Isto É Independente
2012 mal começou e já carrega uma
série de prognósticos preocupantes. A crise econômica mundial não deve
arrefecer e, na Europa, a situação dos países da zona do euro está cada vez
pior. O crescimento projetado para o Brasil é bem menor que o registrado nos
últimos tempos e há até quem acredite, lançando mão de um calendário maia, que
este será o derradeiro ano da nossa existência sobre o planeta. Nada animador.
Apesar dos tons acinzentados dessas previsões, boa parte dos brasileiros entrou
o ano imerso em boas expectativas. Basta checar os números recém-divulgados do
Barômetro Global do Otimismo, uma pesquisa mundial que mede a presença desse
sentimento pelo mundo, para constatar que a onda “pra frente Brasil” toma conta
do País: 74% da população acredita que, sim, apesar de todas as sinalizações
pessimistas, 2012 será melhor que 2011. E nem adianta evocar a crise mundial ou
desfiar dados negativos da economia, pois 60% dos entrevistados estão
confiantes de que os próximos 12 meses serão um período de prosperidade
econômica.
De um lado a expectativa, de outro,
a realidade. A aparente disparidade entre esses dois ângulos, acredite, não é
um erro de cálculo. Pelo contrário, é uma elaborada estratégia do nosso cérebro
para nos fazer seguir adiante. A artimanha atende pelo nome de “viés otimista”
– a tendência dos nossos neurônios de pender para o otimismo ao projetar o
futuro. A boa notícia é que esse modus operandi não é exclusividade de alguns
poucos. Estima-se que essa seja a dinâmica cerebral de 80% das pessoas. E os
impactos do otimismo, comprova a ciência, vão bem além de sonhar com um futuro
melhor. Ele aumenta a autoestima, facilita os relacionamentos, movimenta a
economia e faz bem à saúde.
Intrigada com a tendência do cérebro
humano de enxergar o amanhã como uma grande promessa, a neurocientista Tali
Sharot, da University College London, no Reino Unido, dedicou-se a compreender
o fenômeno e descobriu que há uma certa dose de conveniência no nosso
comportamento. “Não é que não pensemos em coisas ruins para o futuro, mas sim
que nossos neurônios são eficientes ao armazenar as expectativas boas, mas
falham ao incorporar informações ligadas às expectativas ruins”, disse à ISTOÉ.
Como resultado dessa equação desequilibrada, pendemos para o otimismo. Parece
difícil acreditar? “Experimente projetar quantos anos você viverá”, provoca a
cientista. “A maior parte das pessoas superestima a expectativa de vida em 20
anos ou mais” (entre os brasileiros, por exemplo, a expectativa de vida é de 73
anos). Da mesma forma, é difícil alguém se casar achando que vai se separar,
embora 40% das uniões no Brasil terminem na primeira década.
Tali foi além e mapeou o que ocorria
no cérebro durante a elaboração dos pensamentos positivos. Quando eles ocorrem,
há uma queda na atividade do córtex pré-frontal, região responsável por
monitorar a diferença entre a realidade e o que imaginamos para o futuro.
Quanto maior o grau de otimismo, menor a atividade nessa área, gerando o
fenômeno descrito pela pesquisadora. Tudo isso é um mecanismo de autoproteção.
“Entre os animais, somos os únicos que temos a noção de finitude”, diz o
neurocientista Antônio Pereira, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. “Ter ciência dessa condição poderia nos impedir de
realizar projetos futuros, em especial aqueles de longo prazo.” Assim, durante
a evolução, nosso cérebro aprendeu a esperar sempre mais do amanhã. A falha
desse mecanismo, para Tali, vem acompanhada dos quadros de depressão – que
estariam representados justamente por aqueles 20% de pessoas em que não se
observa o “viés otimista”.
Se não acreditasse que o mundo seria
diferente, certamente o designer carioca Flávio Deslandes, 39 anos, teria
abandonado, em 1995, o ousado projeto que lhe ocupava a cabeça: construir
bicicletas de bambu. “Ouvi de professores que era loucura, que não iria dar
certo”, diz. Afinal, ele havia escolhido um material tido como de segunda linha
(o bambu) e um produto com pouco glamour (à época, usar bike como meio de
transporte era associado à falta de dinheiro). Mesmo assim, Deslandes seguiu na
empreitada e, em 2000, sua bicicleta de bambu estava à venda na Dinamarca, país
onde foi morar. Desde então, a ideia vem recebendo vários prêmios de design e
ganhando fama mundial como uma alternativa ecológica para o transporte. “O
otimismo nos faz assumir riscos e, com isso, avançar”, avalia o psiquiatra
Irismar Reis de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia.
