3 de nov. de 2008

CRISE? DEPENDE DO PONTO DE VISTA

ABRAHAM SHAPIRO

Falta de conceitos na vida causa sofrimento e confusão. Não ter entendimento claro sobre o que é uma crise, por exemplo, impede-nos de tirar proveito dela e, assim, tornarmo-nos piores indivíduos.

Um grande sábio disse: "Quando você foge da responsabilidade que tem em um lugar para estar em outro, duas coisas ficam imperfeitas: o local onde era preciso que você estivesse e o local onde você se encontra agora, mas não devia". Assim, fugir de uma crise é abandonar uma oportunidade incomparável de se tornar grande.

Por incrível que seja, a lição maior a respeito das crises advém de uma pergunta aparentemente corriqueira: "E agora? Como vamos superá-la?" A saída que se encontrar será um dos mais precisos e excelentes indicadores da magnitude de quem enfrenta a tal situação.

De uma vez por todas precisamos saber: não há vida sem crise.

O que é crise? Os dicionários definem como "estado de súbito desequilíbrio, incerteza, vacilação ou declínio".

As crises existem para extrair o melhor do ser humano. É a circunstância em que a potencialidade oculta – desconhecida ou inconsciente – pode tornar-se visível sob a forma de inteligência, brilhantismo, força, agilidade, eficácia, produtividade, idéia criativa e muito mais.

Se há vida, há crise, todos concordam. Então, por que temos uma rejeição natural às dificuldades inerentes à vida? Porque reagimos com desânimo ou sentimento de desprezo ao invés de coragem e bravura já que proclamamos haver benefícios?

A resposta a estas perguntas é difícil de ser dada. Mas é importante que se saiba que o problema não são as crises em si, mas a ótica com que as encaramos.

Vejamos de perto. Todo ser humano tem a tendência inicial de achar que a crise é uma perturbação injusta e, portanto, dispensável. Ninguém põe em prática aquela convicção de que ela é importante e necessária. Mas mesmo assim, ao longo do tempo esta visão míope muda.

Há uma história que ouvi quando jovem que ilustra muito bem esta particularidade. Ela mostra a transformação que é possível ocorrer quando se muda o ponto de vista sobre uma situação aparentemente negativa. Essa estratégia, aliás, tem o poder de nos libertar do vício de achar que o modo como encaramos uma situação é absolutamente correto e que a solução que elegemos é a única possível.

Numa terra longínqua, havia um reino de pessoas grosseiras e indolentes. O dia inteiro o povo cavava o solo à procura de ouro, na esperança de enriquecer. Durante anos e anos continuavam cavando, mas nada achavam. Eram tristonhos e apáticos à vida. Seu rei tornou-se zangado, mal-humorado e sem esperanças.

Certo dia aconteceu passar por ali um jovem. Era alegre e bem-humorado. Andava com ar seguro e seus lábios entoavam uma alegre canção. Quando os cavadores o viram, pediram-lhe que parasse de assobiar: "Nosso rei é muito zangado e mal-humorado.

Pode até matá-lo" – preveniram-no. O rapaz riu: "Pois seja, conduzam-me a ele".

Os cavadores pararam o trabalho e levaram o jovem ao palácio. No caminho perguntaram-lhe: "Como é o seu nome?" "Oved" – respondeu o moço. "E por que você assobia?" "Porque estou alegre e satisfeito". "E por que você está alegre e satisfeito?" "Porque tenho muito ouro".

Ouvindo isso, rejubilaram-se e contaram ao rei a respeito do ouro. O rei perguntou a Oved: "É verdade que você possui um tesouro de ouro?"

"Sim!" – foi a resposta – "tenho sete sacos cheios de ouro".

O rei ficou muito animado e imediatamente convocou seu povo e ordenou-lhe que trouxesse os sacos. Mas Oved explicou: "Levará algum tempo para pegar o ouro, meu rei. Está guardado numa caverna, vigiada por um dragão de sete cabeças. Somente eu posso tirá-lo dali. Dai-me todo o vosso povo por um ano e durante esse tempo livraremos o ouro do monstro".

O rei não teve alternativa. Pôs cavalos, bois e homens à disposição de Oved e determinou a seu povo que seguisse as instruções do rapaz.

