16 de nov. de 2011

PARA A ECONOMIA SEM EMPREGOS

Martin Ford

Quase todas as previsões econômicas apontam que o desemprego elevado em grande parte do mundo desenvolvido persistirá, muito provavelmente, por vários anos. Será, no entanto, que mesmo uma projeção sombria como essa não estaria subestimando os índices futuros de desemprego?


À medida que vemos a contínua aceleração nos avanços em computadores, tecnologias robóticas e outras formas de automação de empregos, mais trabalhadores são deslocados e a criação de empregos fica ainda mais complicada. A maioria dos economistas rejeita a ideia de que isso poderia levar a um desemprego estrutural de longo prazo. A mídia conservadora dos Estados Unidos recentemente zombou do presidente do país, Barack Obama, por sugerir que a automação pode afetar o crescimento do emprego. Obama, no entanto, estava certo ao levantar a questão. 


Uma grande porcentagem da mão de obra atual, em alguns aspectos, consiste de trabalhos basicamente rotineiros e repetitivos. Parece provável, à medida que o hardware e software continuarem melhorando, que muitos desses tipos de empregos se tornem suscetíveis à automação, especialmente ao "aprendizado de máquina".

Não se trata de alguma improvável tecnologia do mundo da ficção científica, mas de uma simples inferência a partir dos atuais "sistemas especialistas" e algoritmos especializados, que hoje em dia pousam aviões, negociam eletronicamente em Wall Street ou ganham de quase qualquer ser humano no xadrez. O Watson, da IBM, computador que saiu vencedor no programa de TV "Jeopardy!", indica que os algoritmos de "aprendizado de máquinas" podem em breve estar aptos a várias tarefas cognitivas.
À medida que essa tecnologia avançar, os sistemas decorrentes começarão a igualar ou superar a capacidade de funcionários humanos em muitas categorias de emprego rotineiras - grupo no qual estão incluídos muitos trabalhadores com formação universitária ou outros cursos relevantes.
Um dos exemplos históricos mais extremos da perda de empregos provocada por tecnologias é o da agricultura nos países desenvolvidos. No fim do século XIX, quase 75% de todos os trabalhadores nos EUA estavam empregados na agricultura. Hoje, o número gira em torno a 2% ou 3%. A mecanização avançada eliminou milhões de empregos.
Claramente, não houve desemprego estrutural de longo prazo quando os setores agrícolas dos países desenvolvidos demitiram trabalhadores. Eles acabaram sendo absorvidos por outros setores, especialmente pelas indústrias em expansão, e ainda se beneficiaram de um aumento drástico nos salários médios e na prosperidade geral - um ótimo exemplo da chamada "falácia ludita", a ideia - aceita amplamente por economistas - de que o progresso tecnológico nunca levará a índices significativos de desemprego de longo prazo.
A lógica por trás dessa ideia é a seguinte: à medida que as tecnologias que exigem menos mão de obra se aperfeiçoam, alguns trabalhadores perdem seus empregos no curto prazo, mas a produção fica mais eficiente. Isso leva a preços de bens e serviços mais baixos, o que por sua vez deixa os consumidores com mais dinheiro para gastar em outros produtos e, consequentemente, eleva a demanda - e o emprego - em quase todos os setores.
O problema hoje é que não se trata de uma rápida automação de apenas um setor econômico, como o agrícola. Quando a agricultura ficou mecanizada, havia outros setores de uso intensivo de mão de obra que podiam absorver milhões de trabalhadores.
À medida que as tarefas de mais trabalhadores fiquem automatizadas em mais setores, necessariamente chegaremos a um "ponto de inflexão", a partir do qual a economia como um todo simplesmente não será suficientemente intensiva em mão de obra para continuar absorvendo os que perdem seus empregos para a automação (ou globalização). Ao ultrapassar esse ponto, as empresas poderão elevar a produção basicamente por meio de máquinas e programas de computador. O desemprego estrutural se tornará inevitável.
Mas se a automação for avassaladora, o mecanismo básico para injetar poder de compra nas mãos dos consumidores desaparecerá. Imaginem uma economia totalmente automatizada. Praticamente ninguém teria emprego (ou renda); as máquinas fariam tudo. Muito antes de chegarmos a esse ponto, os modelos de negócios de mercados de massa se tornariam insustentáveis. Qual seria a fonte de consumo? E se ainda fosse uma economia de mercado, por que a produção continuaria, se não teríamos consumidores viáveis?
Nos países desenvolvidos, o impacto mais desestabilizador para o mercado de trabalho viria da automação substancial no setor de serviços, que atualmente emprega a maioria dos trabalhadores. Nos países em desenvolvimento, o impacto seria maior na indústria. As fábricas nesses mercados vêm adotando rapidamente tecnologias que trazem economia de mão de obra. Por exemplo, a Foxconn, de Taiwan, uma grande empregadora na China e uma das principais produtoras de bens eletrônicos, recentemente anunciou planos para usar quantidades imensas de avançados robôs industriais.
O desemprego resultante da automação no setor industrial chinês poderia complicar os esforços do país para reequilibrar sua economia em direção a um maior consumo doméstico - objetivo que a maioria dos economistas vê como crucial para a prosperidade de longo prazo da China. Se os consumidores não conseguirem ver nada além de uma economia na qual o trabalho é incansavelmente automatizado e se tiverem a impressão de que novos cursos ou graduações não servem de proteção contra isso, eles adaptarão seus gastos de forma correspondente. E, tendo em vista suas preocupações sobre a continuidade de renda no longo prazo, as políticas tradicionais, como medidas de estímulos aos gastos ou cortes de impostos seriam ineficazes.
Estamos, então, nos aproximando do "ponto de inflexão", em que a automação provocará um desemprego estrutural?
A maioria dos economistas contesta e diz que só supor a existência de tal ponto é especulação. Mas quando se avaliam as atuais mazelas dos países avançados - anos de salários estagnados ou em queda para o trabalhador médio, desigualdade de renda cada vez maior, aumento de produtividade e consumo sustentado por dívidas, em vez de pela renda -, certamente parece haver amplos motivos para especular. Vamos esperar que uma análise rigorosa dos dados econômicos históricos não ocorra apenas depois de o "ponto de inflexão" ter sido atingido. 

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Martin Ford é autor de "The Lights in the Tunnel: Automation, Accelerating Technology and the Economy of the Future" (As luzes no túnel: automação, tecnologia em aceleração e a economia do futuro, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2011.