Parte dessa força motriz capaz de
alterar até o funcionamento de nossos cérebros está guardada em nossos genes.
Alguns deles controlam o transporte de serotonina, neurotransmissor que tem,
entre outras, a função de regular o humor e o comportamento das pessoas. Já era
de conhecimento dos cientistas que falhas nesse gene aumentavam as chances de
depressão após eventos negativos. Um passo além, porém, foi dado por
pesquisadores da Universidade de Essex, no Reino Unido, que descobriram outra
alteração no mesmo gene 5-HTTLPR, que faz as pessoas enxergar melhor as coisas
boas – literalmente. No experimento, 97 voluntários buscavam por um ponto em
meio a imagens que podiam ter conteúdo positivo, negativo ou neutro. Quem tinha
a alteração, demorava mais para encontrar o ponto nas imagens com remissão a
coisas ruins e era mais rápido nas cenas positivas. “Como se tivessem uma
espécie de aversão às imagens negativas”, compara Elaine Fox, coordenadora da
pesquisa. Agora, os cientistas buscam outros mecanismos genéticos que expliquem
por que algumas pessoas são naturalmente otimistas. “Não existe um único gene
do otimismo”, afirmou Elaine à ISTOÉ. “O 5-HTTLPR é apenas um que conseguimos
descrever o funcionamento.”
Enquanto esse quebra-cabeça
biológico não é decifrado, outra aposta é na criação de métodos para ensinar o
otimismo. O expoente dessa busca é o americano Martin Seligman, pai da
psicologia positiva, disciplina criada por ele na década de 1980. Incomodado
pela profusão dos estudos sobre doenças mentais na psicologia, Seligman se
propôs a abandonar a patologia e pesquisar o lado bom da vida. Otimista nato,
ele dedicou seus últimos 30 anos a enumerar os benefícios do comportamento
positivo. Em suas pesquisas, os políticos otimistas ganham mais eleições, os
estudantes otimistas têm melhores notas e os atletas otimistas vencem mais
competições. E, para desespero dos pessimistas, a falta do gene do otimismo não
é desculpa. É possível alterar o comportamento de uma pessoa para torná-la mais
otimista, garante a psicologia positiva. “Otimismo é crer que as situações
ruins são temporárias”, define Daniela Barbieri, presidente da Associação de
Psicologia Positiva da América Latina. “É possível aprender a ter essa reação
por meio da identificação e do monitoramento do pensamento negativo”,
esclarece. A fórmula é simples. Antes de decretar que não vai dar certo, pense
se não há alternativas menos aterrorizantes.
Quem é otimista faz naturalmente
esse movimento. Para a maioria dos brasileiros, por exemplo, o Congresso é
formado por uma corja de ladrões e a única solução seria a prisão coletiva.
Essa, porém, nunca foi a solução antevista pelo publicitário mineiro Fernando
Barreto, 39 anos, um otimista político de carteirinha. “Não acreditar na
validade do sistema democrático é o mesmo que desistir dele”, afirma. “O que
precisamos é fazê-lo evoluir e, para isso, a gente precisa acreditar nele.” Em
vez de gastar o tempo falando mal dos deputados e senadores em mesas de bar,
Barreto reuniu dois amigos e foi pensar ferramentas que permitissem aos
cidadãos monitorar seus representantes. Na frente do computador, inventaram o
Vote na Web, plataforma por meio da qual é possível acompanhar o trabalho dos
legisladores – como votam e o que propõem. “Ouvimos muito a frase ‘brasileiro
não gosta de política, isso não vai dar certo’”, diz. De ideia de maluco a
iniciativa louvada pela Organização das Nações Unidas foram menos de três anos.