Oved ordenou a seus homens que trouxessem arados e que arassem a rica e fértil terra dos campos. Depois de arar, semearam e na época da colheita colheram sete imensas carretas cheias do melhor trigo.

Durante todo esse tempo o rei prevenia Oved de que se ele não lhe trouxesse os sacos de ouro no fim do ano, seria decapitado. Diante disso, Oved sorria e explicava: "Necessitamos de trigo para entupir a boca do monstro" – e continuava alegre e cantando canções joviais.

Durante sete dias Oved perambulou com suas sete carretas até que chegou a uma grande cidade que não tinha lavoura. Quando os comerciantes viram as carretas de trigo maduro, pagaram uma grande soma de dinheiro por elas: sete sacos cheios de ouro.

Depois de mais sete dias, Oved mais uma vez apresentou-se diante do rei que lhe perguntou: "Conseguiu vencer o monstro?"

Oved respondeu com um sorriso: "Vendi o trigo a um povo cujo solo é estéril e em troca deram-me sete sacos de ouro".

Quando o rei ouviu a história de Oved, disse-lhe entusiasmado: "Aquele que trabalha a terra provê o pão. Na verdade, podemos tirar de nossa boa terra ainda mais do que sete sacos de ouro por ano". E pediu a Oved que ficasse em seu reino e governasse seus súditos.

Oved, entretanto, recusou dizendo: "Há muitos homens neste mundo que não conhecem o segredo do trabalho. Pode-se arrancar ouro da terra, trabalhando-a, semeando trigo dourado e transformando-o em farinha. É meu dever revelar este segredo aos outros também".

Feliz e alegre, Oved partiu para suas peregrinações.


Uma observação indispensável para compreensão dessa história é que o nome do personagem principal, Oved, significa "trabalhador" na língua original em que a conheci, o hebraico.

ESTRATÉGIA

Devemos ter em mente que existem duas possibilidades para se resolver uma crise. Primeira: mudar a situação – o que nem sempre é possível. Segunda: mudar o modo de vê-la e como a interpretamos.

Não são os acontecimentos que nos ferem, mas a visão que temos deles. As coisas em si não nos machucam, nem criam obstáculos. Também não as outras pessoas. O problema sempre está no nosso ponto de vista particular.

Não nos é dado escolher todas as circunstâncias externas de nossa vida. Algumas, sim. Muitas, não. Porém, sempre está a nosso alcance escolher a maneira como reagimos a elas. Está no nosso pleno poder de decisão o modo como nos relacionamos com elas.

Hoje, a psicologia sabe que o caráter de um indivíduo está ligado às suas experiências, à sua leitura dos fatos que ocorrem à sua volta.

É nas horas de aperto que as pessoas se dão a conhecer plenamente. Caem as máscaras, os rótulos e as molduras com que elas enquadram a realidade. Vão-se as simples impressões e suposições. Entram em cena as certezas. A verdade vem à tona.

Em dias normais, quando tudo vai bem, externamos uma fração insignificante daquilo que verdadeiramente somos. Quando chegam as turbulências, salientam-se as reais qualidades e, então, quanto melhor fundamentado estiver o indivíduo sobre princípios e valores, maior aprendizado e crescimento irá absorver. Quanto mais conceitos tiver armazenado em seu acervo interior, maior entendimento e autodesenvolvimento obterá a respeito das circunstâncias em que se encontra e a leitura dos fatos.

É lamentável que as pessoas se perturbem e até se percam em pensamentos equivocados de que as crises são destrutivas. Se somos lapidados ou moídos pelos problemas da vida, isto depende apenas do material de que somos feitos!

DUAS SITUAÇÕES EMBLEMÁTICAS

Imagine as duas situações a seguir e obtenha delas uma boa compreensão prática de tudo o que dissemos até aqui.

Primeira situação. Uma mãe recusa-se a auxiliar seu filho preguiçoso em sua tarefa escolar. Ela estará sendo má?

Ela conhece bem seu filho. Ajudá-lo uma vez mais só o fará mais acomodado nas próximas vezes. Ela enxerga as conseqüências futuras de sua presente atitude e toma a decisão de provocar no filho uma reação que faça nascer nele a responsabilidade. Ela recusa-se a cooperar e, com isso, impõe uma crise sobre o menino. Será isto um ato de maldade?

