2 de jan. de 2009

O PESCADOR E SUA MULHER

ABRAHAM SHAPIRO

O conto abaixo foi extraído do livro "O Dinheiro e o Significado da Vida", de Jacob Needleman, editora Best Seller. Eu o transcrevi dada profundidade e razão de reflexão que encerra, o que é um de meus propósitos aos leitores deste blog.


"Havia um pescador que vivia com a mulher numa choupana bem pobre em frente ao mar. Um dia, quando o pescador estava sentado nas pedras à beira do mar com a linha lançada na água, um enorme peixe fisgou-lhe o anzol e puxou com tanta força que ele teve muita dificuldade para pegá-lo. Estava felicíssimo por ter capturado um peixe daquele tamanho quando foi surpreendido ao ouvi-lo dizer:

- Deixe-me viver, por favor. Não sou um peixe de verdade. Sou um príncipe encantado. Coloque-me de volta na água e deixe-me partir.

- Não precisa usar tantas palavras para tratar desta questão - disse o homem. - Não quero ter nada a ver com um peixe que fala.

Imediatamente retirou-o do anzol e colocou-o de volta na água.

- Pronto! Vá embora, nade para onde quiser - disse o homem.

E o peixe partiu ligeiro rumo ao fundo do mar. O pescador retornou à choupana e contou à mulher como pegara um enorme peixe, e como lhe contara que era um príncipe encantado, e como, ao ouvi-lo falar, deixara-o partir.

- Você não pediu nada a ele? - disse a mulher.

- Não - retrucou o homem. O que deveria pedir?

- O que deveria pedir? – exclamou a mulher – Você fala como se tivéssemos tudo que precisamos, mas veja as condições precárias em que vivemos nesta choupana pequena e escura. Volte e diga ao peixe que queremos uma casa confortável.

O pescador não ficou satisfeito de ter que empreender tal tarefa. Mas, como a mulher o mandara ir, foi; e quando chegou ao mar, a água estava toda azul. Postou-se sobre a pedra onde estivera pescando e disse:

- Oh, homem do mar! Venha me escutar, pois Alice, minha mulher, a praga do meu viver , mandou-me uma bênção lhe implorar!

E logo o peixe veio nadando até ele e disse:

- Pois bem, o que ela deseja?

- Ah - respondeu o pescador - minha mulher diz que, quando eu o peguei, deveria ter-lhe pedido algo, e só então deixá-lo partir. Não gosta mais de nossa pequena choupana. Quer uma casa confortável para morar.

- Vá para casa, então - disse o peixe. - Ela já está na casa que deseja.

Pois o homem retornou e encontrou a mulher parada na soleira da porta de uma casa confortável, e atrás da casa havia um quintal com patos e galinhas ciscando o chão, e atrás do quintal havia um pomar onde cresciam todos os tipos de flores e frutos.

- Como vamos viver felizes de agora em diante! - disse o pescador.

Tudo correu bem por uma ou duas semanas, e logo a mulher falou:

- Marido, falta-nos espaço suficiente na casa, e o quintal e o pomar são muito menores do que deveriam. Eu gostaria de ter um grande castelo de pedras para morar. Volte, portanto, ao peixe e mande-o dar-nos um castelo.

- Mulher - disse o pescador -, não acho bom ir ter com ele outra vez, pois pode se irritar. Deveríamos estar satisfeitos com uma casa boa assim.

- Besteira! - disse a mulher. - Haverá de dar-nos um castelo de bom grado. Vá e tente.

O pescador foi, mas pesava-lhe o coração, e quando chegou ao mar, a água estava escura e cinzenta, de aspecto tenebroso. Postou-se sobre a pedra à beira da água e disse:

- Oh, homem do mar! Venha me escutar, pois Alice, minha mulher, a praga do meu viver , mandou-me uma bênção lhe implorar!

O peixe veio nadando até ele e disse:

- Pois bem, o que ela deseja agora?

- Ah - respondeu o homem muito sentido -, minha mulher deseja morar num castelo de pedra.

- Vá para casa, então - disse o peixe.- Ela já está no castelo.

Lá se foi o pescador e encontrou a mulher parada diante de um enorme castelo.

- Veja - disse ela -, não é lindo?

Entraram os dois no castelo e havia muitos criados, e os aposentos tinham rico mobiliário com cadeiras e mesas bonitas; e havia nos fundos um parque com quase um quilômetro de extensão, repleto de ovelhas e cabras e lebres e cervos.

- Pronto! - disse o homem. - Viveremos felizes e satisfeitos neste lindo castelo pelo resto de nossas vidas.

- Talvez! - respondeu a mulher. - Mas vamos considerar a questão e veremos o que achamos ao amanhecer.

E foram dormir. Na manhã seguinte, acordaram já em plena luz do dia, e a mulher cutucou o marido e disse:

- Levante-se marido; ande, pois precisamos ser rei e rainha de todas estas terras.

