31 de out. de 2011

O ESPECTRO DE MALTHUS


Mundo chega a 7 bilhões de habitantes, segundo as imprecisas contas da ONU, o que reforça a necessidade de mais planejamento familiar

Editorial da edição de 30/10/2011 da Folha de S. Paulo


Calejado pelas violentas reviravoltas políticas de sua época, às quais sobrevivia graças ao espetacular cinismo, Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838) observou certa vez que "a alta traição é apenas um problema de data".

Numa conjuntura extremamente instável, a lealdade a determinado soberano poderia ser ato patriótico ou infame, dependendo do exato instante em que se manifestasse.

A frase de Talleyrand poderia ser aplicada, sem tanto cinismo, ao campo das previsões sobre o crescimento populacional. Desde que seu contemporâneo, o economista Thomas Malthus (1766-1834), formulou as primeiras previsões quanto ao esgotamento dos recursos naturais do planeta, incapazes de acompanhar o ritmo exponencial da reprodução humana, seu pessimismo foi aceito ou contestado conforme as circunstâncias.

A ascensão vertiginosa da população, que começava naquele século 18, só não redundou em fome catastrófica e barbárie porque, felizmente, foi acompanhada de igualmente vertiginosos avanços na tecnologia e na produtividade.

Segundo as aproximações estatísticas da ONU, naturalmente imprecisas diante da disparidade de dados entre os países, amanhã o planeta passa a contar com 7 bilhões de habitantes.

Tantas vezes afastado, o espectro de Malthus volta a rondar as especulações de alguns especialistas, agora preocupados com o impacto gravíssimo que não apenas o crescimento da população, mas também o próprio progresso tecnológico e material, podem ter sobre o ambiente.

Como na frase de Talleyrand, seria então o caso de dizer que a verdade do malthusianismo "é apenas questão de data"? Ninguém saberia responder com certeza. Novas fontes de energia e de matérias-primas podem, no futuro, anular as ameaças, hoje agudas, do aquecimento global e da escassez.

Se a população declinará nos países desenvolvidos, e mesmo em potências emergentes como o Brasil e a China, o ingresso de novos contingentes no mercado de consumo e no sistema produtivo, especialmente na África, tende a pressionar ainda mais o equilíbrio ecológico do planeta.

Seja qual for a resultante dessas tendências contraditórias, parece evidente que em países como a Nigéria (que iria de 163 milhões hoje a 730 milhões em 2100) a velocidade do crescimento populacional excede qualquer possibilidade de garantir um mínimo de bem-estar para seus habitantes.

A única política pública eficaz, em situações tão próximas da inabitabilidade humana, seria garantir o acesso universal ao planejamento familiar. Tanto quanto uma necessidade prática, trata-se de atender a um direito de escolha -o de ter ou não mais filhos-, negado justamente àqueles habitantes do planeta que menos condições possuem de assegurar um futuro digno a seus descendentes.