6 de nov. de 2008

FAZ DE CONTA

ABRAHAM SHAPIRO

Publicado na data de hoje no Jornal de Londrina, pg 02

Quando o Vampeta jogou no Flamengo, um dia declarou algo que fez muita gente rir: "Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo". Frase simples. Inofensiva, a princípio. Mas, como tudo nesta vida, ela tem uma essência. E esta é muito séria. Quando eu finjo ser alguma coisa ou estar em algum lugar, não estou "inteiro". Não estou "íntegro". Não mantenho conexão plena com os acontecimentos. Meu físico está lá, mas não meu pensamento. Desejo não estar, no entanto, tenho que estar. Isto é uma prisão. Eu sofro. Quero fugir. Prolongar isto será o meu fim. Ou fujo, ou fico doente – e posso morrer. O mais triste é que talvez eu não tenha condições de ir.

Há quatro anos, vi uma empresa reduzir o seu quadro de pessoal. Os negócios não iam bem. Sobreviver era preciso. Tempos depois, os gastos com assistência médica triplicaram. Os funcionários adoeciam mais. Entre outras razões, estavam sobrecarregados, assustados e infelizes com o ambiente depois do corte. Aparentemente, tudo normal. A fundo, eles só faziam de conta que iam bem.

Will Schultz diz em seu livro "O elemento humano": "Alegria é o que eu sinto quando uso plenamente o meu potencial". Quando eu finjo, caminho na direção oposta ao meu potencial. Isto é a infelicidade.

Falemos do Vampeta. Se não quisesse fingir, bastava que deixasse o Flamengo. Mas tinha condições para isso? Pense em quantas pessoas são obrigadas a tolerar torturas emocionais impostas por um patrão vil. Elas estão impossibilitadas de deixar o emprego que lhes provê sustento. Não é só questão de escolha. Portanto, o que fazem? Fingem.

Como consultor em organizações, entendo que não há nada mais poderoso para produzir a verdade e a autenticidade no trabalho que a auto-estima. Os dirigentes se preocupam com tecnologia, campanhas e táticas. Mas esquecem que ambientes favoráveis à confiança mútua garantem que as pessoas não se sintam humilhadas ou rejeitadas. É assim que conseguem o mais comprometido e agradável atendimento. Tendo ambiente saudável e clareza a respeito do trabalho, o lucro cresce e maximiza. É a excelência.

Conheci um motorista de táxi em São Paulo. Chamava-se Genaro. Ele oferecia água mineral, jornal do dia, revistas, ligação local de seu celular e ar condicionado – sem custo adicional para os clientes. Os colegas não gostavam dele. Diziam que ele é pegajoso. Mas reclamavam que o mercado estava péssimo. O Genaro sai de casa todo dia com noventa por cento de sua agenda previamente fechada com clientes preferenciais. Eu sei por que sou um deles. De fato, de táxi talvez ele não entenda nada. Mas de clientes, sabe tudo.

Acho que este taxista nunca tenha pensado a respeito da verdade e da auto-estima. Mas ele é a prova cabal de que nada é mais prático do que uma boa teoria. Jean Paul Sartre, o filósofo francês, disse: "Não importa o que fizeram de mim. O que importa mesmo, é o que eu vou fazer com o que fizeram de mim". Disto é que depende o sucesso. O resto, é apenas saldo bancário. E sabe para que serve uma grande riqueza? Para a viúva e os herdeiros esquecerem logo quem deu a vida para juntá-la.
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Abraham Shapiro é consultor e coach. Suas principais atuações são junto de líderes empresariais e times de vendas. Contato: shapiro@shapiro.com.br