3 de nov. de 2008

A CRISE, O TEMPO E A MUDANÇA DE CENÁRIO

ABRAHAM SHAPIRO

No primeiro momento, damos à crise uma interpretação incoerente a seu real propósito. Tendemos a desprezar as lições e sinais que ela nos comunica.

Depois, começamos a abstrair, entender os fatos, atualizar o histórico da situação e, então, constatamos que o quadro que a princípio parecia imutável e danoso, não se manteve assim. Um bem floresceu onde parecia não haver nada de bom. O que aconteceu? O mal que se converteu em bem? Não. Uma só coisa se alterou: a nossa visão e compreensão. O bem sempre esteve ali. Nós não o identificávamos ou por simples ignorância, ou por recusa deliberada – teimosia. Talvez por falta de habilidade.

Aqui cabe uma reflexão. Por que não investir tempo em aprender e desenvolver uma competência apropriada para o gerenciamento de nossas crises pessoais? Fazemos isso prontamente quando se trata de ganhar dinheiro ou de uma ação profissional. Quando se trata da vida, no entanto, somos bons em procrastinar a aprendizagem e a concretização das intenções mais elevadas.

Por menos que estejamos preparados para a vida, nossa inteligência está pronta para ser alimentada com os itens necessários para pensar melhor, produzir melhores imagens e recursos que favoreçam nosso crescimento. Quais itens são estes? Experiências, conhecimento, informações, lições de vida de outras pessoas – material apropriado para promover evolução em nossas condições atuais.

Suponha um nativo tirado do interior inexplorado de uma selva e levado para dentro da sala de cirurgia de um grande e moderno hospital no exato momento em que uma junta médica faz um transplante de coração.

Ele se depara com os médicos e enfermeiros paramentados, suas faces cobertas, o ferramental cirúrgico nas mãos, seringas, agulhas e tubos aplicados em um corpo cujos órgãos e vísceras estão expostos. O que ele deduz deste quadro?

Sua experiência de vida o faz concluir que estão realizando um sacrifício humano.

Ele deduz que a pobre vítima deve ter sido caçada e está sendo esfolada e esquartejada por cruéis assassinos. Em sua análise pessoal, os médicos são bandidos perigosos, assassinos sangüinários.

Como ele irá reagir frente a isso? Aterrorizado, tentará fugir por acreditar que é o próximo alvo deste estranho ritual.

Esta ótica está de todo errada? Não. É a versão de quem não conhece a situação completa e ignora os múltiplos detalhes e dados em que se desdobra.

O nativo desconhece, por exemplo, o que é um hospital, o que são os médicos e que o próprio paciente desejou e optou por esta situação em que se encontra agora. É a única alternativa que lhe resta para livrar-se de uma doença que o levaria à morte.

No presente momento, não há melhores mãos a que sua saúde pudesse estar confiada. Os médicos estão concentrados no objetivo de extirpar o órgão afetado e substituí-lo por um que esteja são.

Mas o indígena não sabe de nada disso. Ele se acha pleno de razão em seus julgamentos parciais e interpretações. Suas limitações só lhe permitem ver uma parte do todo. O quadro inteiro é muito amplo. Ele nem imagina que existem informações que têm o poder de fazê-lo mudar radicalmente a visão e o entendimento.

Se tomarmos por base as crises da vida, nós agimos como o nativo em questão.

A falta de “substância interior”, de um acervo de experiências que possibilite o processamento do que estamos vendo e sentindo de modo a produzir uma versão clara e consistente do que enfrentamos, faz de nós personagens restritos e, por isso, despreparados para extrair as lições que decorrem deste momento difícil.

Aí está o comportamento típico. Somos precipitados e fracos. Somos incautos e inaptos. Somos frutos da ignorância. Entregamo-nos a pensamentos corrompidos e a uma péssima compreensão de quem somos. Não nos interessa darmos um impulso à vida em direção ao que, de fato, tem valor.

Muitos se auto-condenam ao sofrimento – outro ato de ignorância da dinâmica da vida. Colhem como resultado desespero, depressão, sentimento de vazio interior, derrota e outros prejuízos.

Por todas estas vias, desperdiçamos grandes chances, oportunidades inigualáveis e extraordinárias de nos aperfeiçoar. Em seguida, contentamo-nos com a fraqueza de que “neste mundo ninguém é perfeito”. Isto nos basta, inclusive, para nada fazermos em favor de nossa evolução.
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Abraham Shapiro é consultor e coach. Suas principais atuações são junto de líderes empresariais e times de vendas. Contato: shapiro@shapiro.com.br