12 de dez. de 2011

QUEM TEM MUITO DINHEIRO NÃO GOSTA DE FALAR DISSO


Lucy Kellaway – Financial Times

É mais fácil fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que convencer uma pessoa rica a falar na rádio sobre o dinheiro que tem.

Estou em condições de afirmar isto depois de ter perdido bastante tempo a tentar convencer cidadãos britânicos super ricos a serem entrevistados em directo sobre a sua atitude para com a sua riqueza.*

Queria saber até que ponto ser detentor de uma fortuna altera a vida das pessoas, as suas relações, os seus valores - e os seus hábitos de consumo. Segundo a minha teoria, curiosamente, ter dinheiro é difícil - muito mais difícil do que consegui-lo. A culpa desta recusa em não falar de dinheiro pode ser da recessão. Ou talvez seja uma coisa britânica. Mas, durante meses a fio, os produtores debateram-se para conseguirem trazer pessoas para esse programa de rádio. Não tiveram qualquer dificuldade em trazer pessoas para falarem publicamente de operações de mudança de sexo, de divórcios, esgotamentos cerebrais e outras estranhas manias. Mas falar sobre riqueza? Não, obrigado! Após algumas centenas de recusas, eis que surgiram três pessoas suficientemente corajosas para falar.

A ideia para esta série de conversas surgiu-me num jantar no Verão passado quando falei com um empresário que fizera 466 milhões de euros (400 milhões de libras) mas que se apresentava vestido dos pés à cabeça com peças gastas da Marks & Spencer. Quando lhe perguntei como gastava o seu dinheiro, respondeu que, além de dar bastante dinheiro a instituições de beneficência, ajudara também a pagar as propinas dos seus sobrinhos e das suas sobrinhas, algo que deixara os seus filhos simultaneamente ressentidos e agradados ao mesmo tempo.

Apesar da sua capacidade de fazer dinheiro, não parecia ser muito bom no que toca a ter dinheiro. Ou melhor, a sua forma de ter dinheiro era fingir que não o tinha, o que achei admirável e um desperdício, ao mesmo tempo. O que é isso de ser bom a ter dinheiro? As três pessoas que entrevistei tinham experiências diferentes com o dinheiro, o que provavelmente não admira, uma vez que ser rico aumenta as nossas opções. E adulterando uma citação de Tolstoi, os pobres são todos iguais mas os ricos são ricos, cada um à sua maneira.

A primeira destas pessoas, uma empresária, era como o comensal de que vos falei antes, mas pior ainda. Era tão infeliz por ter uma grande fortuna, que só aceitou falar sobre isso na rádio se não revelássemos o seu nome.

Os ricos, assim lhe tinham ensinado, não eram pessoas muito simpáticas. E quando descobriu que passou a fazer desse grupo, quando o capital da sua empresa foi disperso em bolsa, começou a temer que os seus amigos - e sobretudo o homem que conhecera recentemente e que auferia um salário médio - olhassem para ela de uma forma diferente.

Disse que fez agora as pazes com o seu dinheiro, aprendendo a usá-lo de forma eficaz, mas continua a achar que as pessoas que sabem que ela é rica a tratam de forma diferente - com maior deferência e com menos interesse pelos seus pontos de vista - do que aqueles que não sabem que ela é detentora de uma boa fortuna.

O homem que entrevistei em seguida tinha uma relação mais pacífica com o seu dinheiro, de que gostava evidentemente. Propusera-se deliberadamente a acumulá-lo: e quando o conseguiu, chegou à conclusão que a vida com um Maserati e um avião particular era melhor do que sem isso. Mas não estava satisfeito. Queria continuar a ascender na lista dos ricos, de modo a criar mais emprego para os outros e comprar um avião maior para si.

O terceiro homem herdara parte de uma imensa fortuna de seu pai. Sempre fora rico e sempre fora um grande mecenas das artes. Mas quando lhe perguntei se o seu dinheiro o isolara, disse que, com ou sem ele, seria sempre uma pessoa isolada. E quando lhe perguntei o que o dinheiro fizera para os seus filhos, faz uma careta e disse que não queria falar disso.

A única coisa que une estas três pessoas super ricas é o facto de todas terem protestado quando lhes chamei precisamente ricas. Pouco importava que estivessem entre as mil pessoas mais ricas do país - nenhuma delas se via como tal. Isto porque, ao avaliar a nossa riqueza, tendemos a olhar para cima e não para baixo. Por mais ricos que sejamos, existe sempre alguém mais rico do que nós. Quando conduzimos o nosso novo avião privado para o seu lugar no hangar, se o avião ao lado for maior, então não somos assim tão ricos.

E pensando nisto, também tenho a minha dose de culpa. Não me descrevo como rica, uma vez que conheço pessoas mais ricas. Mas uma vez que faço parte dessa percentagem de pessoas no topo no país, isso faz de mim uma pessoa com os bolsos cheios.

E o que é que sinto sobre o meu dinheiro? Ao fazer este programa dei comigo a pensar no que é isso de ter o dinheiro certo e no facto de ter atingido provavelmente esse patamar.

Ter o dinheiro certo significa ter dinheiro suficiente para não termos que nos preocupar quando surge uma emergência. Mas não tanto a ponto de ficarmos infelizes pela forma como o gastamos ou de nos preocuparmos se os/as nossos/as filhos/as virão a casar com prospectores/as de ouro. Apercebi-me que não me importo de falar de dinheiro. Importa-me sim falar sobre isso. Os pobres pensam nisso a toda a hora. E o mesmo acontece com os super ricos. Para mim, temos dinheiro suficiente quando nem pensamos nisso.

* Programa One to One, 9.30, Terças-feiras, BBC Radio 4.