- Mulher, mulher - disse o marido -, por que desejaríamos ser rei e rainha? Eu não gostaria de ser rei mesmo que pudesse.

- Pois bem, eu serei rainha, de qualquer maneira - disse a mulher. Não falemos mais nisso. Mas vá ter com o peixe e diga-lhe o que desejo.

E o homem foi, mas ficou muito triste ao ver que a mulher desejava ser rainha. O mar estava lamacento e coberto de espuma enquanto ele gritava:

- Oh, homem do mar! Venha me escutar, pois Alice, minha mulher, a praga do meu viver , mandou-me uma bênção lhe implorar!

O peixe veio nadando até ele e disse:

- Pois bem, o que ela quer ter agora?

- Ora, essa! - disse o homem

- Minha mulher deseja ser rainha.

- Vá para casa - disse o peixe - Ela já é rainha.

O pescador retornou em seguida ao castelo, e lá chegando encontrou uma tropa de soldados, e ouviu o soar de tambores e trombetas. Entrou, encontrou a mulher sentada ao trono, com uma coroa de ouro sobre a cabeça, e em cada lado perfilavam-se seis lindas aias.

- Pois bem, mulher - disse o pescador - você é uma rainha?

- Ora - retrucou ela -, sou rainha, sim.

Depois de fitá-la por um bom tempo, ele disse:

- Ah, mulher, que coisa boa é ser rainha! Não teremos mais o que desejar, nunca.

- Não tenho bem certeza disse - disse ela. - Nunca é muito tempo. Sou rainha, é verdade, mas já começo a me enfadar. Acho que gostaria de tornar-me papisa agora.

- Oh, mulher, mulher! - exclamou o homem - Como você pode ser papisa? Só há um papa de cada vez em toda a cristandade.

- Marido - disse ela - serei papisa ainda hoje.

- Ah, mulher! - retrucou o pescador - o peixe não pode fazê-la papisa e eu não gostaria de pedir algo assim.

- Que besteira! - disse ela - Se ele pode fazer uma rainha, pode fazer uma papisa. Vá e tente.

O pescador foi, então, e quando chegou à beira do mar, o vento soprava forte e as ondas quebravam atemorizadoras sobre as pedras, e pesadas nuvens cruzavam o céu. O pescador estava assustado; não obstante, obedeceu à mulher e clamou:

- Oh, homem do mar! Venha me escutar, pois Alice, minha mulher, a praga do meu viver , mandou-me uma bênção lhe implorar!

E logo o peixe veio nadando até ele e disse:

- Pois bem, o que ela quer desta vez?

- Ah - disse o pescador -, minha mulher quer ser papisa.

- Vá para casa - ordenou-lhe o peixe - Ela já é papisa.

O pescador voltou para a casa e encontrou a mulher sentada sobre um trono de trinta metros de altura, e dos lados ardiam círios de todos os tamanhos, e em sua cabeça havia três coroas, uma sobre a outra, e dela se acercavam toda a pompa e suntuosidade da Igreja.

- Mulher - disse o pescador ao ver toda aquela grandiosidade - , você agora é papisa?

- Ora - retrucou ela -, sou papisa, sim.

- Bem, mulher - disse ele - é magnífico ser papisa. E você deve estar contente, pois mais do que isso não pode ser.

- Quanto a isso, veremos! - disse ela.

Em seguida, recolheram-se aos seus aposentos, mas a mulher não conseguiu dormir, pois passou a noite inteira pensando no que mais poderia ser. Afinal a manhã clareou.

- Ah! - disse ela - Eu já estava pegando no sono, não fosse o sol a me perturbar com essa luz forte. Acaso não posso evitar o nascer do sol? - e ficou irritada e disse ao marido:

- Vá até o peixe e diga que desejo ser senhora do sol e da lua.

- Ora essa, mulher - disse ele - você não consegue se contentar em ser papisa?

- Não - disse ela -, estou irrequieta, e não tolero ver o sol e a lua surgirem sem minha autorização. Vá ter com o peixe, já!

O homem foi, e ao chegar à beira da água abateu-se horrível tempestade que sacudia árvores e pedras, e o céu escureceu, e surgiram relâmpagos, e ouviu-se trovões, e o mar encobriu-se de vagas enormes qual montanhas. O pescador tremeu todo, os joelhos a tiritar, e quase lhe faltaram forças para resistir à tormenta enquanto chamava o peixe:

- Oh, homem do mar! Venha me escutar, pois Alice, minha mulher, a praga do meu viver , mandou-me uma bênção lhe implorar!

E logo o peixe veio nadando até ele e disse:

- Pois bem, o que mais ela quer?

- Ah - disse o homem -, ela quer ser senhora do sol e da lua.

- Volte para sua choupana - disse o peixe.

O homem voltou, e o castelo se fora, e em seu lugar ele encontrou a pequena e escura choupana que lhe servira de morada no princípio. E os dois vivem ali até hoje."
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Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Tem resultados na interação entre as áreas de vendas e marketing. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473