para dois (em comparação com cerca de seis anos na Daimler) e projetar um carro com um quinto do custo fixo da Daimler. Isso permitiu que, nesse período, a Chrysler lançasse uma série de modelos muito populares e ganhasse quase um ponto de participação de mercado por ano.
Quando anunciada a aquisição da Chrysler pela Daimler, analistas do setor passaram a entoar o coro da “sinergia” — e a Daimler respondeu que a integração das montadoras eliminaria US$ 8 bilhões em custos “redundantes”. Mas, quando a Daimler incorporou os recursos da Chrysler (marcas, concessionários, fábricas e tecnologia) a suas operações, o verdadeiro valor da aquisição (processos ágeis e fórmula do lucro enxuta da Chrysler) desapareceu — e, com ele, a base para o sucesso da Chrysler. Melhor teria sido se a Daimler tivesse preservado o modelo de negócios da Chrysler como entidade separada.
FAZ SENTIDO a empresa recorrer a aquisições para cumprir metas que, internamente, não teria como atingir. Mas a compra de outra empresa não faz milagres. Uma aquisição pode permitir à empresa cobrar preços mais elevados, mas a via para tal será a mesma se não houvesse a aquisição: melhorar produtos que ainda não são bons o bastante para a maioria de seus clientes. Na mesma veia, a empresa pode fazer aquisições para derrubar custos (usando o excesso de capacidade em recursos e processos para atender novos clientes). Mas, de novo, poderia fazer o mesmo se buscasse clientes por conta própria. E a empresa pode adquirir novos modelos de negócios que sirvam de plataforma para um crescimento transformador — exatamente como ocorreria se concebesse um modelo novo ela mesma. Ao fim e ao cabo, a decisão de comprar vai depender do seguinte: saber se é mais rápido e econômico adquirir algo que, com tempo e recursos suficientes, a empresa poderia fazer sozinha.
Diariamente, a empresa errada é adquirida pelo motivo errado, indicadores errados de valor são usados para determinar o valor de acordos, elementos errados são integrados ao modelo de negócios errado. Soa como uma confusão — e é uma confusão. Mas não precisa ser. Esperamos que, da próxima vez que um banco de investimento bater a sua porta com uma comissão garantida para a instituição e a aquisição dos sonhos para sua empresa, o leitor seja capaz de prever com mais exatidão se a empresa sendo oferecida representa a união perfeita ou um desastre.
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Clayton M. Christensen (cchristensen@hbs.edu) é titular da cátedra Robert and Jane Cizik Professor of Business Administration da Harvard Business School, nos EUA. Richard Alton (ralton@hbs.edu) é pesquisador sênior do Forum for Growth and Innovation da Harvard Business School. Curtis Rising (rising@harvard2.com) é diretor-gerente da consultoria americana Harvard Square Partners, especializada em crescimento inorgânico e avaliação de liderança. Andrew Waldeck (awaldeck@innosight.com) é sócio da Innosight, consultoria americana especializada em inovação e estratégia.