11 de nov. de 2008

ALGUNS EXEMPLOS FALAM, OUTROS GRITAM

ABRAHAM SHAPIRO

Por definição a doença é um agente limitador. As doenças, quando não mortais, atuam de forma deprimente e angustiante ao atingir setores do organismo habitualmente solicitados nas atividades de rotina.

Esta situação não é rara nem excepcional. Está presente, por exemplo, na vida de artistas em todas as modalidades de arte. Podem acarretar abatimento, isolamento e renúncia ou revolta e luta contra o infortúnio. É o caso da surdez de Ludwig van Beethoven.

A perda da audição de Beethoven deve ter se iniciado entre vinte e trinta anos, por volta de 1795. Progrediu de forma imperdoável. Admitem os pesquisadores que aos trinta e cinco anos sua dificuldade de conversação já era máxima. Nos períodos finais de sua vida, talvez ele nada conseguisse ouvir.

É fácil compreender a profunda angústia que ele sentiu diante da doença.

Várias teses dão conta de técnicas próprias que desenvolveu para não interromper o ritmo intenso com que compunha. Em uma dessas tentativas de superar limites, tocava as teclas ao mesmo tempo em que sua cabeça reclinada encostava-se à tampa do piano em busca de produzir ressonância das notas musicais em seu crânio e, desta forma, identificar algum som, um pouco de harmonia.

Grandes composições – as maiores, na opinião de muitos – foram escritas no período de surdez. Ao ouvi-las, pode-se avaliar qual não terá sido o esforço e a obstinação com que ele perseguia sua missão.

Ele não optou por entregar-se à surdez e fazer dela uma justificativa para lançar ao lixo sua inspiração. Ele não mendigou a piedade das pessoas de seu círculo ou da sociedade de sua época. Apenas encarou a vida com coragem e fez de seu fluxo mental intenso uma obra que se tornou a verdadeira e autêntica revolução da história da música.

Nunca mais o mundo foi o mesmo depois de Beethoven.

Ele superou sua dificuldade. Voltou seus olhos para a beleza e à grandeza que emergiam de seu interior. Seu êxito chegou a tal nível que o sentimento de liberdade de sua música causou temor em reis e governos tiranos levando-os a impor restrição à sua execução pública.

A biografia de Beethoven é uma penosa e triste seqüência de fatos infelizes. Nunca foi reconhecido unanimemente como gênio pelos críticos de sua época. Viveu frustrações amorosas em proporções tais, que, aliadas a seus problemas de saúde, o empurraram ao vício da bebida. O álcool levou-o à morte aos 57 anos por cirrose hepática.

Suportou dificuldades decorrentes da educação de um sobrinho a quem desejou criar como filho e que arruinou-o financeira e moralmente. Passou tribulações sérias para obtenção de seu sustento, vez que os ganhos mais polpudos dos músicos da época advinham da interpretação do piano em concertos públicos. Tudo isso ele enfrentou no mais profundo estado de surdez.

Face a face com a surdez total, inverteu e suplantou sua situação – aparentemente insolúvel e irreversível. Transformou as inspirações mais profundas em páginas de beleza inigualável em seu tempo e nos séculos que o sucederam. O fascínio pela superação de Beethoven mexe com pessoas de todas as áreas. Desde sua morte, cerca de cinco livros sobre sua biografia são lançados por ano.
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Abraham Shapiro é consultor e coach. Suas principais atuações são junto de líderes empresariais e times de vendas. Contato: shapiro@shapiro.com.br