Uma conduta rígida adotada neste momento é, na verdade, uma prova de amor, dada sua amplitude no futuro. Aos olhos do garoto pode parecer cruel, a priori. Mas a aparente dureza e severidade da mãe contêm, como meta, uma infinita dose de bondade. O menino não é capaz de enxerga isso, por enquanto.

Segunda situação. Você ouve o grito desesperado de um bebê chorando no interior de uma casa. Chega a pensar que a pobre criancinha está sendo torturada. Ao averiguar mais de perto, depara-se com a imagem de um menino sentado no colo da mãe. Ela segura uma colher de remédio. O garoto detesta tomar a dose amarga e ruim; seu protesto é vigoroso. Ela, por outro lado, deseja a cura do filho doente e não se importa com seu desgosto momentâneo.

A julgar somente pelo que se ouve, dificilmente a realidade seria conhecida.

Examinando bem, a conclusão, passa a ser diametralmente oposta. O que antes parecia mal, tornou-se um bem no momento em que o fato foi conhecido por completo.
Há uma história curiosa sobre a necessidade de ser criativo na hora da crise. Passa-se em uma igreja de uma secular cidade inglesa.

As pessoas que lá se reuniam notaram que as pedras de mármore que formavam os degraus de acesso à porta de entrada estavam gastas por anos de uso. Decidiram substituí-las. Fizeram uma reunião para discutirem o assunto, porém, perceberam que o dinheiro em caixa não lhes permitia fazer um gasto imediato. Alguém apresentou uma brilhante idéia que adiaria por muitos anos a troca das pedras. Sugeriu que se mandasse simplesmente virar os blocos de pedra do avesso. Todos gostaram muito e acharam que a solução era criativa demais. Quando a colocaram em prática, surpresa. Descobriram que seus bisavós tinham tido a mesma idéia há muitos e muitos anos.

Com um enfoque criativo podemos encontrar soluções para muitos problemas. Os jovens podem não ser os únicos a encontrar abordagens novas para um determinado problema.

Sempre que olhamos para trás, vemos que nossos ancestrais podem ter aberto o caminho para nós em muitas situações que julgamos atuais e inéditas.

Com a aproximação do inverno, os índios foram ao cacique perguntar:

- Chefe, será que teremos um inverno rigoroso ou será ameno?

O chefe, vivendo tempos modernos, não tinha aprendido a tradição dos segredos de meteorologia de seus ancestrais. Mas claro, não podia mostrar insegurança ou fraqueza. Por algum tempo olhou para o céu, estendeu as mãos para sentir os ventos e em tom sereno e firme disse:

- Teremos um inverno muito frio... é bom nos prepararmos colhendo muita lenha.
No dia seguinte, preocupado com o chute, foi ao telefone e ligou para o Serviço Nacional de Meteorologia e ouviu a resposta:

- O inverno será muito frio.

Sentindo-se mais seguro, dirigiu-se a seu povo novamente:

- É melhor recolhermos muita lenha... teremos um frio muito severo.
Dois dias depois, ligou novamente para o Serviço Meteorológico e ouviu a confirmação:

- Sim... neste ano o inverno será muito rigoroso.
Voltou ao povo e disse:

- Teremos um inverno muito rigoroso. Recolham todo pedaço de lenha que encontrarem e os gravetos também.

Uma semana depois, ainda não satisfeito, ligou para o Serviço Meteorológico outra vez:

- Tem certeza de que teremos um inverno tão forte?

- Sim. Este ano teremos um frio intenso, nós temos certeza.

- Como tem tanta certeza?

- Os índios estão recolhendo muita lenha este ano

Se, hoje, o mundo enfrenta uma crise e qual a amplitude com que ela nos atingirá, são incógnitas incalculáveis. Isto depende do comportamento das pessoas, das relações de confiança entre elas e as instituições, os governos e todos os elementos que compõem a sociedade.

Uma coisa é certa: economista nenhum do planeta pode calcular o efeito da economia sobre pessoas espiritualizadas, que cuidam de seu desenvolvimento pessoal e que tiram grandes lições das dificuldades.

Não há poder maior na esfera humana do que a obstinação de se tirar grandes lições das crises e, assim, transformá-las em oportunidades.

Feliz é aquele que descobriu esta sabedoria e a vive plenamente.
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Abraham Shapiro é consultor e coach. Suas principais atuações são junto de líderes empresariais e times de vendas. Contato: shapiro@shapiro.com.br