Se o otimismo de uma pessoa ou de um
pequeno grupo já é capaz de gerar iniciativas interessantes, como é o caso do
Vote na Web, o que não dizer do comportamento positivo generalizado? Quando
centenas, milhares de pessoas acreditam que algo vai dar certo, dá certo? A
resposta, de acordo com um grupo de pesquisadores da Universidade de Miami, nos
Estados Unidos, é sim. Para chegar a essa conclusão, eles realizaram um estudo
pioneiro em que cruzaram índices de recuperação econômica e otimismo da
população nos Estados Unidos. Quando havia mais otimismo, a recuperação
acontecia de forma mais rápida. “O resultado nos surpreendeu. Estamos planejando
agora um estudo para avaliar se o mesmo mecanismo pode ser aplicado às
empresas”, disse à ISTOÉ Alok Kumar, coordenador do trabalho. Laure Castelnau,
diretora-executiva de marketing e novos negócios do Ibope Inteligência –
responsável por levantar os dados brasileiros para o Barômetro Global do
Otimismo –, explica que esse é o motivo do interesse em se medir o otimismo da
população. “É uma medição da expectativa. Ele mostra o que as pessoas esperam
em relação aos preços, à educação e ao crescimento econômico”, diz.
Um bom exemplo de aposta no otimismo
coletivo é o Fórum Social Mundial. Nascido em solo brasileiro, na cidade de
Porto Alegre, em 2000, desde então, o evento reúne, anualmente, milhares de
manifestantes embalados pelo lema de que “um outro mundo é possível” para
debater propostas relacionadas ao bem coletivo. Um dos criadores do modelo é o
político e ativista Chico Whitaker, 80 anos, “um otimista social”, como ele
mesmo gosta de se definir. O conceito, explica, usa em contrapartida ao
otimista individual. Enquanto este se move pela confiança em si e pela ambição,
aquele tira forças da confiança no outro e da esperança. “Não é uma visão
Poliana”, faz questão de justificar, numa analogia à personagem da literatura
juvenil imortalizada pelo “jogo do contente” (estratégia por ela inventada para
sempre ver o lado bom das situações ruins). “Mudar o mundo é ‘dificilérrimo’,
mas, apesar disso, é preciso continuar.” Pode parecer utópico, mas, se a
ciência mostrou a influência do otimismo de um povo na recuperação econômica de
um país, por que esse mesmo fator não poderia impactar na desigualdade social?
E não é só fora de casa que o clima
otimista ajuda. Entre quatro paredes, pensar positivo também traz ganhos. Para
o psicólogo Tal Ben-Shahar, que se tornou famoso por lotar salas de aula na
Universidade Harvard (EUA) para ensinar psicologia positiva, o otimista faz bem
ao seu entorno. “Para o otimista, estar em uma relação é uma forma de se sentir
mais forte diante dos problemas”, disse Ben-Shahar à ISTOÉ. Enxergando o
companheiro como aliado, e não como inimigo, a situação doméstica fica
harmoniosa. “O otimista dá mais apoio ao companheiro e isso ajuda a resolver os
conflitos de um modo mais construtivo e menos violento”, disse à ISTOÉ Sanjay
Srivastava, pesquisador do laboratório de personalidade e dinâmica social da
Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. Isso não necessariamente os faz se
divorciar menos, mas encarar com desenvoltura novas relações.
Que o diga a blogueira e escritora
paulista Gisela Rao, 47 anos. Feliz como se fosse subir ao altar pela primeira
vez, ela se prepara para consumar o terceiro casamento, em março, com o
representante comercial Beto Lima, 33 anos. “É diferente, estou mais madura na
relação”, diz. Desta vez, garante, o futuro marido é “do seu número”. “Escolhi
alguém dentro do perfil que eu queria. Nos outros casamentos não tinha essa
mesma clareza.” Após ouvir uma entrevista de Gisela sobre seu livro “Não Comi,
não Rezei, mas me Amei” (Editora Matrix), Lima resolveu procurá-la. Foi amor à
primeira vista. Em três meses estavam noivos e de casamento marcado. Os
fantasmas dos relacionamentos passados, garante a escritora, não assombram a
felicidade que transborda do casal atualmente.
Não só metaforicamente o otimismo
faz bem ao coração. Está comprovado: acreditar no amanhã protege de doenças
cardiovasculares. Em um estudo feito pela Universidade de Michigan (EUA), um
ponto a mais de otimismo, em uma escala que variava de zero a 16, representava
9% a menos de chance de ter um infarto. Quem é mais otimista abraça de forma
mais contundente suas obrigações de paciente. Toma a medicação de forma
controlada e adere às dietas alimentares sem reclamar. Além do sistema
cardiovascular, a imunidade também melhora. “Avaliando um grupo de 124 estudantes,
observamos que, quando estavam mais otimistas que o usual, o sistema
imunológico respondia de forma mais consistente”, explicou à ISTOÉ a cientista
Suzanne Segerstrom, da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos.